Digital

GoldLink

Diaspora

Squaaash Club / RCA Records / 2019

Texto de Miguel Santos

Publicado a: 01/07/2019

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O SoundCloud continua a dar cartas. Bem, não é propriamente a empresa que as dá — apesar de o cenário ser já mais positivo –,mas os artistas que fazem a empresa crescer não param de surgir. Um dos mais recentes destaques no mainstream é GoldLink, rapper norte-americano nascido D’Anthony Carlos que explodiu de forma intensa depois do lançamento nessa plataforma da sua mixtape The God Complex, projecto aclamado pela crítica, e que lhe valeu a mentoria do mítico Rick Rubin e, mais tarde, um lugar na gigante RCA Records.

Não obstante o hype, GoldLink não é o mais destro dos rappers. É honesto na sua escrita, mas as suas barras não são propriamente dotadas ou profundas, detentoras de um braggadocio claro e maioritariamente incessante ao longo da sua discografia. O que o destaca da amálgama de artistas desinspirados é o seu som característico, que o próprio apelida de future bounce. E de facto há qualquer coisa de futurista na sua sonoridade. Rei dos flows disparados a velocidades insanas, a sua música bebe do hip hop, mas especialmente de atmosferas mais electrónicas e digitais que a imbuem de um ritmo frenético com pouco espaço para respirações. No entanto, essa sonoridade foi perdendo brilho e a sua cadência mais aventureira ao longo da carreira do artista. Em Diaspora, o seu álbum mais recente e a sua estreia oficial, GoldLink atinge o ponto mais baixo da sua curva artística.

Essa meta que todos os artistas (teoricamente) evitam deve-se às inconsequências que GoldLink apresenta na maioria das canções. Depois de uma introdução sem grande sentido munida de um respirar ansioso, “Joke Ting” arranca o álbum com um refrão “roubado” de The Weeknd protagonizado por Ari PenSmith, um misto de r&b e hip hop propulsionado por um quente e açucarado instrumental. Apesar de ter uma batida apelativa, o tema revela-se precário devido à sua duração penosamente curta, uma introdução depois da introdução. É o mote para um flexing intenso e um bulir incessante em busca do sucesso e da vida boa. Vida boa que é praticamente discutida em música atrás de música atrás de música. Esta atitude e tema fazem parte da génese de um rapper, mas GoldLink não é virtuoso o suficiente para esticar essa vertente durante os 40 minutos que compõem Diaspora.



E quando tenta afastar-se dessa vertente, é sol de pouca dura ou os resultados são indutores de bocejo: “More” é insípida, sem vida, e tem toda a semelhança com uma batalha entre a batida e GoldLink para ver se dançamos ou adormecemos. “Days Like This” junta uma guitarra soturna desprovida de esperança a um sôfrego cantar de Khalid e apesar de o verso de GoldLink começar em sintonia com esta atmosfera, o rapper não resiste durante muito tempo a entrar pela gabarolice a dentro quando poderia aproveitar para um momento verdadeiramente emocional do álbum. Se há algo claro em Diaspora é que GoldLink não parece ter muita coisa para dizer além das muitas coisas que a fama e o sucesso lhe trouxeram.

Para piorar as coisas, os convidados que GoldLink apresenta encostam o artista a um canto nas suas próprias faixas. Em “Cokewhite” vemos Pusha T num curto e característico verso a ostentar o seu estilo de vida opulento e com o seu timbre confrontador do costume sob uma primeira batida sedutora que é rapidamente substituída por uma batida trap genérica e um verso monotónico de GoldLink. Logo a seguir, “U Say” mostra um instrumental mais solarengo e de percussão mais orgânica onde vemos Tyler, The Creator de volta às barras com um verso estruturado, elogioso e com jogos de palavras interessantes (“Nah, you can’t take off, unless you leave your amigo”) enquanto GoldLink não vai muito além de objectificar a mulher com quem quer ter uma escapadinha.

E também a nível conceptual Diaspora não consegue surtir qualquer tipo de efeito. “Yard” copia descaradamente a melodia de baixo de “Murder She Wrote”, o grande hit de dancehall de Chaka Demus & Pliers — alterando o número de notas necessário para não serem processados — para colorir uma paupérrima checklist da vida perfeita (“The fast cars, the women, designer things/ The big houses, fast talk, personal things”). Já “Zulu Screams” tem uma batida que é um dos destaques do álbum e confronta o dançarino que todos temos dentro de nós, uma homenagem sónica à música africana. Mas nunca chega a abraçar essa mesma cultura nos versos. A diáspora de GoldLink traduz-se numa viagem preguiçosa, pouco estruturada e sem grande respeito pelas origens.

É por isto tudo que Diaspora vale mais como caso de estudo do que peça sonora. O que acontece quando um artista decide diluir a sua sonoridade e quando as pessoas que estão à sua volta e que querem vendê-lo às massas não parecem saber o que torna um artista especial, ou ele próprio já se esqueceu. É um projecto desapontante, que mostra que GoldLink se deixou levar por uma imbatível letargia e que o future bounce parece ter cada vez menos futuro.


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