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Publicado a: 28/08/2018

IAM no Paris Summer Jam 2018: Mestres sem cerimónias

Publicado a: 28/08/2018

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Direitos Reservados

Ouvir “Demain C’est Loin” em disco é mergulhar a fundo no quotidiano dos bairros problemáticos de Marselha do final dos anos 90, onde sobressaem naturalmente temáticas como a venda e o consumo de droga, a prostituição, o tráfico de armas, o alcoolismo e os problemas familiares inerentes, as mortes prematuras, os jovens que se deixam absorver pela vida de rua, os problemas com a polícia e a dificuldade de acesso a serviços como a saúde e a educação. Neste tema de nove minutos, retirado do clássico L’École du Micro D’Argent (1997), Akhenaton e Shurik’n exploram estes tópicos de forma crua e impiedosa, sem direito a pausas ou refrão, simplesmente acompanhados por um vídeo que consegue também ele ter um peso particular.

Ouvir “Demain C’est Loin” ao vivo, como aconteceu no concerto dos IAM, integrado no cartaz do festival Paris Summer Jam 2018, na passada sexta-feira, em Paris, onde também actuaram os N.E.R.D. e Kendrick Lamar, é regressar a esse passado anteriormente retratado e voltar a vivê-lo in loco. “Sinto que a situação piorou”, confessou Akhenaton numa entrevista ao site Konbini, por altura da celebração dos 18 anos do lançamento da música, “a esperança que havia na altura evaporou-se; os jovens radicalizaram-se, porque os valores da república que lhes foram prometidos na altura nunca chegaram a ser colocados em prática”. Mas os IAM não são pessoas de baixar os braços e fazem questão de trazer estes e outros temas similares a palco como exercício de consciencialização.

O cenário que diante dos nossos olhos se ergue, na U Arena, em Nanterre, local escolhido para albergar a noite de concertos proposta pelo Paris Summer Jam 2018, é digno de um quadro de honra do hip hop francês. Três bancadas de DJ elevadas uns quantos metros acima das cabeças das pessoas, duas estruturas em truss, iluminadas e a desenharem a forma de templos orientais, uma moldura alusiva ao logótipo do álbum L’École du Micro D’Argent, destinada à projecção vídeo, e vários abajures de papel vermelho que sobem e descem consoante as músicas. Nas laterais, vários biombos com os alias dos artistas que incorporam o colectivo: Akhenaton, Shurik’n, Khéops, Imothep e Kephren.

 



Apesar de terem escolhido nomes que nos remetem para cultura egípcia e de algumas das suas canções se ligarem a um ideal faraónico – não esquecendo também o tão bem sucedido concerto servido nas imediações das pirâmides de Gizé, em 2008 –, os IAM construíram grande parte do imaginário da sua carreira em torno da cultura asiática, à imagem daquilo que fizeram paralelamente, quase no mesmo intervalo temporal, os Wu-Tang Clan. Não é por isso de estranhar a conexão feita em “La Saga” com os Sunz of Man, grupo afiliado ao colectivo liderado por RZA. No concerto de sexta-feira, este que é o quarto tema do álbum que também serve de casa a “Demain C’est Loin” teve uma interpretação e uma recepção à altura do clássico que é.

“Nés Sous la Même Êtoile” e “Petit Frère”, também elas retiradas de L’École du Micro D’Argent, são outras das músicas a marcarem presença no alinhamento, com Akhenaton e Shurik’n a mostrarem um enorme profissionalismo na hora de atacarem os microfones, com uma sede de discurso e uma garra de palco capaz de deixar muitos jovens em sentido, não sendo por isso de admirar o percurso deste colectivo que, ainda há pouco tempo, mais precisamente no ano passado, editou o álbum Rêvolution, recheado de magníficos e actuais temas como “Monnaie de Singe”, que explora, entre outras, a problemática das redes sociais.

Os microfones são as espadas destes samurais. E apesar de em “L’empire du Côté Obscure” terem empunhado sabres de luz na mão esquerda, numa ligação directa ao lado negro da força desenvolvido e explorado pela saga Star Wars, é na mão direita, aquela que cerra firmemente o emissor sem fios, que se concentra toda a energia destes combatentes Jedi. Os golpes são aplicados em refinada poesia, certamente desenvolvida nos mesmos templos onde o super guerreiro Lamar se enclausurou para a construção de DAMN., em diferentes épocas e com diferentes resultados, é certo, mas sempre com a palavra em primeira instância, como prioridade emergente e matéria-prima não descartável.

Ver os IAM ao vivo é muito mais do que regressar ao passado. É abraçar também a actualidade de um dos mais importantes colectivos de hip hop francês, um presente que se funde com a intemporalidade de algumas das suas músicas. Mais do que isso. É estar perante a história do hip hop sem que ela passe cada qual dos segundos a relembrar que foi história. Os IAM têm a consciência da sua longevidade e representatividade dentro da cultura, e isso basta-lhes. Eles não são a velha escola. São A Escola. Ponto final.

 


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