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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/03/2022

Uma artista que virou do avesso as capacidades das drum machines e dos computadores.

Ikue Mori: “O que fiz ficou no passado. Estou mais interessada no presente e no que virá de seguida”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/03/2022

Ikue Mori está de regresso a Portugal, desta vez com Braga como destino. No gnration esperam-na três situações: uma masterclass (a 26 de Março, pela manhã, que dará com o tema “Instrumentos Não Convencionais”), uma residência artística de vários dias com os percussionistas Nuno Aroso e João Miguel Braga Simões, ambos com actividade na área da música contemporânea, e um concerto final de apresentação das peças que criarem em conjunto (também a 26, no final da tarde, com entrada gratuita).

A japonesa tornada nova-iorquina que foi baterista dos DNA de Arto Lindsay e é colaboradora frequente de John Zorn e de músicos de primeiro plano como Fred Frith, Zeena Parkins, Evan Parker, Thurston Moore e Marc Ribot esteve à conversa com a Rimas e Batidas e falou-nos do presente, do futuro e um pouco, também, do passado, apesar de sublinhar que este ficou para trás na sua história, e o que lhe interessa é “o que virá de seguida”.



Vem a Portugal este mês para uma residência artística, uma masterclass e um concerto em colaboração com dois percussionistas portugueses. Julgo que é a primeira vez que tal acontece no seu percurso. O único músico deste país com quem tinha alguma ligação era Carlos “Zíngaro”…

Sim, e estou muito excitada com a perspectiva de trabalhar com o Nuno e o João Miguel. Vamos criar novas peças originais.

Já que começamos por falar sobre o que vai acontecer no futuro próximo, pergunto-lhe sobre o novo disco que vai sair em Junho pela Tzadik, Tracing the Magic, e o concerto que vai ter em Maio na já lendária Roulette de Nova Iorque. O que é que me pode adiantar a respeito?

Todas as peças desse álbum foram inspiradas por, e dedicadas a, mulheres artistas cuja poderosa visão e criatividade as levou a estarem activas até aos seus 80 e 90 anos de idade: Joan Jonas, Louise Bourgeois, Agnes Martin, Judit Reigl, Leonora Carrington, Jakucho Setouchi e Toko Shinoda. Cada composição tem convidados diferentes, entre Charmaine Lee, Sae Hashimoto, Sylvie Courvoisier, Makigami Koichi, Erik Friedlander, Satoko Fujii, Natsuki Tamura, Zeena Parkins, Ned Rothenberg e David Watson. Todos eles gravaram as suas participações remotamente e enviaram-me os ficheiros, que depois misturei com os meus próprios registos. O concerto na Roulette será baseado no Tracing the Magic, mas só com músicos nova-iorquinos e em formato de ensemble.

A produção deste disco foi realizada, portanto, à distância, devido à pandemia. Com as digressões e os concertos cancelados encontrou maneira de continuar a criar em casa, como tantos músicos foram obrigados a fazer em todo o mundo. Que tal foi essa experiência?

Na verdade, estes dois anos foram bons para mim, pois precisava de fazer uma pausa das viagens constantes que vinha fazendo e que impediam que me concentrasse e focasse nos meus projectos. Tentei fazer sessões ao vivo online, mas a qualidade do som pela Internet não era suficientemente boa e troquei esse conceito pelo da troca de ficheiros com outros músicos.

Daí que tenha lançado seis álbuns em 2020 e 2021, com figuras como Brian Marsella, Fred Frith, Tim Daisy, Satoko Fuji e phew…

O projecto de troca de ficheiros foi muito bem sucedido e isso permitiu-me produzir e lançar três discos: Archipelago X, em trio com Brian Marsella e Sae Hashimoto, Prickly Pear Cactus, com Satoko Fujii e Natsuki Tamura, e Light and Shade, um duo com Tim Daisy. A Mountain Doesn’t Know It’s Tall, com Fred Frith, IPY, com YoshimiO e phew e as Bagatelles de John Zorn foram gravados antes, mas finalizados e editados também nesse período. No caso do Archipelago X foi até vantajoso, pois Brian e Sae possuem uma parafernália de instrumentos de percussão e de teclados no seu estúdio doméstico de que não poderiam dispor num normal estúdio de gravação. Ou seja, pudemos ter todo o tempo disponível, de dia ou de noite, sem as interrupções das tours e dos concertos, pelo que esta pandemia foi até, ironicamente, uma boa oportunidade.

De baterista com os DNA a manipuladora de drum machines e depois a laptopper teve uma evolução ao longo do tempo que lhe permitiu ir de um trabalho com base em noções rítmicas a outros tipos de abordagens, no domínio da electroacústica. Como avalia agora este seu trajecto?

Foram 40 anos de evolução. Enquanto música autodidacta aprendi muito com a comunidade dos músicos que encorajam e apoiam as ideias menos convencionais. Foram eles que me permitiram ir explorando os sons cada vez mais além.



Utiliza o laptop também para desenvolver trabalho visual, e algumas das suas composições foram criadas para musicar filmes mudos de Maya Deren e Joan Jonas, o que já denotava um interesse especial pelas imagens em movimento. Devemos entender que está cada vez mais orientada para uma arte intermédia, que para todos os efeitos tem uma grande tradição na vanguarda norte-americana? É uma cena em que tem estado inserida desde a década de 1970…

Fui sempre fã de música para bandas sonoras e comecei por colaborar no início dos anos 1990 com a realizadora Abigale Child, de Nova Iorque. Tornou-se em algo que eu cada vez mais queria fazer, compor deixa a deixa para cinema. Assim, desde o ano 2000 comecei a fazer os meus próprios vídeos com música e depois a criar performances com marionetas, vídeo e música ao vivo. Quando iniciei a minha colaboração com a Joan estava tudo lá do que mais adoro: vídeo, outros visuais, narrativa, adereços. Trabalhar com ela foi das experiências mais inspiradoras que tive, e Joan Jonas continua a ser uma referência para mim.

Considera-se uma música, segundo o significado comum da função, ou uma artista que aplica conceitos visuais no domínio do som?

Acho que sou simultaneamente música e artista visual. Aliás, a partir dos anos 2000, devido ao desenvolvimento das ferramentas digitais, as fronteiras entre os dois âmbitos, música e arte visual, ficou mais ténue.

Ao longo da sua carreira teve projectos muito importantes, como Death Ambient e Phantom Orchard, e uma enorme quantidade de parcerias com grandes nomes da música criativa. Entre todos os que fizeram a sua história pessoal quais é que pretende continuar no futuro?

Ainda que não da mesma forma, continuo a colaborar com Fred Frith e Zeena Parkins em diferentes projectos. O que fiz ficou no passado, faz parte da minha história, mas estou mais interessada no presente e no que virá de seguida.

A cena musical em que está integrada continua a ser dominada por homens, mesmo que algumas coisas tenham entretanto mudado. É uma questão que a preocupa?

Sempre apoiei as mulheres artistas e os meus projectos incluem mulheres. Estou muito ciente dos desequilíbrios existentes, mas não quero que as minhas decisões sejam determinadas por qualquer agenda política. Quero eu dizer com isto que eu não incluo outras mulheres nos meus projectos por serem mulheres, mas por serem óptimas músicas. Do mesmo modo, não elimino homens dos meus projectos por serem homens.

Veio a Portugal tocar várias vezes e tem agora esta colaboração com dois portugueses. Existe, pois, já uma conexão sua com o nosso país. É algo que poderá aprofundar-se?

Adoro Portugal, e é bom lembrar que as primeiras ligações entre Portugal e o Japão, onde nasci, datam de 1543. Vocês foram os primeiros europeus a chegarem ao Japão. Estou ansiosa por voltar aí. Passei sempre momentos maravilhosos convosco.


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