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Publicado a: 20/02/2017

Gustavo Carvalho: “Vivo seriamente comprometido com aquilo em que acredito”

Publicado a: 20/02/2017

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Direitos Reservados

Gustavo Carvalho é o cérebro por detrás do Laboratório Musical, uma espécie de oficina onde se gravam, editam, misturam e masterizam projectos musicais – para além de também incorporar cursos dentro da área. No seu portefólio podemos encontrar trabalhos de artistas como Fuse, Pedro Abrunhosa, Secret Lie e Mundo Segundo & Sam The Kid, entre outros. No fim de semana de 10 e 11 de Março, estará presente em Lisboa para uma masterclass de masterização, inserida no programa do festival Lisboa Dance Festival. Estivemos à conversa com ele:

 


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Estive a pesquisar um pouco sobre o percurso do Laboratório Musical e reparei que já são muitos os trabalhos editados e os prémios arrecadados, porém, quero começar esta conversa pelo início. Como nasceu a tua paixão pelo áudio e que razão te levou a enveredar por esta área?

Tudo começou devido aos meus projectos pessoais. Fazer música para mim devido à minha vontade de expressão artística. O refinamento do som e a sua qualidade surgiu de mãos dadas com a vontade perfeccionista de conseguir ouvir como imaginava, no meu palco sonoro imaginário. Toda essa investida, essa procura pelo refinamento das técnicas, o acesso a melhor material, a constante e ambiciosa procura pela qualidade de som levou-me a montar esta estrutura que hoje conheces, o Laboratório Musical. O mais importante e que tenho como principais dorsais do que faço é: trabalhar realmente muito para ter resultados profissionais com característica e alma.

Presumo que te tenhas especializado na matéria… Que cursos tiraste e onde?

Especializei-me na matéria, mas onde os cursos mais me ajudaram foi a ficar com mais autoconfiança, principalmente. O importante no mundo do áudio não são os cursos que tens mas sim o que fazes com o que sabes, e o que sabes tem de ser um resultado de muita prática, muita entrega ao áudio e horas imensas de estudo com disciplina. Tive formação em Engenharia de Som na Dinamarca com o Holger Lagerdfeldt através de masterclasses. Tive imenso prazer em participar em eventos com o George Massenburg. Fora isso, sabes onde foi que realmente aprendi? Foi a trabalhar nos projectos, sentir na pele a responsabilidade de ter a música de outros nas minhas mãos. Engenharia é um conjunto de ferramentas que bem intencionadas e bem trabalhadas servem para trabalhar o som até ao pretendido, mas antes disso – e sempre em primeiro lugar – está a música. A música é que manda. Daí o meu interesse em saber tocar instrumentos. O mais importante quando um músico toca o seu instrumento é a alma. E isso é que me interessa.

Como nasceu a ideia do Laboratório Musical? 

O Laboratório Musical nasceu por ser o meu centro de experiências. Cheguei a conseguir momentos brilhantes na cidade de Amarante, onde o Laboratório nasceu. Amarante é uma cidade rica em cultura, em todas as suas vertentes. Vi no Laboratório um centro de artes, cheguei a ter cá poetas a partilhar as suas poesias para músicos, ou pintores a pintar quadros só porque o ambiente os inspirava. O Laboratório Musical, hoje, é um estúdio focado em produção, gravação, mistura e masterização – e tem uma nova filha: as Audio Clinics, que estão sobre o meu comando e garantem aos inscritos a verdade de um curso. O Laboratório Musical, não perdeu o lado da partilha entre todas as estrelas da cultura, melhor ainda, está muito mais sólido e o resultado disso está bem patente nos discos que de cá saem, ou nos eventos que criamos.

Quando é que sentiste a necessidade de transmitir o conhecimento que adquiriste ao longo destes anos?

A necessidade de transmitir o conhecimento adquirido ao longo destes anos tem dois pontos:

1º – Quando comecei, se houvesse cursos como aqueles que hoje montei seria o primeiro inscrito. Tenho plena consciência do que as pessoas procuram quando começam as suas gravações. E sei que grande parte dessas pessoas procuram profissionalizar-se sem terem de se inscrever em cursos longos, cheios de teoria numa realidade que devia ser realmente prática. No entanto, os meus cursos não competem com esses, simplesmente porque o teor temático é realmente afastado e também o publico interessado não é o mesmo. Dou-te um exemplo: antes de abrir os meus cursos e workshops, já andei pelo país a dar workshops e masterclasses, contamos mais de 200 inscritos no seu total, e muitas dessas workshops/masterclasses foram em faculdades, daí ter a certeza que criei um conceito de cursos que não existia até então e em nada choca com que já existe.

2º – Aprendo muito, quando dou aulas.

 


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Há quem diga que o mercado de áudio em estúdio é muito fechado e que é muito difícil conseguir vingar dentro do meio, dada a discrepância entre oferta e procura. És desta opinião?

Vou-te responder como gestor de um estúdio. Sou muito regrado na gestão do meu estúdio e quando me decidi a viver da música houve contas que precisei de fazer e quero partilhar esta contigo: quantas bandas realmente profissionais existem em Portugal? Quantas podem pagar o preço justo de uma gravação de um disco? Acho que “you get the point”! O mais importante é perceber o mercado, que, antes de ser fechado, é pequeno. Aí entramos nós, novos produtores ou engenheiros, que devemos, antes de mais, aprender com quem já cá está, respeitar o espaço e saber como lidar com o mercado sem ferir a ética da profissão e o respeito entre profissionais. Eu precisei de trabalhar realmente muito e criar oportunidades para hoje te dizer que já gravei a Mafalda Veiga, o Jorge Palma, os Dealema, o José Cid, o Laginha, ou o PTS, entre outros tantos. A minha base não é amedrontar-me perante quem já cá anda há mais anos do que eu sou vivo, mas sim mostrar-lhes que jogo na mesma liga sobre os valores da ética, respeito e empenho.

Define masterização…

A masterização é a ultima etapa técnica, distanciada em certa parte do processo criativo existente na produção, gravação e mistura, o que permite uma visão mais “fria” do resultado. A masterização, no fundo, compromete a música aos formatos finais do mercado, equilibrando ou controlando, através de ferramentas, frequências somatórias desejadas ou indesejadas, picos, loudness, entre outras coisas a fazer de forma a conseguir integridade do áudio e sua transportabilidade. Há, ainda assim, muitos mitos à volta do que é a masterização. Tanto que eu e outros profissionais da área reparamos nisso pela forma como nos enviam os temas para masterizar. Muita gente “atira” para a masterização o resultado sónico e característica que esses deviam ser definidos na mistura e principalmente na produção. O segredo está no que fazes primeiro, antes dos processos seguintes. Ainda assim, o que procuro na masterização é a continuidade do que foi feito para trás, ajudando a música a continuar o seu caminho ascendente até ao momento final, fazendo o que for preciso para o conseguir – através de compressores, equalizadores, gravadores de fita.

Há quem considere a masterização uma arte. Concordas?

Claro, todos os processos o são – independentemente se estão mais dependentes ou independentes de maquinaria. A chave está na mão do operador e nunca na máquina. Música ouve-se com os ouvidos e sente-se através de emoções. A masterização, fazendo parte do processo, é um pincel do pintor, útil enquanto pinta a sua tela. Sempre que tenho um trabalho novo para o fazer, reservo uma boa parte do tempo para a escutar e perceber ao máximo o que a música é. Só depois agarro a maquinaria..

A masterização é um processo que em muito depende de todos os passos anteriores (captação, edição e mistura). Já alguma vez tiveste que voltar atrás nalgum destes passos para conseguir o resultado ideal?

 Vou-te responder em duas frentes:

Como sou produtor, muitas vezes os músicos/clientes pedem-me que faça arranjos antes de misturar. E sim, como trabalho analogicamente no Laboratório Musical, muitas vezes, já no processo de masterização, lembro-me de algo que gostava de complementar e volto atrás. Raramente acontece porque tento respeitar e respirar bem cada processo, mas surgindo uma ideia nova que vai colorir e potenciar ainda mais o tema, por que não? A obra só fica pronta quando o artista assim o decide. Isto aconteceu, por exemplo, no disco do Fuse, há bem pouco tempo, no qual estive encarregue de todos os processos, desde multi-instrumentista a produtor, como a misturar e masterizar. No tema “Impar Singular”, estava já na masterização e senti que deveria gravar back vocals no final do tema. Obviamente que depois voltei a fazer tudo do início. Outro cenário: quando músicos me enviam temas para masterizar, o que acontece imenso via Internet com o serviço que tenho de masterização online. Antes de começar, o que faço é uma escuta hiper-receptiva a fim de entender o tema e perceber.

Tirei dois cursos de som na Etic, em Lisboa. Na altura, há uns bons dez anos atrás, não havia tanta incidência no módulo de masterização, por ser um processo pouco explorado em Portugal (os músicos tinham por hábito optar por enviar as misturas finais para o estrangeiro para serem trabalhadas). Na tua opinião, que convives com o meio diariamente, o paradigma mudou?

Há sempre a ideia de que lá fora é que se faz bem. Mas estamos aqui para mudar isso. Pessoas como tu, como eu e por aí fora, que são actualizadas, têm consciência que o mundo está cada vez mais perto no que toca a enviar temas para masterizar – tudo à distancia de um clique e mais barato do que antes. Como te disse no inicio da entrevista, devemos ter imenso respeito por quem já cá andava, ainda nós não éramos vivos, no entanto, estamos cá para trabalhar e fazer parte da mesma liga. Aos poucos, conseguimos investimento para igualar estúdios em termos de maquinaria e tratamento acústico. Não podemos competir com mercado, mas acredito vivamente que podemos competir com resultados – vivo seriamente comprometido com aquilo em que acredito.

 


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O estilo musical influencia o teu processo de masterização?

Completamente, a abordagem é sempre diferente até dentro do mesmo estilo. A escuta inicial é realmente a chave mais valiosa para a decisão do método mais apropriado para o melhor resultado.

Já percebi que és adepto do analógico. Com a quantidade de plugins que existem e de software especializado (e evoluído), já é possível atingir-se um resultado semelhante ao analógico através do digital?

Eu sou fã do analógico especialmente e principalmente por causa do resultado. Admito também que adoro a performance enquanto misturo, estar activo e com energia durante os processos e o analógico completa-me nesse sentido. Os plugins têm uma vantagem enorme que é o recall – o processo de abrir os temas e tudo estar precisamente igual, instantaneamente. Agora se substitui? Na minha mais franca e experiente opinião, não. Não substitui. A questão da qualidade não discuto, porque existem trabalhos no mercado a soar incrivelmente bem só com plugins. O que as pessoas deveriam perceber não é qual o pior/melhor, mas sim qual o processo que melhor se adapta ao tema em questão. No final, o importante é o resultado sonoro, a música. Isso é que é realmente importante. Ainda que, se me permites ressalvar sobre a minha mais modesta opinião, a qualidade do analógico é melhor, mais abrangente, também mais cara mas com os melhores resultados. Os plugins têm determinado som e as maquinas analógicas idem, portanto, a discussão é: qual o melhor para o que pretendemos. É assim que vejo a coisa.

Que máquinas utilizas mais no teu dia-a-dia e que relíquias tens guardadas no teu estúdio? 

No estúdio, sendo um híbrido, trabalho com o Pro-Tools 12 HD, com o sistema completo na UAD entre outros plugins, daí envio para as maquinas analógicas – Chandler Limited / Inward Connections, SPL, Dangerous Music, entre outras. Vou mudando consoante a necessidade. Dependendo do trabalho, também recorro à fita. Uso uma Otari para esse fim. Na escuta, tenho umas Focal SM9 e mais uma data de colunas mais pequenas para fazer test drive ás músicas. Não uso patchbays, vai tudo à mão a fim de ter menos trânsito entre o que envio e o que recebo.

Por fim, o que aconselharias a alguém que está a montar o seu home studio, não só a nível de equipamento mas também de atitude?

O mais importante é o que o leva a fazer isto tudo. Amor e fascínio, que é o que o levará a se empenhar e dedicar tanto tempo de vida a este mundo infinito da música. Numa questão mais técnica, acho que o pretendido é qualidade de som ou um meio favorável a conseguir qualidade de som. A minha primeira preocupação e conselho seria de conseguir o melhor possível uma solução acústica. O que fazemos está muito dependente das condições em que trabalhamos. Depois disso, é um degrau de cada vez. Começar por ter uma máquina que nos permita ter flow de trabalho e principalmente pensar menos e agir mais – intuição bem trabalhada para decisões importantes. O som não é ouvido com máquinas, mas sim com os ouvidos. Portanto, uma sala com melhor tratamento acústico é uma sala com melhores condições para se educar o principal: os nossos ouvidos – a maior e mais fantástica ferramenta.

 


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