Herndon é uma verdadeira máquina. Com apenas 16 anos, a artista era fluente em programas de computação, sistemas de edição de som e música techno. Por volta da mesma altura, embarcou em vários programas de intercâmbio entre Tennessee e Berlim, cidade que ainda hoje visita com frequência e pela qual tem uma grande admiração e carinho. A música foi-lhe apresentada dentro de um meio académico, uma disciplina para a qual tinha de estudar, como matemática, biologia e física, facto até compreensível: durante a sua estadia na Universidade Mills, na Califórnia, Holly especializou-se em sonoplastia, com um major em produção e música electrónica, concluindo pouco tempo depois o doutoramento na mesma área no Centro de Investigação de Informática em Música e Acústica. A música dela tem, à superfície, uma imagem distante e meramente objectiva, mas, para quem ouve com atenção, existe uma humanidade como nunca antes alcançada neste contexto: Herndon desenha e limita a linha entre a complexidade da experiência humana e a conjuntura da evolução tecnológica, uma fronteira que é ainda alienista, ignota, mas ao mesmo tempo desafiante ao ponto de atrair cada vez mais artistas a conhecer o seu interior; ora, não só ela se atira de pés e cabeça para este vácuo, como sai de lá viva para contar como foi.
Na sua discografia, a inovação é o elo de ligação que passa de álbum para álbum, de música para música, de programação para respiração humana. Em Movement, de 2012, temos a retroactividade do género techno e experimental dos anos 90; Platform, lançado três anos depois, é mais visionário, contendo a primeira música alguma vez registada em formato de Resposta Sensorial Autónoma de Meridiano. O álbum foi recebido com críticas mistas, acusando-a de criar uma visão oblíqua e baralhada da música contemporânea, enquanto tentava no mesmo sentido manter-se fiel a composições vanguardistas que variavam entre um avant garde de Laurie Spiegel e os esforços fonéticos de Tim Buckley. Já PROTO, editado este ano, é um filho de ouro de Holly: para além de se manifestar como um trabalho inteiramente concebido às luzes do positivismo informático, é ainda tecnologicamente o mais aventureiro da sua mestria. O álbum surgiu com a criação de Spawn, um programa de inteligência artificial, feito em parceria com o seu amigo de longa-data, Mat Dryhurst, com o objectivo de “humanizar” a relação entre humanos e robôs. Numa entrevista à FACT, Herndon fala dos processos de gravações como “importantes”, tendo sempre em conta a participação de outras pessoas dentro do estúdio. O resultado é deveras aterrorizante, pois com o desenrolar das 13 faixas, a distinção entre homem e máquina torna-se ténue e a sua interpretação ainda mais difícil de agarrar. Pegamos em “Frontier”, por exemplo, a faixa mais cismática do disco: a obra inspirada no canto dos Apalaches de Sacred Harp, uma longa tradição acappella, originária das comunidades cristãs americanas. Aqui temos uma única voz, sem qualquer adorno, que rapidamente percorre uma escala vocal, como se estivesse em plenos ensaios. É claro que o som provem de gargantas humanas; no entanto, é serrilhado e comprimido de uma maneira que só poderia ser fruto de um processamento digital. A costura não é clara: não há nenhuma camada artificial para descascar um único momento da canção, apenas fracções e fracções de folk interdimensional, até o glissando se dissipar no canto humano. É um instante único: uma maneira de representar vocalização humana, mas com um controlo pleno de uma máquina, que acaba por não ser reduzido por ela: “[A música] parece uma espécie de luta colectiva universal, razão pela qual em parte a concebi como uma ferramenta de sobrevivência e resiliência. É um contexto entre humanos e tecnologia: os primeiros cânticos algumas registados com os aparelhos que permitiram tal acontecimento”, acrescenta ainda.