LP / CD / Digital

Hus Kingpin

Portishus

Edição Independente / 2021

Texto de Nuno Afonso

Publicado a: 16/02/2021

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What you see is what you get. É assim, sem manobras de maquilhagem ou epifanias, que o MC de Long Island, Nova Iorque, se tem guiado na última dezena de anos. Olhando para trás, já vemos um longo portfólio, quer a solo, quer com os seus Tha Connection, num percurso deveras sólido e que acaba por falar por si. Aquele eco do boom bap de outros tempos traça as batidas secas das ruas vazias, enquanto as histórias vividas e memórias turvas são versadas numa lírica fluída que só deve e pode ser intensa. Escutar Hus assume-se, mais do que nunca, como uma experiência quase fora do tempo presente; ou uma leve sensação de anacronismo bom, com os 90s aqui ao lado.

Neste que é um álbum de evocação, não haveria talvez ninguém melhor, nos dias que correm, que Kingpin para pegar na herança — ainda e sempre preciosa — dos Portishead. A banda de Bristol que em 1994 editou Dummy, desde logo deixou claro as possibilidades cinematográficas de um género que, estando fora do hemisfério do hip hop, trazia consigo uma genética demasiado próxima. Um facto que todos viram, mas poucos se dedicaram a explorar essa ponte de identidades. Se o título já se assumia como uma pista, e a capa do disco em muito dissipava dúvidas, é efectivamente na escuta dos 20 temas que essa inspiração alcança corpo e alma.

Portishus ressalta desde logo pela inteligência de escolhas e pelo cuidado nos caminhos a seguir. Quer isto dizer que não temos entre mãos um mero disco de sampling e iconografia em redor do grupo de Beth Gibbons. Existem naturalmente essas referências sonoras, visuais e até imaginárias, que surgem por vezes apresentadas de modo imediato e reconhecível, enquanto noutras se apresentam mais dissimuladas, mas em nada parece afectar a natureza basilar de Kingpin. Continua aliás a soar como o próprio e ainda abre espaço para uma lista de convidados que inclui Ransom, Roc C, Doza the Drum Dealer ou SmooVth, muitos deles gente familiar ao rapper.

Dada a sua origem, a natureza cinematográfica de Portishus é irrepreensível. Recordará, a espaços, alguns dos melhores momentos de DJ Shadow ou de Mobb Deep, dados a uma introspecção solitária. É um disco nocturno, feito para soar a altas horas e com a janela semi-aberta, não vá a escuta ser complementada por qualquer ruído, diálogo ou situação da vida lá fora. A música de Hus Kingpin tem esse pulso de se conectar com o que o rodeia — e talvez por isso a explicação com a ligação aos mestres britânicos que ditou inspiração.

Após um ano de 2020 bastante frutífero para o artista, com dois discos de calibre, de onde se destaca Gunpowder, esta é mais uma peça forte no maravilhoso puzzle em movimento de Hus. Definitivamente um projecto para tirar notas e demonstrar, se isso fosse realmente necessário, que o boom bap está bem e recomenda-se sem reservas.


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