A beleza do piano de Gisela Mabel é indescritível. Alguns podem considerá-lo jazz. Outros vão dizer que segue uma linha mais erudita. A verdade é que dificilmente vamos conseguir defini-lo. Tem uma identidade própria com diferentes nuances. O segredo está nos experimentos que ela propõe. Isso é possível observar ao longo da escuta de Álbum de Retratos. Até o título do disco é sugestivo, pois reflete o que a pianista pretende compartilhar. Não possui apenas um direcional. É diverso, assim como fotos distintas reunidas num livro.
O seu lado clássico não tem complexidade. É de fácil assimilação, sem forçar os ouvidos e pesar a mente. Possui influência no jazz modal, mas não se limita a ele. Também emerge sem medo em outros territórios rítmicos. “Contracena” encanta pela dança convidativa de um bolero suave cadenciado pela percussão. Você fecha os olhos e deixa ser guiado pelos movimentos propostos. Isso também acontece com “Choro Africano”. Mesmo sendo instrumental, ela possui uma narrativa. Inicia celebrando, cai no lamento, retorna ao clima de festa, mas termina de forma tensa. Dá para fazer uma comparação com os momentos da vida, que começa alegre com o nascimento, tem seus momentos de altos e baixos durante o viver, e termina com a melancolia da morte.
Voltando ao início. “A Tarde” impressiona pela intensidade. Mas apesar de ser muito bem acentuado, está envolto por uma ternura. Revigora. Acalma. Tanto é que se tornou a música que coloco para minhas filhas dormirem. Sempre funciona. Parece uma onda que começa tranquila e vai crescendo, crescendo, crescendo e arrefece. Em dado momento parece que Gisela toca dois pianos, a deixando cada vez mais encorpada para ir lentamente tirando o peso. “Sonho de Abril” caberia perfeitamente numa ópera. Está tudo ali: drama, ação, desfecho. As cordas dão ainda mais força e fôlego para o tema, um dos mais elegantes do álbum. “Quietação” possui a doçura de um sorriso que traz calmaria juntamente com o pôr do sol no final de um dia complexo.
O diferencial de Gisela Mabel está na união do clássico com o moderno. Coloca a informalidade dentro do que é formal, para construir uma linguagem musical que todos entendem sem que nenhuma palavra seja dita. É rebuscada, tem requinte, milimalismo, sobriedade. Tudo muito bem equilibrado para acalentar quem se propõe a escutar.