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Fotografia: Ana Viotti
Publicado a: 05/11/2021

Depois de apresentar o disco em Lisboa, o músico vai tocá-lo no Porto (6 de Novembro), em Ovar (12 de Novembro) e em Braga (13 de Novembro).

Iguana Garcia: “Já são muitos anos a fazer as coisas por mim, mas gostava de começar a colaborar mais”

Fotografia: Ana Viotti
Publicado a: 05/11/2021

Depois de Cabaret Aleatório (2017) e Vagas (2020), Ilha Da Iguana é o terceiro longa-duração de Iguana Garcia, o alter-ego de João Garcia.

No Bandcamp, o texto dá-nos as (des)orientações: “Bloqueado geograficamente, o mar do artista lisboeta só podia ser um. Embarcou com uma tripulação de MIDI’s piratas, a drum machine como primeiro imediata, poeta na linguagem dos 0’s e 1’s. O objectivo era encontrar as correntes do house e do techno, não abandonando a pop, e ver que lugar terá a língua de Camões em tais latitudes. A guitarra ficou em terra. São 10 cantigas que contam o naufrágio de 2020 e 2021 para a música de dança, de olhos posto em futuras pistas.”

Ainda num registo tecnológico pós-pandémico, o Rimas e Batidas combinou uma reunião no Zoom com o produtor lisboeta, que conversou sobre a maneira como aquilo que anda a ouvir o influencia, abordando também o processo criativo do seu mais recente álbum, que foi editado no início do passado mês de Outubro.



As tuas sonoridades iniciais passaram muito pelo indie, o rock e por bandas tipo Queens of The Stone Age, Arctic Monkeys, Franz Ferdinand. Agora neste novo álbum temos umas sonoridades mais picantes, com o tarraxo a dar tudo. Fala-me um bocadinho de como é que tu fazes esta passagem, no teu percurso musical, do rock para a electrónica, e depois para esta mistura em que acrescentas sonoridades africanas?

Para já, isto tudo quer dizer que eu vou buscar as referências àquilo que vou ouvindo. E o rock inicial, o indie rock, principalmente, tinha muito a ver [com isso] porque foi aquilo que eu cresci a ouvir — e ouvi durante uma década da minha vida, quase. Depois, com o passar do tempo, a pop entrou muito no som e o segundo álbum [Vagas] reflecte muito isso, que é mais pop, que é mais calmo. E neste aqui entrou uma sonoridade de música de dança muito maior. O tempo em que eu comecei a pensar fazer o álbum ainda era um tempo – foi antes da pandemia – em que estava a sair muito, estava a passar muitas horas do meu tempo a dançar e a ouvir música electrónica e isso iria reflectir-se necessariamente no que ia fazer. E foi isso, o álbum foi feito basicamente nos últimos dois anos e na altura essas referências estavam muito frescas. Tem sido o que tenho ouvido mais também, as referências mais tarraxadas, mais afro, acho que na altura vieram de pessoas que me influenciaram em conversas. Lembro-me de conversas que tive com o Pedro Mafama, Celeste Mariposa, e de referências que eu ia buscar que eles me ensinavam. Eu acho que o tema dado ao álbum – a Ilha [da Iguana] – vai-me fazer buscar esse lado electrónico e meio tarraxado. 

É como entrar num imaginário próprio em que se junta muito bem estes diferentes mundos.

É isso, é isso. Acima de tudo, é sempre um imaginário. Um trabalho meu consiste também em haver sempre um conceito imaginativo que eu tenha por trás, não quer dizer que depois seja o mesmo que passa para as outras pessoas, mas agarro-me a esse conceito para formar um conjunto de músicas.

E qual é que sentes que foi o maior desafio criativo durante estes dois anos a fazer este trabalho?

Foi o desgaste. Por começar a compor as músicas muito depressa, e elas foram quase todas compostas em sessões que eu fiz na quarentena, quer dizer que eram música feitas num dia, e depois foi o desgaste de aprender a misturar as músicas, ouvi-las centenas e centenas de vezes, quase milhares, e isso desgasta-te muito a percepção que tu tens da música e do trabalho em si. Mas era uma altura em que queria muito, pela primeira vez na vida, aprender a misturar, porque eu não sabia fazer propriamente. Os meus dois primeiros álbuns foram misturados pelo Fábio Jevelim e o Makoto Yagyu, e eu, enquanto produtor, faltava-me isso, era uma falha grave. Então, esse desafio foi mais aliciante, mais importante, e foi aquilo que eu acho que desenvolvi mais ao longo destes últimos dois anos. Mas realmente eu estava muito cansado de ouvir sempre as mesmas músicas, é que eram dezenas de vezes ao dia.

Basicamente, tu és um onemanband, para além de compores, escreveres e agora acrescentares esta parte de produção em que estás a misturar as tuas próprias músicas e dizer que é muito desafiante. Como é que tu vês agora com outros olhos este trabalho? Explica-me como é que entraste no álbum e como é que sais.

Eu entro um bocado perdido, porque tinha muitas músicas soltas e que quero usar, mas vou continuar a ir buscar essas músicas enquanto não fizer outras novas também, para ir lançando novos trabalhos. E eu acho também que entras um bocadinho perdido a apalpar o que é que vais falar, não é… Depois fiquei muito contente. Acabo por sentir que o desafio a que me propus está bem feito, consegui evoluir a minha sonoridade, gosto de ouvir as músicas, gosto de ouvir o álbum, saio “buéda” contente [risos].

O contexto do álbum e as letras são muito à volta da pandemia, mas nota-se que as letras não são o ponto central das tuas canções.

Não…



Tu vês as tuas letras e a tua voz como um instrumento adicional aos softwares, às tuas máquinas de composição?

Neste álbum sim, vejo-as [dessa maneira]. Neste álbum, há quase tanto espaço de voz em letra como há ali de uns barulhinhos de vozes que entram, que nem sempre se projectam como alguma mensagem. Também porque as músicas, como eu te disse, foram compostas num curto espaço de tempo, e as letras eram feitas um bocadinho naquele jogo de palavras de improviso. Uma ou outra palavra que eu melhorei, mas basicamente aquilo saía à primeira, à segunda ou à terceira. Ficava ali uma ideia. Como eu fazia as músicas em casa, também não tinha grande sistema de gravação de voz, infelizmente tenho de melhorar isso. Acabei por fazer muitas vozes mais como apontamento que, aliás, é como eu já tinha feito no primeiro álbum, no Cabaret Aleatório, o segundo é que, de facto, tem muito mais voz. No futuro, poderá vir outro álbum em que essencialmente a voz está lá a guiar o instrumental em vez de ser apontamento, mas aqui pareceu-me bem voltar um bocadinho à origem do projecto como Iguana.

Agora falando do futuro. Tu achas que faz sentido começares a entrar em colaborações com outros artistas e que artistas é que faziam sentido para ti? 

Sim… Olha agora até deve estar para sair — acho que é a primeira colaboração que eu faço com alguém — o álbum de uma banda que se chama Atalaia Airlines, faço uma pequena colaboração lá no meio do álbum. Depois, eu gostava muito de trazer artistas para as minhas músicas, ou seja, cantores em produções minhas, cantores ou outros instrumentistas, tanto como gostava de aparecer em colaborações com os outros porque eu gosto de criar sobre ideias de outras pessoas também e não partir só de mim. Tornei-me um bocadinho um eremita solitário criativamente [risos] porque já são muitos anos a fazer as coisas por mim e eu sinto falta e gostava de começar a colaborar mais, tenho de ir à procura também, nunca faço essa pergunta e há muitas pessoas com quem gostava de colaborar. Muitas mesmo. Algumas que já estive envolvido em estúdio, lembro-me de já ter trocado ideias com o André Henriques, de Linda Martini, por exemplo, que é uma pessoa que eu adorava que um dia cantasse uma música num tema meu — adorava que isso pudesse vir a acontecer e acho que pode vir a acontecer. Mas há tanta gente, eu acho que há tanta gente na música portuguesa e isso é “buéda” bom, figuras que me apaixonam e andam aqui no meio. 

Então, nunca terias problema em deixar o teu lado de eremita para abrires o projecto, que deixe de ser só teu e que passe a ser, por alguns momentos, de outras pessoas também? 

Claro, curtia bué. Eu acho que o projecto em si é o meu principal alter-ego musical, mas gostava também de ter outros alter-egos, também gostava que houvesse uma banda de Iguana Garcia ou um álbum colaborativo como o David Bruno fez com o Mike El Nite, acho que tudo isso é para explorar. Sou novo e quero explorar isso tudo no caminho [risos]. 

Não pões qualquer tipo de barreira, nem limites. 

De todo, mesmo. Acho que uma coisa boa de fazeres as coisas sozinho é que não precisas de te comprometer com mais do que aquilo que tu achas, o que não acontece em bandas e com outros projectos coletivos. Mas no meu caso, só acho que tenho a ganhar em tentar abrir essas portas. 

E não tens o receio de deixar de ter a tua sonoridade e perder um bocadinho o traço de Iguana Garcia ou achas que é um acontecimento natural?

Eu acho que um dos desafios é fazer sem que esse traço se perca por completo. Eu tenho feito isto de maneira a que os três álbuns não se encaixem concretamente em nenhum género musical. Vão beber a tantos e eu acho que isso é um bocadinho o reflexo, de inicialmente, ter alguma falta de skill de produção e o meu som ser assim, mas isso até pode ser bom — como também é de deixar as portas abertas para que haja ali alguma estrutura. Sou eu que a faço, é criativo meu e independentemente das pessoas com quem colabore, vou conseguir sempre pintar com as minhas cores e ter um bocadinho esse selo reconhecível. Eu espero tentar fazer isso. O desafio será sempre fazer, mesmo que a música seja num extremo em que sejam só instrumentos acústicos, que haja qualquer coisa lá que tu quando oiças digas que consegues perceber onde é que está o Iguana Garcia. 



Uma vez que há pouco explicaste que o álbum demorou dois anos, mas que tinhas as músicas prontas de início. Ao longo destes dois anos, a afinação vem de um lado perfeccionista? 

Perfeccionista eu não sou, propriamente. Não o reconheço na minha maneira de estar. Nada. E na música sou mais exigente comigo próprio do que sou, se calhar, nos outros lados da minha vida. Mas não sou propriamente perfeccionista, só que, para já, sendo completamente sincero, foi uma altura em que era difícil tu estares a investir dinheiro para que o teu álbum saísse numa altura em que não ias ter concertos. Era pouco viável até dessa perspectiva e para mim sempre foi importante tentar evoluir naqueles lados que te estava a dizer, na mistura e na masterização. Então, eu tinha mesmo uma noção muito mínima e tive que fazer não por perfeccionismo, mas por realismo para que lançasse um álbum que sonicamente estivesse timbrado, porque as músicas podem estar bem feitas, só que depois há toda uma componente de equalização e compressão que, se tu não fizeres bem, tu estás a estragar a música. E pode ser sempre ouvida de uma maneira melhor. Foi só aprender isso e eu não sabia. E foi praticar, foi aprender com tutoriais e receber conselhos de malta amiga. Quer dizer, demorou tempo.

Fazer e lançar um álbum em tempos em que não podes fazer concertos e todo o contexto pandémico acabou por ser um bocadinho desmotivador e agora que estamos a voltar pseudo-normal, tens expectativas para concertos e apresentares o teu disco ao vivo?

Eu já o apresentei em Lisboa, em conjunto com o lançamento da editora que entretanto comecei com o Fábio, um amigo meu. Fizemos a festa de apresentação da Disco Interno no sábado passado. Apresentei aí o Ilha da Iguana pela primeira vez. Agora vamos fazer uma segunda festa, que é no Porto, no dia 6 de Novembro, que vai contar com um concerto de YAKUZA, um concerto meu e um DJ set de Disco Interno. Vai ser no Ferro Bar e acho que será uma noite muito forte — já não toco lá há três ou quatro anos. Já sinto falta de ir ao Porto mandar um concerto. Depois também estou em Ovar no dia 12 de Novembro, em Braga no dia 13 de novembro. Volto a Lisboa no fim do mês, acho que no dia 27… Começam a aparecer umas datas… o álbum acabou de sair e agora é voltar a ter estrada. Já tenho saudades do que isso é [risos]. Já passou muito tempo desde que houve uma estrada concreta como Iguana e, então, estou mesmo com vontade. 

Há pouco estávamos a falar da questão do perfeccionismo e disseste que não é algo que tu leves no teu dia a dia, mas que acabas por ser um bocadinho exigente na música, o que me leva a questionar-te: qual é a linha que separa o João da Iguana? 

Não sei bem… Tornou-se difícil, às vezes, porque as pessoas com quem eu me dou chamam-me Iguana, mas o Iguana solta sempre algo, o João é o João no dia a dia. Pode ser chamado Iguana, mas é o João [risos]. Só que, lá está, eu acho que o meu projecto não é um projecto de mascarar. Aquilo que eu sou como Iguana Garcia é aquilo que sou como João, mas mais focado na música, como é óbvio. Tento no dia a dia nem falar muito sobre as minhas composições. Não é um tema de conversa que tenha com os meus amigos, propriamente. Um ou outro, que são músicos, mas com os meus pais ou os meus amigos não falo sobre ideias, planos, expectativas… em momentos esporádicos, talvez. 

Então corrige-me se estiver errada, o João é um comum mortal e Iguana é o sítio para onde o João vai explorar os seus imaginários secretos? 

Não sei bem, não sei bem se é o sítio onde vai explorar os imaginários, mas é uma boa capa para me sentar a um instrumento e tirar algum gozo e perceber que, como produtor, por mais pequeno ou alternativo que seja, já começo a ter uma estética ou uma sonoridade. Sentar-me [frente] a um instrumento ou a um piano e tocar uma música no meu tempo livre é um bocadinho o reflexo desse imaginário. 

E não achas que às vezes é tentador mudar essa sonoridade?

Há-de ser, sim. E depois também podes começar outros projectos, acho que é preciso explorar as sonoridades todas que te apetecer. Acho que não deve ser só uma tentação, deve ser um input, um instinto que deves seguir. Se não for para um projecto actual teu, que comeces outro, que faças outra identidade. Por exemplo, eu nunca tinha gostado de dub e desde há algum tempo que tenho começado a desenvolver algum gosto por alguma música dub que me vai aparecendo e quem sabe um dia não entro por esse registo. Acho que com Iguana nunca seria um dub muito clássico, mas é um exemplo.


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