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Publicado a: 22/12/2015

House: A História XI

Publicado a: 22/12/2015

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

 

Décimo primeiro capítulo da publicação periódica no Rimas e Batidas dos capítulos do livro “House – A História” assinado por Rui Miguel Abreu e editado em 2006.

Revejam todos os capítulos da série aqui.

 


 

[LONDRES, IBIZA, NOVA IORQUE E O MUNDO]

Chicago podia até ser o centro do mundo em termos da criação de novos discos, que saíam a um ritmo impressionante, mas foi em Inglaterra que a música causou maior impacto. Em 1988 uma série de clubes abriram em Londres e Manchester e um pouco por toda a Inglaterra, dando ao acid house uma plataforma de que até aí não tinha disposto. Em Chicago o house já tinha dado sinais de que poderia apelar a um público mais vasto do que o que enchia o Music Box e o Power Plant todas as semanas, mas foi em Londres que a propagação do house superou todas as expectativas adquirindo rapidamente o estatuto de fenómeno. A imprensa não se coibia de dizer que o acid house se tinha transformado no maior culto juvenil desde o punk e os músicos ingleses faziam justiça a essa ideia produzindo os seus primeiros clássicos – “Oochy Koochy” de Baby Ford, “Voodoo Ray” de A Guy Called Gerald – e os seus primeiros êxitos de vendas – “Theme From S’Express” dos S’Express e, claro, ”We Call It Acid” de D-Mob, o tema responsável por obrigar toda a gente nos clubes a gritar ”Aciiieeeeed!” Ao mesmo tempo que a música se impunha, uma nova droga entrava de rompante nos clubes e dominava as atenções. O ecstasy não apareceu por causa da música, como é óbvio, mas viu a sua circulação aumentar exponencialmente devido ao simples facto de o crescimento das festas significar que havia mais lugares para o distribuir. Acid house e ecstasy passaram a ser mencionados nas mesmas frases com enorme frequência – em 1998, na revista Muzik (24), Bethan Cole explicava os efeitos desta droga escrevendo que sob o seu efeito cada novo disco é um novo sentimento e cada detalhe ecoa na nossa cabeça. Os tablóides ingleses, claro, adoraram este folclore. Foi também em 1988 que DJs como Paul Oakenfold e Danny Rampling foram até Ibiza prolongar a festa, trazendo depois o conceito “Balearic” – que basicamente significava ecletismo – para criarem novas experiências de clubbing em Inglaterra.

 


 

 


Outro dos factos memoráveis de 1988, no que ao house diz respeito, tem que ser visto na assinatura de contrato dos Ten City (na foto acima) de Marshall Jefferson com a Atlantic, histórica editora americana com uma longa ligação ao jazz, à soul e aos blues. Porque, pela primeira vez, o centro da atenção se deslocava do produtor para um grupo e também porque Jefferson soube integrar a tradição soul nos desenvolvimentos descobertos em Chicago. O impacto dos Ten City em Nova Iorque foi tremendo, sobretudo graças ao tema “Devotion”. Com “That’s The Way Love Is”, editado em 1989, a influência dos Ten City ultrapassou as fronteiras e Jefferson registou mais um hit em Inglaterra. Seguiram-se muitos mais, com o inesquecível “French Kiss” de Lil’ Louis ou “Tears” do veterano Frankie Knuckles a darem igualmente provas da rápida chegada do house a uma saudável maturidade estética. Mais ao menos ao mesmo tempo, o techno também se rendeu às canções: “Big Fun” dos Inner City de Kevin Saunderson também foi rápido a captar a atenção de DJs e clubbers um pouco por todo o lado.

 


 

 


Por alturas de 1988 estava-se também em plena Golden Age do hip gop. Esta era é assim denominada dada a concentração de obras-primas num curto espaço de tempo e também por se terem em conta os enormes avanços estéticos registados nessa altura, tanto do ponto de vista poético, como do ponto de vista musical (graças ao início da exploração séria das potencialidades do sampling). Pode dizer-se que o hip hop e o house partilhavam uma série de valores comuns – como o apego à comunidade ou o espírito celebratório – e que ambas as culturas podiam reclamar ter nascido em condições sócio-económicas adversas. A figura tutelar do DJ e a reverência pelo lado mais rítmico do disco eram igualmente factores comuns na história do hip hop e do house. Era por isso inevitável que começassem a surgir cruzamentos entre dois géneros que tinham sido criados em atmosferas tão semelhantes. Um olhar atento sobre os maxis dos principais artistas de hip hop dessa época – de Eric B & Rakim aos EPMD, passando pelos De La Soul e LL Cool J – revelará sempre uma Club Mix ou, mais descaradamente, uma Hip House Remix dos temas do momento. Foi a forma que o hip hop encontrou para penetrar nos clubes de house. Mas de Chicago também surgiram uma série de discos em que se testava a capacidade de um MC em cima de beats 4/4, como foi o caso do insuperável “Turn Up The Bass” de Tyree Cooper com o rapper Kool Rock Steady, um dos expoentes do sub-género Hip House.

 


 

 


E Nova Iorque? Pode dizer-se que a partir de 88, com a entrada em cena de Todd Terry, o domínio de Chicago começou lentamente a ser questionado. Porque um novo estilo de produção também entrou em cena. No hip hop o sampling ia mudando a forma como se fazia e ouvia música e Terry, nativo de Brooklyn, integrou isso na sua abordagem ao House e passou o resto da década a editar hit atrás de hit, incluindo o ultra-clássico “Can You Party” assinado por Royal House. Louie Veja recorda (25) como foi o seu primeiro encontro com Terry: Apareceu-me um tipo ao pé da cabine de DJ e disse-me ‘olá eu chamo-me Todd Terry e só te queria dar estas novas jams’. Eu ouvi aquilo rápido porque a noite estava a acabar e passei-me: ‘isto é poderoso’, pensei. Quando toquei os temas houve uma reacção instantânea na pista de dança. E eu ajudei a impôr aquele som nas pistas porque comecei a rodar os temas uns bons nove meses antes de saírem em vinil.

Todd Terry, claro, era apenas a ponta de um imensamente criativo iceberg que escondia uma activa cena com novos artistas, clubes e editoras. A palavra garage ganhava cada vez mais força e Tony Humphries, DJ no clube Zanzibar de New Jersey desde 1982, foi um dos principais impulsionadores deste novo som que tinha nos Blaze os seus mais destacados representantes. Nova Iorque parecia estar a recuperar tempo perdido e tal como em Chicago, onde editoras como a Trax e a DJ International ajudaram a impulsionar uma nova visão, também na Grande Maçã uma série de novos selos assumiram com espírito de inovação a bandeira do house. Editoras como a Nu Groove, que contava no seu rooster com gente tão diversa como Frankie Bones, Bobby Konders e Kenny ‘Dope’ Gonzalez (que estava prestes a cruzar-se com Little Louie Veja que se aproximou do house com o seu projecto Freestyle Orchestra onde Todd Terry também colaborou) ou a Strictly Rhythm, que seria a casa nova de DJ Pierre, ajudaram a reorientar as atenções para Nova Iorque, preparando a chegada da nova década com grande estrondo.

Entretanto, em Inglaterra, a cena de clubes movida a acid house tornou-se tão imensa que os promotores foram obrigados a procurar localizações cada vez maiores para as suas festas – primeiro em armazéns e depois em enormes descampados fora das cidades. A acid house culture deu rapidamente lugar à rave culture que viria a merecer atenções especiais por parte do Governo britânico que legislou para travar o cada vez mais imponente apelo das raves onde “Pacific State” dos 808 State se tornou um verdadeiro hino. Por esta altura, os êxitos massivos de house já chegavam de todo o lado e países como o Canadá ou Itália (de onde eram originários os Black Box e o seu imparável sucesso “Ride on Time”) puderam reclamar também o seu papel nesta cultura crescentemente global.

 


 

[NOTAS]

24 – O número de Março de 1998 da revista britânica Muzik foi dedicado a recordar 10 anos de cultura acid house em Inglaterra com um especial que se estendeu por diversas páginas e onde foram recordados discos, clubes e protagonistas da Club Culture em Inglaterra.

25 – Declarações incluídas num artigo disponível no site www.jahsonic.com.

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