Já houve uma boa quantidade de tinta digital gasta a analisar o impacto do COVID-19 na indústria da música (entre as quais a longa reflexão escrita pelo director do Rimas e Batidas, Rui Miguel Abreu, para a Blitz). 2020 ficará marcado por inúmeras razões, e o cancelamento de grande parte dos concertos e festivais, ganha-pão de músicos e técnicos pelo mundo fora, é uma daquelas que nos diz mais.
Obviamente, Portugal não foi excepção à regra, dado que todos os festivais e digressões, dos maiores aos mais pequenos, foram cancelados ou adiados. O Som Riscado, em Loulé, foi um deles. Em direcção à quinta edição, o evento viu a sua calendarização (normalmente pensada para acontecer na Primavera) ser adiada para este Outono. Por não figurar entre os concelhos de alto risco, o festival vai mesmo ter lugar no Algarve, este fim-de-semana, de 19 a 22 de Novembro.
Retomando o tipo de programação a que já nos tem habituado, o Som Riscado volta com propostas desafiantes e nomes sonantes da música portuguesa, desde da mais dissonante às esferas mais visíveis da electrónica, do indie ou mesmo da pop nacional. Tudo isto sem nunca descurar do lado mais formativo e académico que o define. É sob a alçada dessa multidisciplinariedade que o festival se separa doutras iniciativas, e fá-lo através de espetáculos, instalações, formações e debates. Torna louletanos, ou qualquer visitante da cidade, parte duma aprendizagem colectiva que explora os âmbitos do audiovisual, seja por via de workshops dados na Escola Secundária de Loulé ou de encomendas de obras a estudantes do curso de Imagem Animada da ESEC-UALG.
Deste modo, como manda o Som Riscado, o dia zero (18 de Novembro) do festival tem agendados dois workshops a cargo do dinâmico colectivo portuense Sonoscopia, com Autómatos Musicais, e ainda o habitual Concílio (riscado) dos Deuses, com a participação de artistas do festival, desta vez moderado por Rui Miguel Abreu, no Café Calcinha. Nos dias que se seguem, os visitantes podem usufruir de algumas instalações interactivas permanentes. São elas Pianoscópio da Companhia de Música Teatral, no Convento de Santo António; Phobos – Orquestra Robótica Funcional pelo colectivo Sonoscopia, no Cineteatro Louletano; e Acruxon de Victor Gama, no Palácio Gama Lobo. Além das instalações, podem contar ainda com os workshops de Victor Gama sobre construção de instrumentos musicais em ambiente 3D, e de Rodrigo Carvalho (Boris Chimp 504) sobre Processing.
Entre as actuações, há o concerto visual Vela 6911 para orquestra de câmara e instrumentos contemporâneos do compositor e investigador luso-angolano Victor Gama, e da harpista portuguesa Salomé Pais com a Orquestra Clássica do Sul no dia 19, oito anos depois da sua estreia em Chicago. No dia 20, há Frankie Chavez e Peixe, acompanhados pelos visuais de Jorge Quintela, quase dois anos depois do lançamento do homónimo Miramar, invocando o lado folk mais contemplativo desta edição do Som Riscado. No dia 21 destaca-se o concerto audiovisual Vanishing Quasars de Boris Chimp 504, projecto de Miguel Neto (componente sonora) e Rodrigo Carvalho (visuais e sistemas interactivos), já apresentada internacionalmente e indicada para os fãs de electrónica; além das peças encomendadas aos projectos musicais algarvios 2143 e Heroin Holliday Big Band, que terão a sua continuação no dia 22 com Kilavra e Mateus Verde, com trabalho visual dos alunos do curso de Imagem Animada da ESEC-UALG, com Curadoria Caribe Ibérico.
Temos também a apresentação de Lugar Nenhum, o primeiro trabalho discográfico do projecto algarvio de Grafonola Voadora com Napoleão Mira, lançado este ano pela Kimahera. “De cariz declaradamente interdisciplinar”, convoca-se a importância da palavra num registo spoken word, que poeticamente se entrelaça a instrumentais do jazzístico ao erudito, sem descurar um tratamento electrónico e bastante actual em que dançam beats com piano e guitarra portuguesa.
Surma, depois de um ano de 2019 mais agitado, marcado pela participação no Festival da Canção e pelo lançamento do seu EP homónimo, não se decidiu por umas merecidas férias e lançou o single “Sybille” e a música colaborativa “Skrape”, com Russa e Luar. O Som Riscado encomenda este concerto inédito, agendado para dia 21 no Cineteatro Louletano, com a participação das artistas visuais Camille Leon e Inês Barracha, que trabalham com fotografia, design, vídeo, multimédia, animação e pintura. Se esta colaboração soa prometedora, é porque é mesmo.
O último dia do festival encerra com o concerto de Textures & Lines, o álbum em que Drumming GP (Miquel Bernat, João Tiago Dias e João Miguel Braga Simões) se juntam a Joana Gama e Luís Fernandes. Editado pela Holuzam na altura em que a pandemia se tornou num assunto global, este registo de música electroacústica existia já em formato de concerto audiovisual em 2019, com trabalho de manipulação de fotografia analógica de Pedro Maia (que fez também a capa).
Drumming GP vinha de um 2019 também movimentado, com os lançamentos de Archipelago com Luís Tinoco e de Liturgy Of The Birds, com Daniel Bernardes, António Augusto Aguiar e Mário Costa, em homenagem ao vanguardista compositor francês Olivier Messiaen. Luís Fernandes vinha de Seis Peças Sintetizadas, lançado igualmente pela Holuzam. Joana Gama teve um ano mais activo, com o lançamento de Arcueil sobre o trabalho de Erik Satie (apoiado pela GDA, pelo CESEM, pela Antena 2 e pela Fundació Frederic Mompou), do trabalho colaborativo com Rafael Toral AER 7 D e as apresentações ao vivo mais recentes onde abordava a obra de Hans Otte. Depois de várias apresentações ao vivo em Viseu, no Porto e numa data (adiada para esta quinta-feira, dia 19) na Culturgest, em Lisboa, este grupo fica responsável por encerrar o festival louletano.
Para inscrições ou mais informações sobre o festival, contactem por via telefónica, 289414604, ou por e-mail, cinereservas@cm-loule.pt). Para adquirir bilhetes para os espectáculos, dirijam-se à recepção do Cineteatro de Loulé ou consultem cineteatrolouletano.bol.pt. A lotação do Som Riscado é limitada e o uso de máscara é obrigatório, fazendo-se cumprindr assim todas as normas de higiene e segurança da DGS.