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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/04/2019

Plural é o primeiro capítulo do novo disco da banda portuense.

Holy Nothing: “Procurámos outras formas de tornar a nossa música mais versátil”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/04/2019

Os Holy Nothing são um trio de música electrónica do Porto que, recentemente, apresentou a primeira de três partes do seu novo álbum Plural Real Animal.

Plural, o tomo inaugural do sucessor de Hypertext (2015), foi discutido à mesa numa entrevista sobre o disco, o passado artístico dos intervenientes, os convidados e o panorama musical que lhes diz respeito. Entre trocas de galhardetes, piadas e um sotaque carregado, este foi o resultado final.



Expliquem-me o conceito: vocês têm três partes, a primeira já está cá fora, a terceira só sai no último trimestre… falem-me disso.

[Nelson Silva] É conceptual…

[Pedro Rodrigues] Por acaso não gosto muito da ideia de conceptual. Não é bem um conceito, é mais uma maneira como organizámos as nossas ideias. O que aconteceu foi que estamos há dois anos neste processo de pesquisa. Ou seja, aqui o tempo foi essencial para chegar a este projecto de álbum. Andámos muito tempo a investigar música e a trazer novas referências para a banda. Uma das questões que tínhamos na forma como trabalhamos na banda foi tentar uma multi-referenciação – que é o que vem do HYPERTEXT. Ou seja, cada um de nós tem influências bastante distintas e nós tentamos conglomerar isso numa espécie de linguagem dos Holy Nothing. A linguagem musical dos Holy Nothing não é a de um de nós, é a dos três. A questão é que esgotado esse sistema e esse processo tínhamos que criar uma forma nova de fazer isto, e essa ideia foi trazer colaborações de vários artistas, tanto nacionais como internacionais.

[NS] Uma coisa juntou-se à outra. Os convites ajudaram a que houvesse diversidade de músicas que nós agrupámos

[PR] E a que é que isto leva? Leva a que tu tenhas um leque de temas distintos em que consegues agrupá-los em três ambientes muito distintos. E a nossa ideia – e aí é conceito, pronto! – é: lançamos três capítulos e o quarto, que é a junção dos três, ganha uma interpretação completamente nova. O ideal é que depois o público interprete este quarto capítulo de uma maneira nova e diferente da que fizeram ao ouvir as partes que fomos lançando em separado.

Então também vão ter convidados nas outras partes. Esta primeira parte tem alguma tropicalidade no som…

[PR] Brasil sobretudo, tem alguma brasilidade.

Tudo bem, gosto. Mas e as outras seguem esta linha ou optam por sonoridades diferentes?

[PR] O que vai acontecer é que tu tens este primeiro capítulo que, como o título indica, é um EP mais inclusivo, quase cruzando culturas diferentes e agrupando isso. As colaborações com Barbatuques e BaianaSystem dão mote a isso. E mesmo a “Tropigal” surge de sampling de música brasileira. E depois tens um segundo EP, o REAL, que vai ter colaborações na produção de nomes portugueses – nomeadamente o Moullinex, o Rui Maia e o Pedro Rompante. No final é basicamente a catarse.

[Samuel Gonçalves] Que boa palavra!

[NS] … ou a catástrofe [risos].

[PR] É onde fazemos todas as experimentações ou todos os temas mais viscerais com algo que quisemos experimentar. É um capítulo no limiar do descontrolo. É o que nós pensamos

[SG] O Animal no fundo vem justificar essa irracionalidade do último capítulo.

[PR­] Já agora, há aqui um pormenor interessante na forma de descrever os capítulos, é que o nome foi montado de forma a ser bilingue. Tens músicas cantadas tanto em português como em inglês e tens Plural, Real e Animal, que se lêem da mesma forma e escrevem da mesma forma em português ou inglês. É um bocadinho a ideia da transversalidade que Holy Nothing também tem. Nós cantamos em inglês, mas também conseguimos absorver o português, então era quase a nossa porta de entrada para a experiência.

Então a primeira parte já está cá fora, com três músicas. As próximas aproximam-se também desta duração?

[PR] São sempre três músicas. São três capítulos com três músicas cada.

E em que parte do processo é que vão?

[NS] Está pronto, praticamente. Estamos em fase de masterizações neste momento.

Agora sobre vocês. São três pessoas com trajectos diferentes. Um é professor de música (Nelson), os outros trabalham em arquitectura (Samuel e Pedro). Disseram também que Holy Nothing é precisamente a junção de três personalidades diferentes. Quais são os vossos backgrounds na música?

[PR] Eu tive bandas de garagem quando era miúdo. Tive uma banda de “pseudo-post-rock”, em Barcelos, os Estuque, que é uma coisa que já nem existe, mas foi uma primeira experiência musical com os meus amigos de infância.

[NS] Então e não fomos abrir para os Mão Morta, não? Tivemos a banda mais rápida de todas!

[PR] Ahh, é verdade! E depois eu e o Nelson tivemos uma banda que abriu para Mão Morta.

[NS] Só com sete ensaios!

[PR] Mas explicando o processo todo. O Samuel estava no Chile, ainda não tínhamos montado Holy Nothing. A banda que eu tinha [os Estuque] acaba. Tentámos começar outra e juntámo-nos eu, o guitarrista [dos Estuque], o Nelson e o antigo baterista de Glockenwise e fizemos uma banda que deu cinco concertos e abriu para Mão Morta, e depois nunca mais tocou. Nem tinha nome! Aquilo tinha nome?

[NS] Não me lembro.

[PR] Aquilo foi um bocadinho louco. No dia do concerto dos Mão Morta estivemos a ensaiar de manhã para tocar à tarde.

[NS] Abrimos para Mão Morta, isso eu lembro-me!

E como é que entras na equação, Samuel?

[SG] Eu fui o fundador, e neste momento fui despromovido a estagiário. [Risos] E portanto, não será demais eu dizer que Holy Nothing nasceu com umas experiências que eu comecei a fazer no computador. Depois contratei dois lacaios que em reunião de administração conseguiram destituir-me [Risos]. Mas foi um bocadinho esta a história. Eu tinha umas experiências feitas no computador feitas em 2008/2009. Depois combinamos juntar-nos os três, conhecemo-nos em situações muito diferentes, mas tudo bem, e quando decidimos que íamos trabalhar juntos foi a altura em que nos separámos. Eu fui para o Chile, o Nelson para o Porto e o Pedro para a Holanda por razões académicas. Então começámos a trabalhar à distância, via Dropbox e afins. Quando regressamos ao Porto, em 2011/2012, encontrámo-nos todos no Porto, e foi aí que a banda nasceu propriamente.

Então não demorou quase nada até lançarem o primeiro trabalho.

[SG] Sim, também já havia algum trabalho preparado previamente, mas sim.

[NS] Foi tirar do computador esse trabalho, que estava só no ecrã, e pô-lo em prática.

[SG] Isso depois também se sente na evolução da banda. O passar desse trabalho que era muito digital, talvez por estarmos tão agarrados ao computador, ao Dropbox, para uma coisa muito mais orgânica, muito mais ligados à sala de ensaio, que é o que a banda é hoje. Eu diria muito mais suja, porque apesar de um projecto de génese electrónica aquilo que fazemos é tocável ao vivo com baixo e teclado. E é de base muito mais analógica.

[NS] Eu sempre tive bandas, praticamente a vida toda. Tenho bandas desde os 11 anos, quando eles me conheceram tinha quatro bandas em simultâneo. Depois reparei que a única banda que se eu não trabalhasse me dava para trás, e que eu gostava, eram eles. É verdade. Então deixei tudo o que tinha na altura. Uma banda era de músicas do mundo, outra era de funk, uma de rock e ainda tinha uma de fado.

[PR] Este homem é muito ecléctico, tinha bandas de tudo!

[SG] O Nelson era também DJ da zona industrial, quando a zona industrial do Porto centralizava toda a noite da cidade. Isto para aí há 12 anos.

[NS] Há mais até, talvez.

Vocês já tinham tido convidados nos vossos discos anteriores? Tenho ideia que não.

[PR] Só na produção. As nossas experiências de colaboração, a primeira desde que começámos a editar como Holy Nothing, foi o Rui Maia (X-Wife), com quem sempre trabalhámos muito. Costumamos dizer que ele é uma espécie de padrinho. Ele esteve sempre, e está de novo neste trabalho, nas misturas. Ele produziu e misturou por exemplo todo o HYPERTEXT, produziu e misturou também os primeiros singles. Ou seja, até ao HYPERTEXT nós trabalhámos sempre com o Rui Maia. Isto foi uma colaboração constante. Anteriormente, e mais a nível musical e não de produção, tivemos um trabalho para uma compilação solidária que junta músicos portugueses com músicos do Médio Oriente. Nós fizemos uma primeira música com um artista do Dubai. Mas não foi premeditado, foi algo que foi organizado entre eles e não propriamente uma escolha nossa. Agora, premeditado e algo que faz sentido na nossa obra – este trabalho é o primeiro.

Lá está, vocês vão buscar os convidados com que intuito? Queriam seguir numa direcção diferente, e os convidados eram esse empurrão?

[NS] Foi um processo muito natural de percebermos o que queríamos fazer. Antes mesmo de começarmos a fazer as músicas nós já tínhamos a ideia de querer fazer colaborações precisamente porque as pessoas têm uma imagem de uma música electrónica muito vincada e uniforme, mas a música electrónica é muito diversificada. Podes ir buscar outras e ideias e beber daí. E foi precisamente por isso. Eu oiço música muito diferente da que o Samuel ouve, e da que o Pedro ouve, foi uma questão de tentar juntar tudo.

[PR] Também há aquela questão de que à medida que vais evoluindo e alargando a tua discografia tens que te estar constantemente a desafiar e ao mesmo tempo tornar o processo minimamente interessante. A questão do HYPERTXT foi essa, lançámos o nosso primeiro longa-duração e tivemos que nos juntar, três cabeças diferentes, e fazer uma única. E aqui foi juntar mais malta para tentarmos desafiar-nos a nós próprios. Como deves calcular, foi interessantíssimo e gostei, mas tem um esforço de produção, trabalho e comunicação extra.

Mas isso vem de um esforço concreto de fugir à caixa em que o público teima em colocar os artistas? Muitos músicos têm medo de ficar associados àquela sonoridade. E vocês serão sempre associados à electrónica, porque é isso que fazem, mas sentem medo de ficar confinados àquele som?

[NS] Eu acho que o desafio é precisamente esse. Não é uma questão de termos ou não capacidade para fazer alguma coisa, mas quase que um desafio também de procurarmos outras formas de tornar a nossa música mais versátil.

Nos convidados o Moullinex parece-me uma escolha bastante fácil. Tendo em conta a música que ambos fazem, é um “perfect match”. Mas e os outros artistas? Já os conheciam?

[PR] O Pedro Rompante foi quem produziu o “Speed of Sound”, um dos singles que lançámos em…

[NS] … 2017. Em 2018 saiu o “Underdog” produzida pelo Ruben Allen [SaiR].

[PR] Depois o Rui Maia vem desde o início. As colaborações brasileiras vêm de um trabalho de redes sociais. O contacto com BaianaSystem começa com mensagens de Instagram e Facebook e com o manager. Depois passa pelo nosso manager, que trabalha sempre no MIMO. Quando BaianaSystem passa pelo MIMO, ele vai lá falar com eles. A gravação foi toda muito rápida: BaianaSystem toca na sexta-feira no festival, domingo vai para Madrid e está a ouvir a música, quarta-feira estamos a gravar e numa sessão de estúdio fica feito.

Uma questão também importante neste cena das colaborações, e que é o busílis disto tudo, é que em todas as colaborações nós temos uma produção interna e um produtor interno geral, que agrupa e que consegue unir todo o bloco, que é o nosso produtor — o Nuno Mendes. O Nuno faz toda essa ligação transversal ao álbum. É ele próprio que masteriza os temas, mistura dois terços do álbum e depois o outro terço é com produtores diferentes.

Falando num panorama mais geral, da música em si. As rádios e as discotecas sobrevivem todas à base de hip hop e EDM, é o que se ouve hoje em dia. Até se diz que o hip hop é a nova pop, não é? Onde é que acham que a música electrónica encaixa? Há salas, há publico?

[PR] Eu acho que há interesse, porque a música electrónica sempre foi muito uma música de mescla, não é? Vês muitas misturas de artistas de hip hop a trabalhar com artistas da electrónica. Lembro-me assim de repente do James Blake e do Travis Scott. Por exemplo, o Russo Passapusso que é o vocalista dos BaianaSystem, vem de uma origem dos trios eléctricos baianos que têm uma ligação ao reggae jamaicano… que não tem nada a ver. E eles fizeram essa junção e nós agora absorvemos essa linguagem numa música nossa. Logo a electrónica consegue-se moldar.

[SG] Sim, mas aí estás a falar, e muito bem, de uma parte artística, mas depois há outra parte em termos de mercado. Eu acho que aí essa questão coloca-nos a nós em particular numa espécie de vazio. E isso não é bom nem é mau, é só um facto, mas nós não somos propriamente uma banda [tradicional]. Não temos um formato convencional, não é? Não temos bateria, nem guitarra, mas por outro lado também não somos propriamente DJs que vão tocar com uma pen.

[NS] E tentamos tocar o máximo de coisas ao vivo.

[SG] Em termos de posicionamento, por vezes é um bocadinho estranho até para os promotores encaixar-nos. Quando dizes que muitas vezes as discotecas vivem de hip hop e EDM, a parte da promoção já não vive disso. Vive muito mais de outro ambiente e nós encontramo-nos no meio.

[PR] E é uma área mais estável. Não há o “boom” que houve no hip hop, nem o declínio que está a passar no rock, mas é estável. E é o que o Samuel está a tentar dizer, estamo-nos a tentar encaixar num nicho e oxalá criar um nicho novo.


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