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Publicado a: 23/11/2015

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[TEXTO] Rui Miguel Abreu

 

A internet é um local distante: uma selva exótica, um deserto ardente, uma galáxia situada para lá da nebulosa mais remota. A internet é mesmo ali, ao lado daquele botão. A internet é muito grande. Cabe lá tudo. Até a imaginação mais delirante. Ou Flexico, a cidade/lugar/país imaginário para onde o colectivo Goth Money escapa, sempre que a luz vermelha se acende e é hora de gravar.

Trillionaires é a estreia a sério do colectivo formado por Hunned Mill, Kane Grocerys, Karmah, Luckaleannn, Black Kray e MFK Marcy Mane. Curiosamente, e isso é um dado novo, os seis elementos centrais da Goth Money não vêm de um mesmo bairro ou de uma mesma cidade. nem sequer de um mesmo estado. Este grupo forjou as suas alianças através da internet, usando as redes sociais como canais de comunicação através dos quais se desenhou uma outra ideia de pertença. Não a um lugar, mas a uma ideia: “Gods Over This Humanity“. GOTH.

Claro que a ideia nocturna de um sentido puramente americano de gótico atravessa o subtexto musical deste grupo: tons menores, arrastados, como se esta música fosse produzida durante um sonho ou melhor ainda durante uma alucinação; e depois há o sentido estético dominante nas roupas, com o grupo a adoptar sobretudo cores escuras e a não se importar de usar t-shirts de Linkin Park ou Korn não como afirmação de algum tipo de filiação musical, mas como uma oblíqua declaração de moda – um grupo de miúdos negros dos projects que pega numa “farda” dos subúrbios brancos de há uma década ou mais e a reclama tem que ter um significado mais profundo do que simplesmente um redondo “why not?“… Certo?…

Em entrevista à Noisey, o grupo explica que na sigla que se traduz por “Gods Over This Humanity” assenta um positivismo a toda a prova, blindado numa certa inocência que os leva a quererem manter-se ferozmente independentes, a terem uma inabalável fé um nos outros e a apostarem numa visão positiva do mundo e da vida. Alguns dos membros explicam ao jornalista da Noisey que vêm de vizinhanças f*didas, pelo que escapar para um lugar de fantasia, Flexico, é afinal de contas uma estratégia de sobrevivência tão válida como vestir a pele de um thug.

Citando influências como DJ Screw ou Madlib (!!), os membros da Goth Money identificam na raiz do seu som estetas que pela desaceleração ou pela lisérgica combinação de sons também souberam alterar a realidade. A música de Trillionaires é arrastada, lenta, densa, mas ao mesmo tempo atravessada por algumas texturas sintetizadas que parecem remeter para uma década feita de néons e de cores puxadas, o que talvez ajude a explicar a sua opção de fazer vídeos usando velhas câmaras de VHS. A ideia de uma luz gótica pode igualmente ser interpretada como a ideia de um mundo iluminado apenas pela claridade que emana de um televisor – ou de um ecrã de computador – num quarto escuro. Lá fora o mundo real, mas do outro lado da luz o paraíso. Ou Flexico.

Barron Machat, o precocemente desaparecido patrão da Hippos In Tanks, tinha uma enorme fé na crew Goth Money que terá sido o seu último projecto, infelizmente não concluído. Trillionaires é a extraordinária prova de que a visão de Machat era acertada. “Quando é que se tornaram tão positivos?”, pergunta-lhes a dada altura Reed Jackson da Noisey. “Depois de fazer tanta cena negativa”, responde assertivamente Karmah. O que as cabeças pensantes da Goth Money identificam como “positivismo” é, afinal de contas, o bom e velho desejo de superação que continua a animar quem no centro do bairro procura olhar de cima e alcançar mais longe. O som da Goth Money, feito de um delicado rendilhado de beats, sinos, sintetizadores de néon, acordes menores, cordas fantasmagóricas e rumbles de baixo desenhados à dimensão das frequências de graves suportadas pelos Beats By Dre, é, afinal de contas, um passaporte. Para outra dimensão. Para os mais longínquos domínios da internet. Para outra galáxia. Tão longe e tão perto.

 

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