Em constante diálogo entre o rigor da composição eletrónica e a sensibilidade da escuta profunda, Grand River — nome artístico da compositora e artista sonora Aimée Portioli — apresenta-se pela primeira vez em Braga no festival Semibreve. Conhecida por obras que cruzam o concerto, a instalação e o design de som, a artista ítalo-holandesa constrói universos auditivos que exploram através da música tanto a dimensão espacial como a emocional. A peça Tuning the Wind, que apresentará no festival, parte da gravação e classificação de diferentes tipos de vento para criar um ambiente imersivo, convidando o público a mergulhar na experiência de escutar a natureza como se fosse uma composição em constante metamorfose.
Entrelaçando gravações de campo, texturas eletrónicas e uma forte componente emocional, Grand River desenvolve uma prática que procura, nas suas próprias palavras, “materializar a complexidade da intimidade através do som”. A sua música convida à presença, à vulnerabilidade e à abertura. Na conversa que se segue, a artista partilha a forma como equilibra estrutura e improvisação no palco, a importância do espaço e da acústica em cada performance, e os caminhos futuros da sua pesquisa sonora, revelando uma obra em que técnica e emoção se encontram num mesmo continuum.
Em breve irá actuar no Semibreve, em Braga, um festival conhecido por reunir música electrónica experimental, arte sonora e cultura digital. O que espera descobrir neste encontro com o público português e que tipo de experiência auditiva deseja proporcionar-lhe?
Estou muito ansiosa por actuar no Semibreve. É um festival em que sempre quis tocar, por isso estou muito feliz por participar pela primeira vez este ano. Também nunca actuei na cidade de Braga, por isso estou curiosa para ver como o público local ouve. Cada país e cada cidade têm a sua própria sensibilidade e resposta, que estou sempre ansiosa por explorar e experimentar. Vou tocar a minha peça Tuning the Wind, através da qual espero oferecer um espaço de imersão, algo que convide as pessoas a conectarem-se emocionalmente com o som, a sentir em vez de analisar.
A sua prática move-se frequentemente de forma fluida entre a performance ao vivo, o design de som e a instalação — como em Tuning the Wind. Como é que navega por estes diferentes modos de expressão sonora e como é que eles moldam a forma como aborda um concerto?
Para mim, estes diferentes modos fazem todos parte do mesmo continuum. Quer esteja a criar uma instalação ou a preparar-me para um concerto, estou sempre a pensar no espaço, na perceção e na emoção. No trabalho de instalação, o som pode respirar ao longo do tempo; ele existe como um ambiente. Numa performance ao vivo, essa energia é mais focada e direta. Gosto de trazer um pouco dessa sensibilidade espacial da instalação para o espaço do concerto, de pensar na performance como um ambiente vivo que evolui em tempo real.
Numa entrevista anterior, falou em “materializar a complexidade da intimidade através do som”. Como entende a intimidade no domínio da música e da audição, e de que forma esta ideia ressoa no seu trabalho mais recente?
Para mim, a intimidade tem a ver com presença e estar totalmente num momento com o som. Pode significar vulnerabilidade, abertura ou permitir que algo muito pessoal venha à tona através da música. Acho que a intimidade existe não só entre o intérprete e o ouvinte, mas também entre os próprios sons, na forma como os tons, as texturas e os silêncios interagem. No meu trabalho mais recente, sinto-me atraída por essa ideia de proximidade emocional, música que convida a que vocês se possa conectar com os seus próprios sentimentos e memórias.
Gravações de campo e sons ambientais desempenham um papel significativo nas suas composições, muitas vezes transformados e entrelaçados em texturas electrónicas e instrumentais. Poderia partilhar um momento de descoberta sonora, talvez um som no mundo que mudou a sua forma de ouvir, que encontrou pelo caminho na sua prática?
Um momento que permanece comigo é o som do vento a passar pelas árvores perto da minha casa, ou o som do rio a correr na cidade onde cresci. Se fechar os olhos e me concentrar, ainda consigo ouvir esses sons. Eles mudam constantemente — às vezes delicados, às vezes quase orquestrais — e ensinaram-me a ouvir o movimento em vez da forma fixa. Essa consciência tornou-se central em Tuning the Wind, onde gravei e categorizei diferentes tipos de vento, usando-os como material composicional. Momentos como esse lembram-me como a própria natureza compõe e como a escuta atenta pode transformar os sons.
Ao actuar ao vivo, até que ponto se permite a improvisar ou a responder à acústica do espaço e à presença do público? Onde traça a linha entre estrutura e espontaneidade?
Há sempre um equilíbrio. Trabalho com uma estrutura, mas também deixo espaço para responder ao espaço, à acústica e à energia do público. Cada local tem a sua própria ressonância, e parece natural adaptar-me ligeiramente a isso. Gosto da imprevisibilidade do som ao vivo; mantém a performance viva e presente. A estrutura fornece orientação, mas a espontaneidade dá vida à performance, tanto para mim como para o ouvinte.
Os festivais muitas vezes apresentam desafios únicos: locais desconhecidos, acústica imprevisível ou restrições técnicas. Como lida com essas circunstâncias, preservando a integridade da sua visão artística?
Tento abordar cada espaço com abertura. Testo sempre a sala cuidadosamente durante o soundcheck para entender como ela se comporta. Às vezes, as limitações técnicas podem levar a soluções criativas, como uma abordagem diferente da dinâmica ou da espacialização. Vejo esses ajustes não como compromissos, mas como oportunidades de tornar o trabalho mais específico para o local, para permitir que ele ressoe de uma maneira única.
Para além do Semibreve, quais são os projectos ou colaborações atuais que a entusiasmam — sejam lançamentos, instalações ou parcerias? Há novas direcções artísticas que se sinta compelida a explorar?
Este ano tem sido muito preenchido e inspirador. Continuo em digressão com In Uno Spazio Immenso e Tuning the Wind, além de fazer DJ sets. Recentemente, apresentei a minha instalação “Symphony for Endangered Birds”, que foi um projecto muito significativo para mim, e estou ansiosa por desenvolver novos trabalhos sonoros que explorem conexões semelhantes entre o ambiente e a emoção. No final do ano, estarei de volta ao estúdio para trabalhar no meu novo álbum, pelo qual estou muito entusiasmada.
Para os ouvintes que podem estar a conhecer a sua música pela primeira vez: o que consideraria um “ponto de entrada” ideal no mundo de Grand River? E, em última análise, o que espera que as pessoas levem consigo após a sua apresentação no Semibreve?
Acho que Tuning the Wind ou All Above poderiam ser bons pontos de entrada, pois ambos capturam o lado emocional e textural do meu trabalho, mas também são muito diferentes um do outro. Em última análise, espero que as pessoas saiam do concerto sentindo algo pessoal, talvez uma sensação de quietude ou uma mudança na forma como ouvem o mundo à sua volta. Se saírem mais atentas ao som, ou com uma sensação que permanece silenciosamente depois, isso significaria muito para mim. Também espero que experimentem um momento de separação do que as rodeia, como se fossem transportadas para outro lugar por um tempo. É a mesma sensação que procuro quando assisto a um concerto.