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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 28/09/2020

O som, a palavra, a memória e o espaço marcam a derradeira mostra com curadoria de Delfim Sardo naquela instituição.

Há uma Exposição Invisível pronta a ser escutada nas galerias da Culturgest

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 28/09/2020

A Exposição Invisível abriu portas ao público na Culturgest, no passado sábado. Com curadoria de Delfim Sardo, esta mostra apresenta “uma viagem pelas diversas abordagens que os artistas visuais fizeram ao universo do som ao longo do último século”. Um mote amplo, portanto, num momento em que, acredita o curador, “a palavra e o som ganham nova relevância.”

Numa conversa com Bruno Marchand, que agora ocupará na Culturgest funções análogas às de Delfim Sardo, que entretanto transitou para o CCB onde terá a seu cargo altas funções ao nível da programação de artes performativas, o curador d’A Exposição Invisível começou por explicar tratar-se da continuação de um projecto – esta ideia foi primeiramente explorada no MARCO, em Vigo, há quase década e meia – que esteve inicialmente pensado para ter a sua inauguração no período em que o país entrou no Estado de Emergência. Daí a nova relevância que Sardo acredita ter esta mostra numa altura em que todos nos tornámos especialmente sensíveis aos espaços e ao som fruto do isolamento imposto pelo confinamento: “É uma exposição de som com um fantasma permanente”, alertou o curador durante uma visita à exposição ainda em montagem na passada semana: “o espaço e a sua percepção”. É também uma viagem pelo século XX, era que o curador defende ser não apenas da imagem, mas também do som. E hoje esse é um veículo “indutor de memórias”, explica-nos.

Com obras carregadas de história de autores como Kurt Schwitters, Raoul Hausmann, Marinetti ou Luigi Russolo, criadores ligados a importantes movimentos artísticos, como o Futurismo, que, precisamente, começaram, nos alvores das tecnologias de gravação a entender o som como matéria passível de ser manipulada artisticamente, esta “viagem” pretende tocar noutros importantes momentos do século XX convocando para o espaço de exposições da Culturgest instalações sonoras de natureza diversa de artistas como Joseph Beuys, Joan Jonas, Rodney Graham, Michael Snow ou Bruce Nauman. Há, como é natural, importante presença de artistas portugueses como Luisa Cunha, Ricardo Jacinto, Julião Sarmento ou Pedro Tudela.

Parte do ângulo dest’A Exposição Invisível é, precisamente, o desafio lançado a artistas que vêm de outros campos, nomeadamente das artes visuais, para que apresentassem obras sonoras que investigassem em muitos casos as mais profundas dinâmicas da memória sendo a palavra, por isso mesmo, um dos recursos mais usados.

O artista japonês Om Kawara, por exemplo, propõe na sua comovente peça One Million Years (Past and Future) (2002), um mantra de contornos profundamente espirituais acerca da passagem do tempo, e portanto da construção da memória, com monocórdicas leituras de datas que são proferidas em inglês – para entendimento universal, portanto – mas por leitores de locais onde a peça possa ter sido montada, retendo portanto a identidade idiossincrática dos seus sotaques, para reforço de uma ligação local, porque o tempo, afinal de contas, afecta diferentes lugares de diferentes maneiras. No caso da exposição agora patente na Culturgest, percebe-se que as vozes têm travo espanhol. E Delfim Sardo sublinha a “transcendência” que se pode encontrar na escuta atenta desta peça.

Não é a única. Essa elevação a planos espirituais superiores alcança-se nesta mostra muitas vezes através das palavras em construções narrativas mais claras como acontece com The Anchor Stone, de Joan Jonas, ou através da redução do sentido à abstracção pura e meramente fonética, como nos Poèmes Phonètiques, de Raoul Hausmann, que questionam o que é, afinal de contas, a poesia.



Working Title (Digging) (1995), de Ceal Floyer, outro exemplo, propõe o som como matéria primeira, usando duas colunas espaçadas e o som de uma enxada que escava uma campa, para uma reflexão sobre a morte. Já em Tribu (1978), obra de Julião Sarmento, é a nossa imaginação que é convocada bem como a nossa capacidade de nos relacionarmos com o espaço e as suas abstracções, quando nos é descrita com minúcia, através da palavra uma vez mais, uma exposição que nunca existiu nem nunca foi montada em lugar algum que não o da imaginação do seu autor. A interpretação que cada visitante fará das instruções de Julião Sarmento permitirá a “construção” de outros espaços imaginários para essa Tribu

Peça muito curiosa com que o visitante se deparará num corredor da galeria é MIX Coltrane/ Messiaen (2005), de Maria Thereza Alves e Jimmie Durham, uma espécie de “mash up” entre obras de duas figuras muito distintas, mas igualmente imponentes, da história musical do século XX, resultando da sua sobreposição não apenas um curioso novo objecto musical, mas uma declaração em que é perfeitamente possível adivinhar contornos políticos por estabelecer ligações entre as esferas erudita e popular, entre a Europa e o “Novo Mundo”, entre o que muitos consideram ser arte “séria” e outra eventualmente “inferior”.

A Exposição Invisível pode, de facto, confrontar os visitantes com espaços esvaziados de objectos que normalmente se esperam patentes noutro tipo de mostras, como quadros, esculturas, instalações multimédia, etc, mas não deixa de desafiar a imaginação, através de um labirinto de sons diversos, musicais, naturais, sintéticos, processados, alterados ou não, carregados de múltiplos e estimulantes significados. Para apreciação de ouvidos abertos, com som que se espalha pelos diferentes espaços da galeria, ou em auscultadores, preparados obviamente com as devidas precauções sanitárias para segurança de todos.

Ainda no âmbito da programação d’A Exposição Invisível, haverá outros eventos a cargo de outros autores: de Ricardo Jacinto há a assinalar o concerto-instalação MEDUSA Unit, na Garagem da Culturgest, no dia 29 de Novembro, e de Jonathan Uliel Saldanha, criador multifacetado ligado a múltiplos projectos musicais, poderá ser visitada a instalação áudio multicanal Swarming Decay, nas Carpintarias de São Lázaro, de 26 de Novembro a 10 de Janeiro.

Está igualmente planeada uma apresentação da música que Gavin Bryars, importante nome das esferas eruditas de vanguarda, criou para a peça de Juan Muñoz, A Man in a Room, Gambling, num concerto de Bryars com o Quarteto Lopes-Graça, no Grande Auditório da Culturgest, a 29 de Outubro.

A Exposição Invisível reúne obras de Luisa Cunha, Luigi Russolo, Raoul Hausmann, Filippo Tommaso Marinetti, Kurt Schwitters, On Kawara, Ceal Floyer, Julião Sarmento, Pedro Tudela, Rodney Graham, Laura Belém, Maria Thereza Alves+Jimmie Durham, Joan Jonas, Joseph Beuys, Tacita Dean, Gonçalo Barreiros, Juan Muñoz, Bruce Nauman, Ricardo Jacinto, Michael Snow, António Dias, James Lee Byars, Robert Barry e Jonathan Uliel Saldanha e estará patente até ao próximo dia 10 de Janeiro.


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