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Publicado a: 14/10/2018

GROGNation Unplugged no Olga Cadaval: a bonança da amizade para uma noite de tempestade

Publicado a: 14/10/2018

[TEXTO] Vera Brito [FOTOS] Inês Ventura

Não eram particularmente animadoras as previsões meteorológicas para a noite de ontem, com um furacão em rota de colisão por vários concelhos do país, incluindo Sintra. A caminho do Centro Cultural Olga Cadaval, o vento e a chuva, que começavam a fustigar-nos furiosamente o carro, eram um tanto inquietantes, mas ainda longe de serem motivos capazes de nos demover do nosso objectivo para esta noite: assistir a um outro bem conhecido furacão — GROGNation, num concerto muito especial, em formato acústico, como nunca antes os tínhamos visto.

À chegada ao auditório e enquanto procurávamos por um lugar para nos sentarmos, já se avistavam em palco cinco cadeiras altas alinhadas em frente a uma bateria, baixo, saxofone e teclado. Nem pratos, nem caixas de ritmos, nem computador — sem DJ os beats iriam mesmo ficar de fora e a ideia de assistir a um concerto de hip hop sentados, com os energéticos rapazes de Mem Martins também eles sentados, afigurava-se, no mínimo, algo curiosa. Um rapaz ao nosso lado, certamente fã do colectivo, pouco antes do concerto começar, remexia-se inquieto na cadeira comentando que não era bem isto com que estava a contar.

 



Correndo o risco de não conseguir agradar a todos (não se fazem omeletes sem partir uns quantos ovos) foi com confiança que os GROGNation ocuparam as suas cadeiras, já com a banda em palco e saudaram a “todos os que quiseram entrar” com “Bem Vindos”. O formato unplugged não sendo propriamente uma novidade para ninguém (remonta-nos até à nostalgia das populares séries unplugged da MTV, com início na década de 90 em que, recorde-se, foram até LL Cool J, A Tribe Called Quest e De La Soul os protagonistas de um dos mais emblemáticos concertos da altura) é, no entanto, um formato que associamos mais facilmente a bandas rock, e a muitos outros estilos que não o hip hop. Por isso, e mesmo não sendo pioneiros da fusão entre hip hop e acústico, o concerto de ontem dos GROGNation não deixou de ser uma experiência ousada, que poderia muito bem não ter resultado, se tivermos em conta o seu público jovem e ávido por beats carregados de energia e letras cuspidas com fervor.

Com um começo algo tímido com “Casa dos 20” e “Na Corda Bamba”, ambas visitas a Sem Censura, os rapazes foram aos poucos tomando o pulso ao auditório, soltando-se nas rimas e na língua, com espaço para muitas histórias e piadas entre músicas (um “verdadeiro espectáculo de stand-up” como referiu Harold mais adiante), em que se percebeu bem a cumplicidade destes rapazes que cresceram juntos, naquela idade em que se têm ainda todos os sonhos do mundo — “viver o sonho de viver do rap, de ser o André, mas também ser o Neck”. Um “casamento” que dura há sete anos, bem longe de acusar qualquer crise matrimonial e que nos parece agora pronto para nos oferecer os seus melhores frutos.

 



“Problemas”, a primeira da noite para Nada É Por Acaso, o primeiro longa-duração dos GROGNation, editado apenas no ano passado, é uma faixa madura em que desponta toda a musicalidade de Papillon e Harold. É normal que num colectivo se destaquem personalidades, por isso não deixa de ser curiosa a forma como os GROGNation conseguem equilibrar entre si as atenções. Seria tentador dizer que Papillon é quem mais se destaca, já que actualmente vive um brilhante momento a solo, com aquele que será seguramente considerado um dos discos do ano. E embora tenha roubado várias vezes a noite com a sua métrica irrepreensível, como em “Chama-me Nomes” em que o público tentou a custo acompanhá-lo com palmas, por incentivo de Neck que no final exclamou: “entusiasmei-me com esta!”, existe espaço para todas as vozes e diferentes personalidades dos GROGNation. Harold é um cativante contador de histórias, capaz de conquistar até o público mais gélido. Prizko imprime seriedade com as suas rimas conscientes e o seu semblante mais sisudo. Nastyfactor, sempre discreto, percebe-se que é a cola que une o colectivo. Neck é a espontaneidade em palco, responsável pelos momentos mais emotivos da noite, quer no demorado agradecimento aos pais presentes na plateia, quer na sentida “Sei Que Esperas”, dedicada à filha, onde os nervos quase o atraiçoaram e que Papillon resolveu com um abraço.

Para o final estava ainda reservada mais uma surpresa quando Filipe Gonçalves que se juntou para a bem conhecida “Voodoo”, enchendo sem cerimónias o auditório com a sua bonita e forte voz soul, com competição apenas dos momentos de back vocals de João Pina, que nos arrebataram várias vezes pela noite. Escusado será dizer que por esta altura já ninguém estava sentado em palco e despedida fez-se ao som de “Não Posso Ficar”, com o seu sample de samba contagiante retirado ao clássico de Adoniran Barbosa. Prova ganha para os GROGNation que nos conseguiram surpreender a todos e, acreditamos até, a si próprios neste serão acústico de boa energia em que a bonança das palavras e da amizade nos fez até esquecer da tempestade lá fora.

 


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