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Fotografia: miniminiana
Publicado a: 13/12/2022

Os contrastes e as tensões.

GUME: “Nós estamos a pegar em música africana, da diáspora, da América toda. Isso levanta sempre questões políticas”

Fotografia: miniminiana
Publicado a: 13/12/2022

Depois de Pedra Papel (2017), os GUME dão uma DOBRA nas suas intenções com sete novos temas em que questionam criticamente ideias e conceitos como “afrofuturismo” e “afrobeat”, reafirmando-se como uma voz absolutamente singular no panorama nacional: a sua música propõe tangentes a diferentes linguagens rítmicas, melódicas e harmónicas, mas não se detém em nenhuma tipologia em concreto, o que se afigura como uma das qualidades distintivas do seu trabalho. Para percebermos que filosofia musical guia este grupo, nada melhor que dar o microfone a Yaw Tembe e a Sebastião Bergman, dois dos membros do colectivo, e descobrir como se faz um melhores discos do ano. Esta quinta-feira, dia 15 de Dezembro, o concerto de apresentação do álbum tem lugar no clube B.Leza, em Lisboa.



GUME é um colectivo cristalizado e, por isso, faz sentido que vá adicionando entradas à sua discografia. Qual diriam que foi o ponto de partida para este projecto? Há um momento em que dizem, “está na hora de gravarmos um disco novo”?

[Yaw Tembe] Foi um processo longo e já tínhamos várias composições, que fomos fazendo desde 2018 — o Pedra Papel sai em 2017. Foi um processo democrático, em que as pessoas foram apresentando temas. Fomos acumulando material ao longo destes quase cinco anos. Surgiu um momento em que foi preciso criar um contexto para agrupar este material e trabalhar mais nos arranjos. Olhando para essas composições, vimos que havia ali alguma coisa de comum. Há esse conceito de DOBRA, porque em quase todas as composições há um lado A e um lado B. Havia essa ideia de contraste.

Falas-me de um processo democrático para encontrar as composições, mas eu estava a olhar para a ficha técnica do disco e não há nada que identifique de quem são as composições. Quem é que trouxe músicas para este projecto?

[Sebastião Bergman] Surgiram muitas ideias, no geral, não apenas em termos estruturais ou de arranjos. Todos têm liberdade para trazer as suas ideias e trabalharmos em conjunto, para sugerir alterações. Ao longo deste processo todo, as coisas vão ganhando uma maturidade diferente. Sinto que as composições vão, pouco a pouco, deixando de ser de cada um de nós.

Passam a ser do colectivo?

[S.B.] Sim.

Cada uma das peças pode ter contributos de diferentes elementos do colectivo?

[Y.T.] Sim. E há uma certa separação entre a parte rítmica, melódica e harmónica. Por um lado, as composições são apresentadas, muitas das vezes, em melodias e harmonias. Mas toda a componente rítmica que é posta em cima disso tem, obviamente, um trabalho de composição e criação, que por norma não é escrita pela mesma pessoa que compõe a melodia. Em GUME acontece muito isso. Alguém propõe uma melodia e depois é preciso casá-la com o ritmo. Muitas das vezes isso é feito pelo Sebastião, na bateria, e pelo David [Menezes], na percussão. Aos poucos vai-se criando uma linguagem em comum interessante.

[S.B.] Há um processo interessante e que também está ligado com este conceito da DOBRA. As próprias músicas, ao longo do tempo, vão tendo versões diferentes. Às tantas, vais pegando em coisas que fizeste no passado.

Mas há um momento em que a música tem de ser gravada para o disco. Nesse momento, em que estado estão as composições? Tocam no estúdio já com tudo definido ou ainda acontece muita coisa no estúdio que não estava definida na sala de ensaios?

[Y.T.] Acho importante responder a essa provocação [risos]. De facto, nós somos uma banda, não uma banda de garagem. Não somos uma banda que junta umas partituras e se junta num estúdio para fazer uma sessão. Neste projecto, há mesmo essa ideia de banda, com ensaios regulares sempre que possível. Agrada-me ter uma banda e não sermos apenas um grupo que só se junta para ir a estúdio. Mais em concreto, as coisas estavam bem definidas quando fomos para estúdio. Mas como houve um intervalo grande entre a gravação e o lançamento, houve também trabalho de pós-produção. Muitas coisas foram alteradas. E foi bom assumir que isto é um álbum e que todos temos liberdade para alterar o que quisermos, sem existir aquela coisa de sacralizar a sessão.

Muito do jazz contemporâneo está a ser feito com esse compromisso. Se olharmos para o jazz clássico, eu acredito que as coisas aconteciam daquela maneira porque a tecnologia não permitia que fosse feito de outra maneira. Hoje em dia é possível mexer no que foi gravado — alterar, acrescentar, retirar.

[Y.T.] Sim.

O disco foi gravado entre o HAUS e o estúdio da Cafetra, e ainda há uma gravação que foi feita no Jazz no Parque, em Serralves.

[Y.T.] Exacto.

Essas sessões que aconteceram em estúdio, entre a Cafetra e o HAUS, foram demoradas ou foram coisas muito clínicas e rápidas?

[S.B.] Foram relativamente clínicas, sim. O corpo das canções foi todo gravado no HAUS. Foi lá que gravámos o quinteto base. Algumas coisas, como as cordas e algumas vozes, também foram gravadas lá. Depois fomos vendo o que mais podíamos acrescentar.

Já falámos das composições. E quem é que arranja? Quem é que decide quem faz o quê num determinado momento? Os instrumentos de cordas, por exemplo, quando foram gravar tinham as suas partes escritas?

[Y.T.] Sim. Isso estava tudo escrito. Voltando à cena do ritmo e da melodia, sinto que, para este disco, fui apresentando arranjos para cordas. Como era muita gente, havia a necessidade de organizar esse material e ter isso escrito. A parte rítmica foi sempre trabalhada. A bateria e a percussão, acima de tudo, tiveram esse papel de colar as ideias rítmicas aos arranjos na partitura.

[S.B.] Há sempre uma sugestão. Pegando nessa sugestão, no que vem de trás e no que pode surgir à frente, vamos chegando a um consenso. Isso dá bastante liberdade para que cada um de nós possa dar a sua opinião e alterar alguma coisa.

Senti a presença de um espírito neste disco, o de Fela Kuti. Quão aproximada da realidade é esta minha sensação?

[Y.T.] Da minha parte, não sei. Sempre que se fala em Fela, penso logo no Tony Allen, porque acho que é a base.

[S.B.] Pessoalmente, posso dizer que houve um bocado o seguir desse caminho, de perceber o que é que se estava ali a passar. Em termos de ideologia e filosofia, não deliberadamente. Agora que falas nisso, consigo senti-lo. Como o Yaw dizia há pouco, o facto de sermos uma banda faz com que haja uma relação bastante particular entre nós. Noutros projectos, em que és apenas sideman — vais gravar algo e vais-te embora — isso se calhar não existe.

Nas conversas com a maior parte dos protagonistas da nossa cena jazz, as coisas têm muito uma ligação ao momento. Por exemplo, pode sair um disco de um trio ou de um quarteto qualquer e eles dizem, “já não tocávamos juntos há não sei quanto tempo e decidimos que estava na hora de nos voltarmos a encontrar para gravar esta sessão”. Ou seja, não há essa vivência da sala de ensaios, de uma banda que se reúne regularmente e cujos músicos se conhecem uns aos outros. Daí eu sentir um pulsar diferente neste disco.

[Y.T.] Há esse lado mais comunitário que se tenta criar nisto, nesta música. A minha principal referência será, se calhar, mais o Sun Ra do que o Fela. Acho que o Fela é uma personagem complexa nessa coisa da dinâmica de grupo. Havia ali uma hierarquia muito estabelecida, com relações de poder problemáticas. No Sun Ra isso também se coloca, mas em termos de ideologia e filosofia a coisa agrada-me mais.

Enquanto escutava o vosso disco, veio-me à cabeça um termo que apontei para não me esquecer de o utilizar mais tarde: afrobeat de câmara. A vossa música tem esta coisa, de por um lado ter esse lado rítmico muito efusivo e vincado, por outro tem a intimidade, a sofisticação e o arrojo da música de câmara. Faz sentido eu estar a cruzar estas duas culturas musicais?

[Y.T.] Nos textos que temos escrito para a apresentação do disco, temos essa tendência de enunciar referências da música. Se calhar torna-se num texto pouco interessante, porque é uma lista de projectos, bandas e estilos de música. E não sei se o afrobeat faz parte dessa lista.

Mas esse termo até aparece nos tags do vosso Bandcamp.

[Y.T.] Há duas palavras problemáticas que surgem nos nossos tags [risos]. Uma delas é o afrofuturismo, a outra o afrobeat, embora considere esta menos problemática.

Mas tu acabaste de mencionar o Sun Ra, que é tido como uma das referências do afrofuturismo.

[Y.T.] É uma referência que pode ser repensada e reconstruída.

Tudo pode ser repensado. Tudo deve ser repensado!

[Y.T.] Exacto. Em relação ao afrobeat… Sinto o highlife uma coisa muito mais interessante, por ser mais abrangente do que o afrobeat. O afrobeat é o Tony Allen e o Fela, para mim. Eles criam esse estilo. Tudo o que vem depois daquilo é muito parecido e está toda a gente a tocar afrobeat. O highlife é uma coisa…

… mais “da terra”? Até porque o afrobeat foi algo que o Fela criou depois de ter visitado os Estados Unidos.

[Y.T.] Sim. E sinto que o highlife é mais permeável às alterações. Daí teres muitas bandas de highlife com um som muito diferente umas das outras. O afrobeat… tu sentes que é aquilo.

Já que abriste essa porta: qual é o teu problema com o termo “afrofuturismo”? Há uns tempos escrevi um texto em que propunha o termo “afropresentismo”, porque acho que África tem de ser uma coisa presente e urgente, não uma coisa que se adia para o futuro.

[Y.T.] A minha questão tem a ver com a tensão e o contraste — esta DOBRA — entre a diáspora e os que estão lá, em África. Esse conceito de afrofuturismo é uma projecção, de quem está fora, daquilo que África pode ser sem um contacto real com o que lá se passa. Mesmo o Sun Ra, todo o imaginário dele do Egipto, obviamente é de alguém que tem uma referência muito específica de África e muito contida. Tanto que para falar numa civilização africana, apontou logo para o Egipto [risos]. E África é muito mais rica que isso e algumas projecções baseiam-se apenas num imaginário que chega a ser redutor. Depois, é também uma espécie de neologismo, porque o futurismo era uma corrente ligada ao fascismo na Europa [risos]. Eu percebo a ideia, mas é problemático e levanta muitas questões.



Acho este disco muito político e isso começa logo na primeira faixa, “Sap Sap”, cuja letra achei extraordinária. Os textos presentes neste projecto são sempre assinados por quem os diz?

[Y.T.] Sim. No caso da “Sap Sap”, o texto é da Raquel Lima. É engraçado, porque o título original da “Sap Sap” era “Afrofruturismo” [risos]. Por todas estas questões, decidimos alterar para “Sap Sap”.

E há um elemento crítico, quase de intervenção, nessas palavras, não há?

[Y.T.] Acho que isso vem das pessoas que convidámos, da Raquel Lima e da Nádia Yracema, que escreveram essa letra. Elas também têm um percurso no activismo, então apresentam a ideia de forma directa e explícita. Nas outras composições isso também existe, mas acho que não é tão óbvio.

Numa delas és tu mesmo a questionar esse rótulo do afrofuturismo.

[Y.T.] Sim. É por causa da identidade da banda, mesmo esta questão das referências. Nós estamos a pegar em música africana, da diáspora, da América toda. Acho que isso levanta sempre questões políticas. Quando não acontece é que é estranho. As pessoas tocam este tipo de música sem mencionar isso. Escondem-no, por vezes.

Ainda sobre os rótulos que ajudam quem anda no Bandcamp a encontrar música, cada um deles representa uma caixinha. A verdade é que este disco cabe em várias caixas — ou então é tão grande que nem cabe em nenhuma. Nós até estamos a ter esta conversa numa loja de discos, onde é necessário haver secções para arrumar o produto físico algures. Na vossa cabeça, onde é que vocês arrumam este álbum?

[S.B.] Pessoalmente, ainda não sei bem. É algo com que me deparo sempre que tento falar sobre o projecto ou mesmo a escrever os tags no Bandcamp. Sinceramente, sempre que surge um género que nos possa descrever de alguma forma, ao mesmo tempo sinto que-

Parecem algemas que prendem?

[S.B.] Sim. É sempre muito redutor ficar por aí, mesmo que me lembre de 20 géneros de seguida.

Eu entendo que, criativamente, vocês o vejam como uma coisa fluída, que sobrevoa categorias. Mas se fossem vocês a trabalhar na loja, teriam de arrumar o disco em alguma prateleira.

[Y.T.] Não vou fugir à pergunta [risos]. Felizmente, essa não é a minha responsabilidade. Percebo o lado prático, porque há proveito nessa organização. Quando vou a uma loja de música, acabo por recorrer a essas etiquetas. Mas, por norma, quando ouço música mais recente não costumo estar a pensar “isto é isto”. Estou a ver o Dexter Gordon e penso em jazz. Há bocado falaste na produção e eu pensei logo do Macero com o Miles, no Bitches Brew. Sinceramente, não ouço o Bitches Brew ou o On The Corner a pensar “isto é jazz”.

Os puristas dizem que não é jazz.

[Y.T.] Infelizmente existem os puristas para nos dizerem o que é ou não é jazz. Mas isso é completamente irrelevante. Completamente ou não, não sei, mas também não vou tar aqui a-

O Bitches Brew e o On The Corner são trabalhos de absoluto génio, seja lá qual for o designativo que lhes queiram aplicar.

[Y.T.] Eu adoro-os. E não é por não terem uma catalogação fácil que ganham ou perdem algum valor.

Eu coloco-vos esta pergunta porque tenho esta curiosidade genuína em saber como é que GUME se relaciona com o universo do jazz português. Até porque um dos temas deste disco foi gravado no Jazz no Parque. Vocês relacionam-se com esse universo, quer queiram quer não, e penso que não o recusam. Mas como é que entendem a entidade GUME face a essa grande família do jazz que se faz em Portugal?

[Y.T.] Acho que o facto de não nos fecharmos numa só etiqueta ajuda-nos a relacionar com diferentes estilos de música.

Se eu fosse programador e escutasse o disco, acho que faria sentido GUME no Jazz em Agosto, no Primavera Sound, no FMM de Sines, no Musicbox, no OUT.FEST… Em todos esses contextos há lugar para esta música. E isso diz muito daquilo que vocês estão a criar.

[S.B.] Sinto que isso está muito nos ouvidos de quem está a escutar. O facto de termos deixado esse espaço para a interpretação dá liberdade a quem está a ouvir de fazer essas associações, ao mesmo tempo que se sente à vontade para nos incluir ou não em alguma programação ou para nos colocar numa prateleira ou noutra.

Mas há um momento em que o disco está pronto e há uma preocupação vossa em escolher o palco onde o vão apresentar. Têm de ponderar onde o vão apresentar. Eu devo ou não devo ler algo no facto de vocês terem escolhido o B.Leza para o concerto de apresentação?

[Y.T.] Não deves [risos].

O B.leza é tido como o templo da música africana em Lisboa, não é?

[Y.T.] Sim. Mas não será por aí.

Calhou?

[Y.T.] Foi uma boa coincidência.

Nesse concerto de dia 15, todas as pessoas creditadas no álbum vão estar em palco? Como é que vai acontecer?

[S.B.] Vai ser uma abordagem mais minimalista. Em termos de convidados, só temos os saxofonistas.

Portanto, será o quinteto base e mais dois saxofones?

[Y.T.] Saxofones e flauta.

Esse quinteto base, são vocês os dois e…

[S.B.] O Pedro Monteiro no contrabaixo, o André David na guitarra e o David Menezes na percussão.

E entre os dois saxofonistas, um deles tocará a flauta?

[Y.T.] O barítono vai tocar flauta.

E nada de cordas.

[Y.T.] Vai haver uma transposição do material do disco para este ensemble.

Nada de coisas pré-gravadas que vão ser disparadas?

[Y.T.] Talvez uma surpresa ou outra, com umas vozes.

Eu estava particularmente curioso em relação à questão das vozes.

[Y.T.] É uma pena. A Raquel já colaborou connosco várias vezes, mas está neste momento a terminar o doutoramento em São Tomé e passa o Natal por lá.

A apresentação poderia ter sido em São Tomé.

[Y.T.] Falámos com ela sobre isso. Foi uma falha [risos].

Daqui para frente, que planos ou estratégias têm para continuar a promover o disco?

[Y.T.] É enviar o trabalho para vários espaços, entrar em contacto com a imprensa e ver se há algum interesse lá de fora, nomeadamente Inglaterra, que é um sítio mais receptivo a este tipo de música. Já houve alguns contactos, mas sem grandes esperanças. É ir enviando material e ver o que acontece.

[S.B.] Eu gostava muito de voltar a ter a oportunidade de ter toda a gente em palco, como em Serralves.

Outra coisa que gostaria de falar com vocês é sobre o facto de vocês se auto-editarem neste disco. Esta loja tem ali uma secção dedicada à Clean Feed e há uma série de selos portugueses bastante activos de momento. Porquê a auto-edição?

[Y.T.] Nós contactámos várias, mas elas não se mostraram interessadas.

Como é que isso é possível? Como é que um dos discos do ano não tem interesse?

[Y.T.] Essa é a grande pergunta [risos].

[S.B.] A certo ponto, a ambiguidade de géneros do álbum pode ter desempenhado um papel importante nessas decisões. Porque encaixa bem numa parte, mas o resto do álbum não tem nada a ver.

Acham que este disco assusta as pessoas que tomam essas decisões de encaixar álbuns nos catálogos, por ser arrojado e diferente?

[Y.T.] Muitas vezes não entendo o motivo disso. Das pessoas que nos responderam… Foi engraçado, porque nós enviámos para editoras de diferentes estilos de música. Diziam-nos, “gostei muito do disco, mas em especial destas tantas músicas”. As editoras ligadas ao jazz gostavam mais de umas, editoras ligadas ao rock ou world music gostavam de outras. Se calhar, também é daí que vem a nossa dificuldade em rotular o disco. Sinto que estaríamos a trair a música que estamos a fazer só para a adaptarmos a um determinado meio. Isso seria uma contradição. Não sei se foi por medo, se por uma questão de marketing, porque ajuda ter as coisas organizadas e saber que isto é jazz ou outra coisa.

Mas eu sinto que esta cultura jogou sempre com a ideia do risco. O risco é importante para a cultura avançar. Se não arriscamos, a cultura não avança. Espanta-me como é que não há quem queira assumir riscos com um disco desta qualidade. Eu achei que vocês me fossem dizer que o editaram porque queriam controlar todas as partes do processo sem abdicar de nada — nem da escolha da capa, nem dos timings de edição, do preço a que vai ser vendido… Eu aceitaria essa resposta. Faria sentido. Agora dizem-me que o enviaram a uma série de editoras, mas que ninguém quis agarrá-lo. Fico espantado.

[Y.T.] Foi uma oportunidade para lançarmos este novo selo, meio fictício, a Facada Records. Pode até servir de pretexto para fazermos mais coisas.

GUME. Facada. Isto corta mesmo, não é? [Risos] Corta com o passado, corta com ideias pré-feitas dos afrofuturismos e do que é que é ou não é jazz ou seja qual for o rótulo que vos queiram colar. Tem a ver com isso?

[Y.T.] Isto é paradoxal. Nós não respondemos à tua pergunta do jazz, mas se pensarmos na história do jazz, ela é feita de pessoas que sempre disseram que não estão a fazer jazz [risos]. O sistema é eficaz em incorporar isso. O que estamos a fazer não é nada de novo, nesse sentido. É tradicional [risos]. Não há mérito nenhum em jogar com as convenções.

E ainda há uma história por detrás da capa do disco, não é?

[Y.T.] Ela foi feita pelos Cane Morto, que é uma crew de graffiti de Milão. Eles tiveram cá, por Lisboa, durante uns anos e-

Pintaram a manta por aí.

[Y.T.] Sim. Espalharam tinta por aí [risos]. Eu adoro o trabalho deles. Principalmente os graffitis que eles têm pela ponte.

[S.B.] Têm muitos. Mesmo a caminho do Algarve, também vês umas coisas.

[Y.T.] Eles fizeram a capa e o design é da Desisto. O Ricardo Martins, que é baterista, deu um toque especial a isto.

Qual foi a última vez que ouviram o disco todo, já depois de pronto, e o que é que sentiram ao fazê-lo?

[S.B.] Sinto que foi uma boa tentativa de fotografar o nosso processo, a nossa identidade de banda, se é que posso dizer isso. Acho que foi bastante genuíno e sinto-me bem com isso. Sinto que fomos honestos connosco durante todo este processo e a música reflecte isso, de alguma forma.

[Y.T.] Eu estou bastante contente com o resultado. O facto de termos conseguido juntar estas pessoas todas… Ponho o disco a tocar, esqueço-me que ’tá a dar e, de repente, ouço um dos convidados a tocar e “wow! Esqueci-me que esta pessoa estava a fazer isto”. Mas ainda não tenho o distanciamento necessário para desfrutar realmente do disco. Não sei.


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