LP / CD / Digital

Harry Christelis & Pedro Velasco

Scribbling

Ubuntu Music / 2022

Texto de Rui Eduardo Paes

Publicado a: 08/02/2022

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Imaginemos que uma civilização extraterrestre “from a land far, far away” (assim se lê na apresentação que a editora Ubuntu faz deste lançamento) tivesse escutado o Golden Record enviado pela NASA no Voyager 1 em 1977 e respondesse também com uma gravação áudio. Foi com essa premissa que a dupla de guitarristas Harry Christelis e Pedro Velasco concebeu este Scribbling, álbum que dilui uma série de referências, indo do jazz à música exploratória electroacústica, com reiteradas e muito curiosas passagens pela folk, na elaboração de um projecto que poderíamos designar como blues cósmico.

O disco podia passar-nos despercebido, mesmo que a qualidade da música que regista seja, por si só, já distintiva (quantos casos haverá, afinal, no mundo nas mesmas circunstâncias?), não fora o facto de um dos elementos que o criou, Pedro Velasco, ser um português que fixou residência em Londres e aí tem desenvolvido uma carreira notável, enquanto co-protagonista de uma cena particularmente rica e variada. O mesmo Velasco que em Portugal tem ligações a uma das figuras mais interessantes da música criativa, Paulo Chagas, e que integra a banda Splatter de Noel Taylor, clarinetista associado à London Improvisers Orchestra que… o mundo é feito de coincidências invertidas… se encontra presentemente a viver no nosso país. 

Estes blues alienígenas têm uma particularidade, ainda que a duração dos temas seja, regra geral, curta: dão-se tempo, e não só são pausados e introspectivos como poupam as notas, importando tanto o que não está lá como aquilo que se toca, em elegantes construções com muitos espaços que assumem, inclusive, uma transparência que parece directamente importada das artes visuais. Scribbling chega a denotar um certo paisagismo cinematográfico, a bem dizer mais Memoria de Apichatpong Weerasethakul do que o Blade Runner que inspirou os dois instrumentistas. O mais próximo que podemos aludir ao que aqui vem seria um Bill Frisell menos palavroso, um Marc Ribot conhecedor das composições para aeroportos e elevadores de Brian Eno ou uns Talk Talk que tivessem crescido a ouvir Jim Hall.

Poucas vezes algo com formato jazzístico tem esta dimensão atmosférica, em ambientes de sonho que nos convidam, sub-repticiamente, a imaginar florestas exóticas de outros mundos.


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