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Publicado a: 22/11/2015

Holly: “Eu crio porque me faz bem e me preenche”

Publicado a: 22/11/2015

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] João Tamura

 

Oriundo das Caldas da Rainha, Miguel Oliveira, mais conhecido como Holly, é um jovem produtor que, apesar de ainda se encontrar numa fase inicial da sua carreira, já conta com uma generosa obra, de onde podemos retirar vários EPs, beat tapes, algumas participações com artistas nacionais e internacionais e uma banda sonora. É irmão de Ride, o conceituado DJ e produtor que tem dignificado o nosso país do lado de lá da fronteira, e tem, para além do sangue e do apelido, outro ponto em comum: a paixão pela música. Manere Aurum é o seu mais recente EP, lançado no final do Verão, que o próprio admite ser mais “heterogéneo a nível sonoro” do que os anteriores. O Rimas e Batidas esteve à conversa com Holly, que já pensa em projectos futuros e deixa uma importante nota de rodapé: “ainda há muito para vir”.

 


Queria que nos resumisses o teu percurso musical. Como começaste e se já tocavas algum instrumento anteriormente…

A minha primeira memória musical é por volta dos meus cinco anos a ouvir os Prodigy em loop ao mesmo tempo que construía cidades de Lego com o meu irmão, sem saber o impacto que isso teria no meu futuro. Toquei guitarra acústica durante o meu primeiro ciclo, uma paixão que acabei por trocar pelo skate, modalidade essa que me introduziu ao universo do hip hop e do punk hardcore e que me influenciou mais do que qualquer outro instrumento o poderia fazer. Uma coisa puxou a outra e, por volta dos 16 anos, dei por mim a frequentar festas de hip hop e drum ‘n’ bass e concertos de punk hardcore, onde por vezes cantava um som ou outro na banda de uns amigos. Desde cedo tive uma necessidade de me expressar e de ter algo que me completasse. Procurei no futebol, no skate, na pintura, no desenho, na fotografia e até nas cartas Pokémon (risos). Mas foi na música que encontrei a peça que me faltava e que me tem dado mais alegrias do que outra coisa qualquer.

Qual o primeiro passo no campo da produção musical?

Lembro-me que foi num 15 de Maio, feriado municipal nas Caldas da Rainha. Fui com o meu irmão visitar um amigo que trabalha na Rádio Litoral Oeste e à vinda para Caldas viemos a falar de música e lembro-me de lhe dizer que tinha o bichinho para começar a fazer algo. Ele aconselhou-me a trabalhar com o Fruity Loops e eu assim o fiz. No Verão dos meus 18 anos comecei a fazer as minhas primeiras experiências e, um ano depois, lancei o meu primeiro EP.

Calculo que o teu irmão tenha sido uma enorme influência para ti…

Claro que sim, assim como os meus amigos me influenciaram e assim como todas as experiências na tua vida te influenciam e te moldam a seres quem tu és e a fazeres o que fazes. Mas quando tens uma alma-gémea desde que nasceste e partilhas tudo com ela diariamente, é obvio que parte da tua vida vai ser moldada por ela.

Apesar de seres um artista relativamente recente, acabas de editar o teu 7º EP… Teremos algarismos suficientes na nossa numeração para contabilizar a tua discografia daqui a uns anos?

Eu não penso nisso, para mim é irrelevante, eu só quero é fazer música, fazer o máximo de coisas possíveis enquanto estou apto para isso e preencher o meu espaço musical…


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“Tenho lançado estes EPs porque são formatos menos formais e extensos. Há de surgir um álbum, claro, mas só quando eu sentir que é altura para isso.”
– Holly


Tenho por hábito pensar que os artistas partem para um novo trabalho com um conceito em mente, que acabam depois por desenvolver. Como é que tu fazes? Já partes para a aventura com uma meta, ou deixas que o acaso te dite a direcção?

Gosto de partir para as aventuras sem saber que estou a partir para elas. Essa ideia que tem de haver um conceito inicial não pode ser generalizada, porque toda a arte é subjectiva e só quem a faz é que sabe o como e porquê. Não tem que haver uma só fórmula ou um só caminho. Eu crio porque me faz sentir bem e me preenche. Essa é a minha única direção.

Fala-me um pouco sobre Manere Aurum, o EP que acabas de editar…

Manere Aurum nasce de uma colecção de músicas, criadas no decorrer deste Verão, que decidi juntar num EP. Não foi nada premeditado. Houve algumas músicas que, durante o processo de criação, fizeram uma espécie de “clique” em mim, o que me levou a separá-las numa pasta que deu origem ao disco.



Qual o significado do título?

Manere Aurum é a expressão em latim para “stay gold“, que é uma expressão que eu e o meu grupo de amigos do skate usamos muito como princípio vital, para nunca perderes o teu ouro, fazeres sempre o que te apetece e faz sentir bem, viveres na tua inocência e seguires um caminho com o qual te identifiques. Eu acabei por transportar essa filosofia para a música, daí o título.

Como situas este EP relativamente à tua restante obra? Qual o papel que desempenha no teu passado, presente e futuro?

Acho que, até hoje, este é o EP mais heterogéneo a nível sonoro, com mais diversidade a nível de participações e de sentimentos. Não tem propriamente um significado actual, foi simplesmente algo que me apeteceu fazer, e não sei o que é que ele me poderá impulsionar no futuro, nunca penso nisso quando faço música, apenas me importo com o que ela me pode dar no momento.

Queria perguntar-te o porquê de optares pelo formato EP ao invés do tão prestigiado LP, mas acho que te vou fazer a pergunta de outra forma. Se juntasses mais uma mão cheia de músicas ao teu EP, chegaria para este merecer a tipologia de longa-duração, ou seria preciso algo mais?

Podia sim, mas para mim fazer um projecto é mais que juntar músicas. Tenho lançado estes EPs porque são formatos menos formais e extensos, sendo que para mim fazer um álbum significa criar uma pequena utopia do meu trabalho – o que ainda não atingi – e criar um trabalho mais formal, assim como estar rodeado das pessoas certas para tal, o que até agora ainda não aconteceu. Há de surgir um álbum, claro, mas só quando eu sentir que é altura para isso.


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“Gosto de partir para as aventuras sem saber que estou a partir para elas. Não tem que haver uma só fórmula ou um só caminho.”
– Holly


Tenho reparado que grande parte dos teus instrumentais partilham entre eles uma textura deep, obscura, muito focada nos sub-graves. Dentro destas sonoridades, quais os teus produtores de eleição?

Sigo o trabalho de produtores como Burial, Shlohmo, Clams Casino, Jon Hopkins, Arca, Squarepusher, Evian Christ, Autechre, Aphex Twin, Gesaffelstein, Zomby, Holly Herndon, Keepsakes, Ateph Elidja, Lotic, Trampa, Rabit, KOAN Sound, Mumdance, Eprom e Yung Gud.

Recentemente, produziste um banda sonora, em conjunto com o teu irmão, para um espectáculo video mapping no Terreiro do Paço, que vos juntou em palco para uma atuação ao vivo. Como correu a experiência?

Foi altamente. O convite surgiu a partir da Oskar & Gaspar – para mim, um dos colectivos de audiovisuais mais à frente do seu tempo – que este ano decidiu reproduzir a banda sonora do espectáculo de video mapping ao vivo. Foi lançado um convite ao meu irmão para fazermos a sonoplastia e a banda sonora, o que nos garantiu, ao mesmo tempo, a presença nas sessões do espectáculo a fazer partes das músicas em modo live. Foi a primeira vez que reproduzi algumas das minhas músicas ao vivo, o que, juntando ao facto de ter acontecido em pleno coração de Lisboa e à beira rio, me deu imenso prazer. Também deu para convidar alguns amigos a passar som durante os intervalos dos shows, por isso, estive aqueles 10 dias em família. Foi mesmo muito fixe.

Como é que abordas a produção de material áudio para vídeo? Procuras temas do teu repertório que se encaixem, ou constróis de raiz com base no que te é entregue?

Até agora toda a produção de áudio para vídeo que fiz foi para estes projectos de video mapping. O que fiz foi limitar-me a receber os conteúdos vídeo e tentar encontrar no meu trabalho músicas que se adequassem à imagem/mensagem transmitida. Também já tive pessoal a pedir músicas minhas para videos ou trabalhos de vários tipos, como por exemplo, para filmes de pesca de enguias (risos), mas aí eu apenas cedi a música que escolheram e não trabalhei em nada.

No seguimento da rubrica que assino no ReB sobre máquinas, gostava de perguntar-te que exemplares deste magnífico ecossistema é que tens espalhados pelo teu estúdio? E, claro, qual a tua favorita?

No meu cantinho de produção tenho um Kaos Pad da Korg, um OP-1 da Teenage Engineering e uns controladores MIDI (MPK mini, MPD32 e Akai Max 49). Tenho também uns instrumentos de percussão e sopro e tenho um Roland JP 8000. Para mim são todas favoritas, mas gosto especialmente do OP-1, pois permite-me fazer música em qualquer lugar.



À data que redigi esta pergunta, partilhaste no teu Facebook um tema em conjunto com João Tamura, um dos “teus artistas preferidos”. Num dos teus últimos posts deste a conhecer as datas dos teus próximos gigs. Num outro, alguns dias antes, revelaste aos teus seguidores mais uma beat tape [que acaba de chegar ao vigésimo terceiro volume]. Levas mesmo ao extremo a expressão “parar é morrer”, certo?

Não sigo a minha vida por expressões, mas se tivesse que escolher uma talvez fosse “carpe diem“. Basicamente, é como mencionei há pouco, eu gosto é de estar em movimento, de ocupar o meu tempo a fazer coisas que goste e de tirar o máximo de proveito de produzir. Em suma, saborear a vida.

Tendo sido o punk hardcore tão importante na tua vida, ao ponto de teres cantado algumas músicas na banda dos teus amigos, gostava de saber, a título de curiosidade, se ainda segues o estilo e se, de vez em quando, ainda tens o bichinho de voltar a fazer alguma coisa dentro desse universo?

O punk hardcore marcou a minha adolescência do mesmo modo que o skate e outras actividades. Embora já não siga tanto de uma forma musical como antes seguia, a mentalidade e os valores punk vão estar sempre comigo. A mentalidade aberta e positiva, seres tu próprio, abstraíres-te de preconceitos, questionares o que te rodeia, seres critico, sentires-te bem contigo mesmo, DIY, a liberdade e o respeito são alguns dos valores que aprendi com o movimento/cultura/estilo musical, e que estão presentes no meu dia-a-dia. Não tens que pintar o cabelo ou ouvir música punk para seres um, basta teres uma mentalidade livre e reflectiva. Por exemplo, a minha mãe tem uma das mentalidades mais abertas e puras que conheço e isso para mim faz dela uma das pessoas mais punk com que já me cruzei! Quanto ao bichinho, não penso muito nisso, mas sim, se um dia sentir, é claro que irei fazer alguma coisa relacionada com esse universo.

Usas muito o SoundCloud como plataforma de divulgação do teu trabalho. A teu ver, é fundamental um artista estar ligado a este tipo de serviço?

Não acho que seja fundamental um artista estar ligado a este ou a qualquer outro tipo de serviço, mas a meu ver é uma rede social que te pode ajudar muito. A partilha é fácil, tens milhares e milhares de pessoas de toda a parte do mundo à procura de música nova, assim como outros músicos à procura de novos artistas para colaborações. Uso para divulgar o meu trabalho porque sei que já tenho alguma concentração de pessoal a seguir-me e a interagir.

E tens conseguido divulgar o teu trabalho consoante as tuas exigências?

Ainda não consegui divulgar o meu trabalho da forma que desejo, mas já tenho alguns dos meus artistas favoritos a seguirem-me no SoundCloud, o que para mim é brutal.


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“A minha mãe tem uma das mentalidades mais abertas e puras que conheço e isso para mim faz dela uma das pessoas mais punk com que já me cruzei!”
– Holly


Actualmente, o acesso a equipamento de estúdio é cada vez mais fácil. Os preços tornaram-se acessíveis, a informação é abundante e os produtos online estão à distância de um clique. Que conselhos darias a alguém que procura dar as primeiras passadas na produção musical?

Não seguir nenhum conselho.

Presumo que já te encontres de olhos postos no futuro. Que projectos tens de momento em mente que possas revelar?

Tenho previsto o lançamento de EPs em conjunto com artistas como Razat, Elaski, Zebom, João Tamura e Harold, quero dar seguimento à minha odisseia de beat tapes, apostar em colaborações com músicos de toda a parte do mundo, continuar com as apresentações ao vivo e investir em novas experiências. Ainda há muito para vir!

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