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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/06/2025

Com o coração na boca e a vulnerabilidade na ponta da caneta.

Harold: “Gostava de ser esse artista que consegue consciencializar os ouvintes sobre certas temáticas e assuntos”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/06/2025

E se a nossa jornada pudesse ser simbolizada pelas pétalas de um malmequer? É deste princípio que parte O Último Malmequer, terceiro álbum de estúdio de Harold. No mês da saúde mental masculina, o rapper lança um disco maduro, vulnerável e, acima de tudo, corajoso pelos temas que aborda e pela forma como o faz. Quatro anos após Mãe Um Dia Ganho Um Diamante, o ex-GROGNation surge com mas uma fornada de música nova, desta vez com Épico e Kidonov a assumir a produção.

Esta semana, o rapper de Mem Martins abriu as portas do seu estúdio ao Rimas e Batidas para que pudéssemos escutar este trabalho em primeira mão e conversar um pouco com ele acerca do processo que levou à sua concepção. Na entrevista abaixo, fazemos o ponto de situação da vida e carreira de Harold, estabelecendo a ligação simbiótica com este projeto lançado durante o dia de ontem, 26 de junho.



O que é nos podes contar sobre o conceito d’O Último Malmequer?

Tratei este álbum como se fosse uma viagem, de forma poética, pelas pétalas da vida, em que cada pétala que vamos retirando do malmequer é uma procura por um lugar onde nos sintamos felizes e seguros. Na fase inicial do processo de criação deste álbum, não me preocupei muito com a questão do nome. Quis sentir-me livre e fluir para onde acabasse por fluir enquanto criava e não trilhar muitos padrões ou caminhos logo desde início, porque acho que isso é limitador. Depois fui dividindo o álbum em blocos; começa com mal-me-quer, depois bem me quer e termina com mal-me-quer novamente. O objetivo é que todos estes blocos representem estágios da vida, que fazem parte de uma viagem em que procuramos essa tal felicidade.

Dado este conceito, quão importante é a sequência das faixas no seu processo de construção e escuta?

Bem, a nível de construção, começo por dizer que eu tinha a intenção que o meu próximo projeto fosse um álbum de R&B. Sempre tive vontade de fazer um projeto desse género e o feedback que recebi do “Vai e Vem” foi, também ele, muito positivo. Então, inicialmente, este era um projeto idealizado mais por aí. Só que depois, ao longo da construção do álbum, senti que fiquei com tanta coisa para dizer que achei que se calhar ainda não era o momento para fazer esse álbum todo de R&B. Queria, primeiro, falar de outras coisas. Foi a partir daí que comecei a inserir outras temáticas que constroem este disco, para além das love songs que já tinha. Ao montar o projeto, guiei-me não só pela energia das faixas, mas também pela importância da criação dos tais blocos — de mal-me-quer, bem-me-quer e terminando em mal-me-quer — para completar este conceito e esta viagem. Ouvindo as faixas soltas, talvez seja mais difícil apanhar tudo isto que está por detrás. Mas, quem ouvir o disco de ponta a ponta, conseguirá perceber uma linha de uma viagem e que há uma ligação e uma razão para as faixas estarem pela ordem em que estão. 

De que maneira é que sentes que este disco reflete, enquanto pessoa e enquanto artista, estes últimos anos entre projetos?

A nível artístico, sinto que nos últimos anos consegui melhorar um skill meu. Sempre gostei de melodias e músicas cantadas e sinto que tenho aprimorado isso na minha música. Nos meus últimos projetos tive inclusivamente algumas participações que vinham para cumprir partes melódicas com as quais, na altura, não me sentia tão à vontade. Agora sinto que desbloqueei essa parte e tenho explorado um bocado mais. Este álbum é o ponto da minha carreira em que me sinto mais confortável a usar melodias, a cantar e a explorar toda essa parte. Sinto-me um artista muito mais completo do que era nos meus projetos anteriores. E sinto também que sou um artista muito mais livre para explorar outros campos musicais. Enquanto pessoa, este álbum reflete crescimento. O álbum é lançado numa altura muito boa, neste que é o mês da saúde mental masculina, um tema que cada vez mais é debatido e ao qual é dada cada vez mais importância, e O Último Malmequer, tematicamente, acaba por andar muito à volta disso, do estarmos bem psicologicamente connosco próprios e da maneira como isso se reflete quando estamos com outras pessoas ou sozinhos. É um álbum de autoconhecimento e que não tem medo de ser de alguém que se está a desconstruir, que fala de coisas do coração e que mostra vulnerabilidade. Acho que o facto de eu conseguir falar destes temas de uma forma tão aberta mostra, também, uma certa maturidade.

Como foi o processo de transigência de tudo o que se foi passando durante este período em musica e neste disco? Como é que se faz essa viagem entre o “é isto que estou a sentir” e o “é isto que quero que vocês sintam”?

Eu tenho uma particularidade quando faço música: parece que tenho um reservatório de sentimentos e, sempre que ouço um instrumental, parece que isso vai buscar alguma cena lá de dentro. São raras as músicas que eu faço em que, chegando ao estúdio, já vou com a temática em mente. Vou dar o exemplo da “Palavras”: já é o segundo ou o terceiro som que faço sobre esta temática (abuso policial), mas foi a primeira vez que não fui para o estúdio com a intenção de escrever sobre isso. E a verdade é que, das restantes vezes, não consegui chegar lá e com o “Palavras” cheguei. Sinto mesmo que tenho ali um reservatório de sentimentos e temas de que quero falar e que depois vou buscar quando ouço um instrumental.

E sendo tu um artista que mostra tanta vulnerabilidade e fala de temáticas que são tão próximas, como lidas, depois, com o lançamento dos projetos e o momento em a música deixa de ser apenas tua?

Sendo sincero, estes últimos singles que tenho lançado têm recebido sempre bom feedback. Mas eu sempre senti que, quando eu lanço, de facto a música já não é só minha. É de toda a gente, é nossa, é do mundo. No final do dia, eu faço a música para mim, sobre o que eu sinto e sobre o que me apetece falar e da forma como me apetece falar. Nesse ponto, sinto-me sempre com liberdade a fazer música. Quando eu lanço, passa a ser de toda a gente e de quem quiser ouvir. 

O disco fecha com duas faixas muito marcantes. Existe ligação entre elas e o seu posicionamento na tracklist é intencional?

Acho que as duas faixas acabam por se lutar por força da temática que abordam. No caso da “Palavras”, surge daquilo que se passou recentemente em Moçambique depois das eleições. Fizeram-se muitas manifestações e, infelizmente, muita gente perdeu a vida nesse período. O áudio no final da faixa é do meu primo que vive lá e trabalha num hospital em Moçambique. Na altura, contou-me que recebeu cerca de 50 pessoas que tinham sido baleadas. Tiveram que fazer escolhas relativamente às pessoas que iriam tratar e isso mexeu muito com ele. Logo de seguida, liga-se com a “Éder”, que é uma música que fala sobre racismo e sobre a minha história e da minha família desde que viemos para Portugal. É também uma música com questões políticas e sociais, sobre um tema, infelizmente, atual como o racismo e que faz aqui uma metáfora com o nome do Éder, que marcou aquele golo tão importante que nos deu o Europeu de futebol em 2026. Reflete um pouco a forma como os negros são aceites na sociedade portuguesa e a forma como temos quase que ser um Éder, alguém tão especial, para termos as mesmas oportunidades e não sermos julgados ou percecionados de forma negativa. 

Dada a altura e contexto que estamos a viver em Portugal, sentes que a música pode e deve ter um papel agregador na sociedade?

Eu não separo a música de questões políticas. Ao longo da história, existiram muitas músicas que foram importantes a nível político e social. A música tem muito esse papel. Não acho que a música tenha que o fazer sempre, mas há muitas vezes em que pode e deve fazê-lo. A minha postura na música é a de nunca me fechar em relação a este tipo de questões. Ouvindo qualquer um dos meus álbuns, poderás encontrar sempre momentos em que vou falar de questões sociais e políticas. No final do dia, a pessoa que nos está a ouvir pode aprender qualquer coisa com a nossa música, da mesma forma que eu aprendi e fui consciencializado pela música dos meus ídolos de uma forma como a escola, os livros ou a televisão nunca conseguiram fazer. Gostava de ser esse artista que consegue consciencializar os ouvintes sobre certas temáticas e assuntos.

Com o passar do tempo e o teu crescimento, como foi mudando a tua definição de sucesso?

Sinto que a minha definição de sucesso não mudou muito. Se calhar, quando comecei a fazer música, não tinha sequer uma visão de sucesso; estava apenas a divertir-me com os meus amigos e o objetivo era sermos, simplesmente, ouvidos pelas pessoas e pelos nossos ídolos. Queríamos que os nossos ídolos soubessem quem nós éramos e que fazemos música boa. Agora, à medida que vou crescendo como pessoa e como artista, o meu objetivo é poder inspirar outras pessoas da mesma forma que me inspiraram a mim e poder criar o meu próprio caminho. No início da carreira, o caminho se calhar era muito perto das minhas referências. Hoje em dia, opto por criar o meu próprio caminho, com os meus próprios gostos musicais, as minhas próprias temáticas e poder perceber que o Harold pode ser um artista variado e não uma única coisa e um único registo. Hoje, o sucesso para mim é poder ser reconhecido pelas outras outras pessoas da mesma forma que os meus ídolos foram reconhecidos, claro, mas é também, cada vez mais, esta questão de sentir prazer a fazer música e que ela possa ser um momento de felicidade, um escape a um mau dia, ou representar um momento de alegria no dia de alguém. Cada vez mais acredito que o sucesso também está muito por aí.


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