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Publicado a: 02/07/2015

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Matthew Herbert nunca foi um produtor convencional. As várias personalidades que desenvolveu ao longo dos anos mostraram sempre ter uma ética própria, e esta nunca foi seguir o caminho mais óbvio. Como Wishmountain começou a fazer house e techno com found sounds, técnica que apurou com Dr Rockit, usando, por exemplo, o mastigar de uma maça (“Granny Delicious”) ou o som de talheres e pratos num café em Paris (“Café de Flore”) como matéria rítmica. Com a sua Big Band de jazz, rasgou jornais e manipulou o som para sublinhar a mensagem política. Mas até como Herbert, a identidade de produtor de música de pista sob qual assinou algum do melhor house dos anos 90, samplou eletrodomésticos (“Around the House”), ou ruídos do corpo humano (o espantoso “Bodily Functions”). Até fez um disco (One Pig) que documentou a vida de um porco, do nascimento até à matança (explica tudo aqui). Por alguma razão Herbert foi nomeado diretor criativo da nova encarnação online do BBC Radiophonic Workshop.

Herbert pertenceu desde o início a uma elite esclarecida de produtores de música de dança que, além de forma e função, se preocupa com o conteúdo mas, com o passar dos anos, a sua música foi ficando mais experimental, sisuda até, o que o afastou da cena de dança de forma quase radical. Poucos produtores de música de dança afirmam as suas convicções de forma tão explícita. Herbert nega a alienação e o cliché que garante que musica para dançar não faz pensar, e contesta o próprio sistema de que faz parte (recusando, por exemplo, propostas para campanhas publicitárias). Talvez por isso estivesse, há quase uma década, afastado dos clubes e das pistas e mais próximo dos teatros e salas de conferências.

No novo The Shakes, o disco em que supostamente se reconcilia com as pistas de dança, Herbert continua a ser conceptual, mas também brinca: comprou balas e conchas no eBay e usa-as como fontes de som, afirma que esta música reflete sobre a dificuldade de ver crescer crianças num mundo instável e aspira a equilibrar acção (política) e diversão. The Shakes até faz dançar, mas não está preso à métrica 4/4, tem jazz, soul, orquestra (arranjos de cordas soberbos), electrónica. É diverso mas consistente. Herbert continua a mostrar talento especial para canções com tensão dramática controlada, quase teatral, e isso faz brilhar “Battle”, “Know”, “Warm” ou “Middle” mas o crédito destas deve-se também à entrega dos poderosos vocalistas convidados: Ade Omotayo e Rahel Debebe-Dessalegne.

Por muito que se diga que é um disco de música de dança, The Shakes nunca chega a ser house e também nunca chega a ser completamente político (a não ser em “Strong”, que sampla marchas de protesto no Reino Unido e tem discurso a condizer). Emotivo e cerebral, sem nunca ser cheesy ou demasiado fechado, The Shakes mostra Herbert em boa forma (mas não na melhor de sempre). Original e desafiante.

 

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