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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/05/2022

De digestão lenta.

GROGNation: “A primeira vez que se falou em fazer um EP com o Sam The Kid foi, mais ou menos, em 2014”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/05/2022

As partes fazem o todo. Esse sempre foi o espírito dos GROGNation, colectivo de Mem Martins que ganhou força no hip hop nacional enquanto grupo — e não a perdeu com o desenvolvimento individual de cada elemento. Com o crescimento do projecto-mãe vieram as carreiras a solo, e o sistema corporativo passou a móvel: a presença simultânea e obrigatória de todos deu lugar a uma rotação em permanência que, sob as mesmas matrizes, mantém a máquina em movimento.

Esse foi o processo de ordem na construção de Anatomia de GROG, um EP que junta as rimas de Harold, nastyfactor, Neck, Papillon e Prizko às batidas de Sam The Kid. A primeira peça chegou-nos em 2019, mas o conjunto das restantes foi apresentado já em Março de 2022, com cabeça, tronco e membros — com “Cara”, “Orelhas Quentes”, “Pescoço”, “Coração”, “Calcanhar” a formar o “Body”. 

Recebidos por Neck e nastyfactor no estúdio onde a obra continua a (re)nascer, os dois membros do grupo, unidos por laços de sangue, abriram portas ao processo que culminou num disco prometido há sete anos. E agora concebido, este corpo ganha vida já nos próximos dias 14 e 21, nos concertos de apresentação do curta-duração previstos para Porto e Lisboa, no Hard Club e no Estúdio Time Out.



Para este projecto, gravaram alguma coisa aqui no estúdio?

[nastyfactor] Sim, foi tudo aqui. Nas cenas da GROG, nós gravamos tudo aqui. 

Sempre?

[nastyfactor] Sim, sempre.

[Neck] Só se for uma coisa pontual…

Eu tinha a ideia de que, nesta fase em que muitos de vocês já têm carreiras a solo, podia não ser possível juntarem-se todos por causa das agendas.

[nastyfactor] Ah! Mas isso acontece, é raro nós estarmos todos juntos em estúdio. 

Então, mesmo que seja para gravarem sozinhos, vêm cá na mesma?

[nastyfactor] Sim. Nos projectos a solo não é obrigatoriamente assim. Mas se nós tivermos um som para gravar com a GROG, não é uma sessão em que nós estamos os cinco. Hoje em dia já é muito difícil. Até porque uns trabalham, outros têm outros compromissos. Eu é que tenho de estar cá sempre, porque sou eu que, normalmente, gravo o pessoal, e sou eu que tenho as sessões e que as passo para quem vai misturar. Nós, nestes últimos tempos, já só estamos [todos] juntos quando são reuniões, ensaios, concertos e decisões importantes. Mas sim, a única cena que não foi gravada aqui foi o verso do Sam [The Kid], do “Body”.

Foi gravado onde? No estúdio do Fred?

[nastyfactor] Foi no Fred, sim.

E vocês estavam lá?

[nastyfactor] Não. Foi engraçado, porque eu vi um story do Fred a gravar o Sam em mute — ele não tinha posto som no story. E eu reagi — eu não sabia que o Sam estava a gravar o verso para o “Body” —, e o Fred respondeu “olha, é para vocês”. Fiquei bué entusiasmado, mandei logo print screen para o pessoal. Porque o Sam não nos disse que ia gravar, disse que já estava quase, tinha as cenas quase acabadas, mas não nos disse quando ia gravar.

Mas esse som estava pensado para ter um verso dele?

[nastyfactor] Sim, sim! Isso já desde há algum tempo. Eu lembro-me de quando fomos gravar o “Orelhas Quentes” — em que ele faz o refrão —, no videoclipe ele chamar-nos à parte e dizer “tenho que vos dizer, comecei a escrever e a cena está a fluir, vou escrever um bocadinho mais do que é suposto”. Ele avisou-nos logo nessa altura, portanto já era suposto, já sabíamos que ele ia rimar — e que ia rimar aquilo tudo. Só não soubemos quando é que ele ia gravar. Eu soube porque vi um story do Fred. 

Quando foram ao Eléctrico, da Antena 3, quantas vezes repetiram esse tema em específico?

[nastyfactor] No momento?

[Neck] No momento, só uma. O nosso foi tudo one shot. Nós e o Regula.

[nastyfactor] Eu tinha a noção, já na altura, que havia essa possibilidade, mas nós sempre fomos assim. Nós, sem o Sam, ensaiámos juntos duas ou três vezes, e depois com o Sam ensaiámos uma vez. E aquilo foi tudo one take, mas nós somos bué assim nesse tipo de eventos.

[Neck] Até acho que foi um bocado reflexo deste projecto todo. Aquilo foi bué natural, foi uma cena mesmo natural que aconteceu.

[nastyfactor] Já tens confiança a fazer alguma coisa ao vivo com o teu grupo, e depois tens o Sam que, obviamente, já tem muita experiência nisso. E tu já sabes: o Sam vai entrar naquela parte e tens a segurança que ele vai fazer as cenas bem e que sabe o verso todo.

Em termos de percepção, o que têm sentido agora que lançaram o projecto, apesar de as faixas terem sido divulgadas ao longo dos últimos três anos?

[nastyfactor] Não te vou mentir: o processo em si, burocrático, está a ser muito stressante. As coisas não estão a correr de maneira fluída…

[Neck] [Risos]

[nastyfactor] Em termos de lançamento, a própria burocracia de lançar, a cena da distribuição, lançar o site, vender os CDs, o merch… toda a cena por trás, que não é propriamente lançar o projecto, tem sido um bocado stressante.

Está a estragar a experiência de certa forma?

[nastyfactor] Não, não está a estragar a experiência! Podia é ser um bocado mais optimizada.

[Neck] A cena é que é diferente…

[nastyfactor] Mas é o que é. Em termos de impacto com o público, eu sinto que este dois últimos sons que lançámos estão a funcionar mesmo bem.

[Neck] Mas os outros também funcionaram…

[nastyfactor] Funcionaram, funcionaram! Claro que sim.

[Neck] Só que, em vez de ter saído tudo logo, parece que foste digerindo aos poucos.

Não há aquela sensação de que lançaram um projecto, porque todas as faixas já tinham saído.

[Neck] Vou-te ser sincero, eu também não tenho essa sensação. Na minha cabeça este projecto já passou. Como já está feito há bué tempo, agora que já está cá fora é o oficializar da cena.

[nastyfactor] Sim, na prática é isso mesmo. É oficializar, materializar a cena em CD, fazer as apresentações. É mais o fechar de um capítulo. Fazeres um projecto é uma cena que podes demorar, facilmente, um ano, um ano e meio a fazer. E a única diferença é que em vez de termos demorado um ano e meio e guardado as músicas todas para lançar no final, demorámos mais tempo e fomos lançando à medida que íamos fazendo. Houve sons que guardámos: o “Coração”, o “Body”, que já tínhamos um ano antes de lançar. Mas é uma dinâmica diferente, sim. É mais leve, no sentido em que foste libertando essa carga. Porque para nós também é uma cena difícil. Tu queres muito que as pessoas oiçam, é um segredo que tens ali, que muitas das vezes fica difícil de guardar. Assim, desta maneira, foi mais fácil no sentido em que foste libertando.

Há pequenos picos de satisfação.

[nastyfactor] Exactamente. Eu, de certa forma, sinto que isso também nos ajudou ao ponto que nós estamos agora.

Em que sentido?

[nastyfactor] Eu sinto que todo o nosso percurso, toda a nossa carreira, não foi um pico. Não começámos do nada e picámos lá em cima. Tem sido step by step. E sinto que, normalmente, esses degraus são feitos pelos projectos. A cada projecto que lanças vais subindo um degrau. Este projecto, como foste lançando em fascículos, foste subindo degrauzinhos dentro do projecto antes de o lançares. Ou seja, no momento em que estás a lançar o projecto já tens uma atenção muito maior do que tinhas quando lançaste o “Pescoço”, por exemplo.

[Neck] Só tiveste um som que passou assim mais despercebido neste projecto, na minha opinião.



O “Cara”?

[Neck] Sim, o “Cara”. E eu acho que é um grande som, só que de todos é o que tem menos visualizações.

[nastyfactor] E digo-te que foi um dos vídeos que deram mais trabalho a fazer. Nós sentíamos que deveríamos dedicar mais horas naquilo, arranjámos mais pessoal, uma equipa de propósito para fazer o vídeo, e foi dos sons que teve menos impacto. Mas é o que é. Tu nunca controlas isso.

Nos vossos projectos anteriores acontecia muito isso?

[nastyfactor] Claro, claro.

[Neck] Acho que qualquer artista tem essa cena. Podes estar a sentir um som e…

[nastyfactor] E se calhar o público escolhe outro. Os sons da carreira de um artista não é um artista que escolhe. É o público. O público é que faz a tua carreira, não és tu — nesse sentido. 

Lembram-se de algum que vocês não estavam à espera que fosse tão bem recebido?

[nastyfactor] Eu lembro-me é o contrário. Nós estávamos a sentir bué o “Barman”…

E foi, de certa forma.

[nastyfactor] Foi, foi, mas acho que o “Barman” funciona melhor ao vivo. É um momento fixe do nosso concerto. Mas em termos de repercussão…

[Neck] Não foi assim tão grande.

[nastyfactor] Não, não foi! É um som que funciona melhor ao vivo do que propriamente as pessoas estarem a ouvir em casa.

[Neck] Até é diferente ouvires aquilo ao vivo do que em casa.

Esse e o “Molio”.

[nastyfactor] Sim, sim!

[Neck] Olha, o “Molio” é um bom exemplo.

[nastyfactor] Hoje em dia nós já estamos numa postura em que já sabemos o que pode funcionar ou não, o que pode ser abrangente ou não, os vários públicos que podem ouvir. O “Calcanhar”, normalmente, é para um público que gosta mais de rap.

E foi interessante lançarem o “Calcanhar” e o “Coração” ao mesmo tempo, porque nota-se a diferença de públicos a que cada um chegou.

[nastyfactor] Sim, mas é assumido. Já sabes que no “Calcanhar” até pode haver gente que não é tão do rap e que consegue ouvir e curtir, mas tens a noção que o “Coração” é uma cena…

[Neck] O “Coração” é um “Voodoo”.

A ideia sempre foi lançar o projecto single single, ou o início da pandemia alterou-vos os planos? 

[nastyfactor] Não foi só a pandemia, mas também foi a pandemia. A cena é que nós com GROG estamos numa fase do projecto mais em piloto automático. No início é normal estares com bué garra, a querer lançar sons, à descoberta. És mais inocente, queres que as pessoas te oiçam, estás com aquela tusa de dar concertos…

É tudo mais romântico…

[nastyfactor] É tudo bué romântico. E nós estamos com 10 anos de carreira, a fazer 11 agora. Já não somos tão inocentes assim e já não há esse romantismo. Adoramos o que estamos a fazer…

[Neck] Mas também já é tudo muito estratégico.

[nastyfactor] E tudo mudou na nossa vida! Já somos todos adultos: uns já têm família e filhos, outros trabalham… O Neck, por exemplo, durante o processo de fazer o EP, emigrou.

[Neck] Estive um ano e meio fora, na Holanda.

[nastyfactor] Eu cheguei a ir ter com ele à Holanda para gravarmos um som para o projecto.

[Neck] Que não saiu.

[nastyfactor] Depois acabou por não sair.

Também vos ia perguntar se tinham ficado temas de fora do EP.

[nastyfactor] Alguns, sim.

[Neck] Dois ou três.

[nastyfactor] E depois também temos os nossos projectos individuais. O próprio Sam, que é um elemento fundamental nisto tudo porque é o produtor-executivo, tem uma agenda complicada.

[Neck] É gerir a vida de seis pessoas para fazer uma cena.

[nastyfactor] Não é fechares-te três meses para fazer um projecto. É ir fazendo aos poucos consoante a disponibilidade de todos. 

Mas quando lançaram o primeiro tema, o “Pescoço”, já tinham em perspectiva o EP?

[nastyfactor] Sim. Até te digo, a primeira vez que se falou em fazer um EP foi em 2014, mais ou menos.

[Neck] No quarto do Sam, na altura do “Distante”, do “Shots de GROG”…

[nastyfactor] Exactamente. Nessa altura já se tinha falado em fazer um EP. Nós já conhecíamos o Sam, e houve uma vez que fomos ver um evento, no Campo Pequeno, de uma empresa de telecomunicações, com os Dealema e os Mind Da Gap a fazer uma cena virtual. Havia um canal em que estava a dar um concerto, e as pessoas interagiam pelo comando da box.

[Neck] A antever a pandemia… [risos]

[nastyfactor] Na altura o Rainner, que era o nosso manager, arranjou maneira de nós irmos lá ver — porque aquilo não tinha público —, para estarmos com o pessoal e ver como é que as coisas funcionavam. E estava lá o Sam porque ia dar aquela rima do “O que é que sentes? Borboletas”.

No “És Onde Quero Estar”.

[nastyfactor] Sim. E, então, na altura já estávamos a começar a fazer o Sem Censura e queríamos muito pedir beats ao Sam.

[Neck] Mas não sabíamos como… [risos]

[nastyfactor] E o Rainner, que já conhecia o Sam há mais tempo, ia-nos fazer a ponte para fazermos esse pedido. Só que o Rainner chegou ao pé de nós e disse “olhem, o Sam quer falar convosco e fazer-vos uma proposta”. O Sam já estava com a ideia de nos produzir um projecto. 

[Neck] E não era só uma música.

[nastyfactor] E nós dissemos “claro que vamos fazer isso, mas neste momento estamos a fazer outro projecto e gostávamos de ter beats teus e, se não te importasses, gostávamos de fazer esse projecto que estás a sugerir depois. E ele disse “claro que sim, isso não tem data, a proposta não expira”. Então, a ideia foi fazer a cena com o Sam, mas fomos sempre adiando. Fizemos o Na Via depois, o Nada é por Acaso — que tem um beat do Sam, o “Circo”. E nessa altura já tínhamos o beat do “Cara”. Só que há certos beats — e não é só com o Sam, é com vários produtores — que tu curtes tanto, que estás à espera do momento certo para o encarar, para agarrares o touro pelos cornos.

[Neck] Já tínhamos tido ideias para aquilo e tudo…

[nastyfactor] Sim, mas estava a marinar. Entretanto, depois do Nada é por Acaso, sentimos que estava na altura de fazer a cena com o Sam e o “Cara” foi precisamente o primeiro som que fechámos.

Na altura em que lançaram esse primeiro single falaram com o ReB e nessa entrevista disseram que o projecto ia ter convidados. Chegaram a fazer faixas com mais alguém?

[nastyfactor] Um desses sons foi aquele que eu fui à Holanda gravar com o Neck. Isto era um som que já se tinha começado enquanto ele cá estava, só que depois quisemos dar um avanço e na altura até se pensou na possibilidade de mandar dinheiro da GROG para ele gravar num estúdio na Holanda. Só que eu percebo, ele também não se sentia tão à vontade, está mais habituado a trabalhar comigo, falamos os dois a mesma língua, percebemos o projecto que estamos a trabalhar, a linha que estamos a seguir…

[Neck] E eu paguei a viagem ao nasty e o som não saiu! [Risos]

[nastyfactor] Pois foi, pois foi… [risos] Agarrei no material que nós temos aqui no estúdio — a minha placa de som, o meu computador e o meu microfone, já tinha o resto do material todo lá — e ainda gravámos algumas versões do Neck, na folga dele, na casa de um amigo nosso, e eu gravei lá o “Eindhoven Freestyle” enquanto estavam os dois a trabalhar. Mas esse som que íamos lá gravar, a primeira versão do refrão era do Cálculo, que acabou por não sair. E depois ainda chegámos a ter um refrão da Amaura. Acabou por não sair porque a cena não estava a bater ainda os padrões.

E qual era a parte do corpo nesse som?

[Neck] Podemos dizer?

[nastyfactor] Era a barriga. Borboletas na barriga. Era também um som meio de love.



Faz sentido, quer com a Amaura ou com o Cálculo.

[nastyfactor] E eram abordagens diferentes. O trabalho de produção também pede isso de “isto está fixe, mas e se formos por este caminho?”. O “Calcanhar” também esteve quase para não entrar.

[Neck] O “Calcanhar” demorou imenso tempo.

[nastyfactor] O “Calcanhar” esteve de fora e entrou outra vez.

O que é que mudaram?

[Neck] O beat mudou umas dinâmicas.

[nastyfactor] É mais uma questão de estrutura. A grande preocupação em cenas da GROG é não tornar a cena entediante. É muito fácil nós fazermos sons grandes porque somos cinco. 

E se calhar já não vos interessa tanto a rotina de cada um rimar à sua vez.

[nastyfactor] Sim, e agora se todos rimarmos 16 barras vai ficar um som muito grande. Nós temos de arranjar sempre maneiras, e o “Calcanhar” era um som que não estávamos a conseguir arranjar algo que tornasse a cena fluída. 

Então, ponderaram lançar o EP só com cinco músicas?

[nastyfactor] Sim, sim. E tínhamos outros sons: o “Sangue”, que era a falar de irmãos e que não chegou a entrar…

[Neck] Esse era tipo um “Meu Caçula II”. 

[nastyfactor] E temos cinco ou seis beats do Sam que não usámos. Tínhamos um que era o “Braço”…

[Neck] Nós tínhamos um quadro com ideias de partes do corpo, tipo “Deus dá nozes a quem não tem dentes”…

[nastyfactor] “Mais olhos que barriga”, “com pés e cabeça”, “olhar para o teu umbigo”… Por exemplo, o “Coração” era “tripas coração”.

[Neck] Se bem que o “Coração” era mesmo para ser “tripas coração”, sempre chamámos “tripas” e tínhamos outra ideia para aquilo. Só que depois foi para aquele caminho e decidimos tirar o “tripas”, porque não fazia sentido, e optámos só pelo “coração”.

[nastyfactor] Nós enquanto grupo fomos aprendendo a trabalhar em cooperação. Há sons que tu tens de ter a noção de que “ok, se calhar esta não era a minha concepção”. Quando começámos a trabalhar no som, não era isto que eu estava a pensar fazer. A mim também me aconteceu várias vezes.

[Neck] Eu até tinha entrado nesse som, e estava um verso fodido, só que quando começámos a fazer o refrão reparámos que estava a puxar para outro lado. 

[nastyfactor] Cada um de nós tem a sua cena e dá o seu contributo para o total, mas o total tem de ser uma cena flexível.

[Neck] Tu tens de perceber quando é que entras e quando é que estás a mais. Tens de ter consciência daquilo que tu fazes. 

[nastyfactor] No meu primeiro EP eu tenho imensos versos que foram cenas que não entraram na GROG.

Há uma barreira que separa o que é demasiado pessoal e o que é da GROG?

[nastyfactor] Não é tanto isso… Se bem que há. Obviamente, se quiseres falar de uma coisa…

[Neck] Por exemplo, eu não vou falar de drogas na GROG. Se calhar não é a realidade que toda a gente tem, nós temos de ter perfeita noção.

[nastyfactor] Eu acho que esse limite com a GROG é mais uma questão de estética, porque nós até, volta e meia, vamos fazendo coisas diferentes. Não estamos fechados numa caixinha. O Na Via é diferente do Nada é por Acaso, o Nada é por Acaso é diferente do Sem Censura, este próprio projecto é diferente dos outros todos. Mas há ali uma zona de trabalho, de equilíbrio, que faz sentido com GROGNation.

Uma frequência?

[nastyfactor] Exacto, uma baliza — que nem é assim tão pequena quanto isso — que fica estranho se fizeres [fora dela] com GROG. Nós já nos conhecemos bem a nível de grupo e já percebemos o que faz sentido com GROG e o que é não faz. As cenas a solo dão-te liberdade para aquilo que não fazes na GROG. 

[Neck] Tens de saber jogar em equipa.

O alinhamento do EP segue as partes do corpo. Por que razão não seguiram essa ordem a lançar os temas?

[nastyfactor] Foi mais pela ordem de fazer os sons e de os ter prontos. Sendo que houve um ou outro que já tínhamos guardado. E, na verdade, o “Body” era para ser o último a sair.

E porque é que não foi?

[nastyfactor] E faz sentido porque todos os sons são partes do corpo e o “Body” é o conjunto todo. Era o suposto. Mas, aí sim, posso dizer-te que foi um bocado por causa da pandemia: o “Body” já estava acabado e os outros estavam a acontecer — o “Calcanhar” também, mas estava nesse processo de vai ou não vai —, e nós decidimos que estava na altura. Íamos ficar algum tempo parados e estávamos ansiosos para lançar o som. 

Durante o processo todo do EP, voltaram ao Quarto Mágico para ouvir beats?

[nastyfactor] Não, não. Ele vinha cá ter com uma pen. No início ainda vinha com uma MPC mostrar umas cenas e depois acabávamos por escolher. Mas, à medida que os sons iam ficando fechados, já havia a noção do que faltava, então ele já vinha com uma pen com seis beats. 

E na maioria dos beats o Sam já os tinha, ou foram feitos para GROG?

[nastyfactor] Não sei…

[Neck] Também não te sei responder a essa pergunta [risos].

[nastyfactor] Eu sei que o “Body” não era para nós, era para outra crew. Mas, sim, não sei se ele já tinha esses beats e trazia-os. Acho que era meio termo; acho que nestes últimos ele já sabia o que faltava e eram os beats do mês passado. E houve muitos que ficaram aí que nem acabámos por usar.

Não aconteceu vocês terem já uma ideia e ele desenvolver algo sobre isso?

[nastyfactor] Não, mas já desde o “Pescoço” e o “Cara”— desde os dois primeiros sons — que percebemos logo que era uma cena do corpo humano. E ele na altura estava a fazer o projecto Classe Crua e disse “é bué engraçado porque nós estamos a fazer uma cena toda relativa ao mar”. É mais fácil quando tens esse tipo de direcção. Não sei se isso se traduz directamente na produção e na sonoridade, mas essas foram as únicas direcções que trabalhámos em cima das nossas ideias.

Como é que foi o vosso processo criativo neste projecto, sabendo que as vossas agendas divergem cada vez mais? Conseguiram estar todos juntos a criar?

[nastyfactor] Hoje em dia é mais complicado. 

[Neck] O nasty é a ponte [risos].

[nastyfactor] Sim, acabo por ser quem está com toda a gente.

[Neck] Porque, se for preciso, o Papi[llon] vem gravar e depois vem o Prizko em situações diferentes…

[nastyfactor] A última vez que fomos todos juntos para estúdio foi no Na Via.

[Neck] No “Gandas Parvos”.

[nastyfactor] Foi o último projecto que fizemos de uma ponta a outra todos em estúdio. Mas também já temos um entrosamento que não precisamos de estar propriamente juntos.

Actuarem todos juntos também deve ser cada vez mais difícil. Têm planos para fazer estrada com este disco?

[nastyfactor] Sim, sim. Aliás, as datas de apresentação já estão fechadas. Temos Porto e Lisboa [dias 14, no Hard Club, e 21, no Estúdio Time Out]. Queremos fazer uma cena mais fixe e vamos dar os sons todos do EP, mas não só — acabamos sempre por tocar outros sons. Há sons que, se não deres ao público, levas com tomates [risos]. Mas, sim, o mote é o EP. É o fechar de um capítulo. E para além dessas duas apresentações, temos um concerto já marcado para o Verão, no Festival Bons Sons, em Tomar, e estamos a tentar fechar outras cenas agora. 


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