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Fotografia: Marta Santos Visuals
Publicado a: 24/06/2021

Para animar e levantar o espírito colectivo.

GHETTHOVEN: “Há várias formas de manifestar amor e eu quero fazê-lo através da minha música”

Fotografia: Marta Santos Visuals
Publicado a: 24/06/2021

Extravagante e sentimental: foi assim que GHETTHOVEN começou por se apresentar, em 2014, com o primeiro single, “By My Side”, mas já nada aí era alter-ego; era a mais pura expressão criativa de Igor Ribeiro. 

O registo musical do artista portuense parece não ter limites de género: antes de se estrear a solo, o cantor emprestou (enquanto apoio) a sua voz na fase final da banda Crisis, depois ainda fez parte de Cumbadélica, dupla de DJs que formou ao lado de Marie Lopes; fora disso, ainda colaborou com artistas como Moullinex ou Da Chick.

As primeiras cartas da capacidade criativa de Igor surgiram com My Sadistic World, EP no qual explorava temas como a luxúria e a sensualidade, mas sobretudo uma profunda viagem às suas entranhas. Em 2020 regressou de uma pausa de três anos com “Learn How”, uma faixa pós-primeiro confinamento produzida pelo conterrâneo Minus & MR Dolly

No mês passado, GHETTHOVEN deu a conhecer “Magic”, o primeiro single do álbum que aí vem. Neste manifesto de valorização da comunidade, tolerância e harmonia, Igor convida-nos a olhar para o nosso interior pela diferença, mas como parte integrante de um todo. Inspirado em termos de som e de visuais nas músicas de dança dos 90s, o single conta com produção em trio de Taseh, saloio e Liquid e a mistura de Moullinex. 



Disseste que te sentes afortunado por ter tido uma infância com muito amor, que te permitiu ser quem tu quisesses. Queria que me explicasses como é que a tua infância influenciou o teu percurso musical e a tua forma de expressão?

Resumidamente e [sendo] super objetivo, é isso que eu sinto, porque tive uma boa experiência enquanto crescia, na minha infância, uma boa educação… Principalmente porque fui maioritariamente criado por mulheres — infelizmente, o meu pai faleceu quando eu era muito miúdo. Então esse trago, esse sabor, essa vivência, essa experiência por parte de duas mulheres, que me foram incutidas, deu-me uma sensibilidade muito diferente para a vida. Não estou a dizer que um homem não o faria, mas vamos ser muito sinceros e honestos: há uma maternidade muito mais maternal e intrínseca num ser feminino do que num homem. E isso, parecendo que não, foi-me incutido desde muito novo, tanto a mim, como ao meu irmão, essa sensibilidade e noção. 

Também venho de um background de pessoas que foram refugiadas e tiveram que se emancipar aqui, não foi fácil. Não foi fácil a minha avó ser mulher, trabalhar na função pública e ser de ascendência africana. E isso foram pequenos grandes exemplos que eu estava habituado a ver no meu quotidiano e influenciaram-me bastante. Questões de afirmação sexual foram uma cena que eu nunca tive dificuldade em exprimir, porque tive sempre esse à-vontade e esse conforto para poder ser quem eu quisesse ser. Ou seja, eu sei perfeitamente o struggle que eu tive fora da minha casa, o que é que é estar numa escola, o que é conviver num grupo de amigos, o que é que é ir a casa dos avós e conviver com aquele grupo de amigos daquela rua, o que é que é estar no bairro onde cresci e conviver com este tipo de pessoal…Isto sim, são o tipo de cenas que me deram algumas ferramentas para passar, se calhar, [por] algumas situações um bocadinho mais pesadas. Mas chegava a casa e tinha este conforto, tinha este amor, tinha este refúgio. E isso é realmente ser afortunado, porque conheço muitas pessoas que infelizmente não tiveram esse berço, não tiveram essa oportunidade, foram exilados, mal tratados, expulsos pelas próprias famílias. 

Daí eu querer afirmar o quão afortunado eu sou. E a “Magic” fala muito sobre isso: sobre essa harmonia e essa corda que eu quero esticar para que a maior parte da minha comunidade, e não só, tenham essa sensibilidade e percebam que não estão sozinhos; para abraçarmos a individualidade como parte de um todo. E dedico o tema à minha avó e à minha mãe, sem dúvida alguma, porque foram elas que me deram esse input de emancipação e que me levaram a poder expressar-me e ser criativo nesta fase. Portanto, para a minha avó Emília e para a minha mãe Carla: a “Magic” é para vocês! É para todos, mas foram elas realmente o ponto de inspiração máxima. 

Falando concretamente da “Magic”, que dizes ser uma carta musical à tua emancipação e terapia. Fala-me um pouco deste lado catártico do single. 

A música sempre teve um papel muito fundamental na minha existência, se não o mais importante. Eu cresci num meio de músicos, não só porque fui habituado a estar em ambientes de bandas, DJs, entre Porto e Lisboa, festas… cresci nesse universo. Os meus primos são músicos, então houve sempre aqui um ambiente que se proporcionava. Aliás, tudo começa com festas de Natal de família, nós a fazermos pequenos teatros, bué Jackson 5 só que versão Porto, não é, Águas Santas. A mandar shoutout para Holy Waters [risos]! Mas sim, desde miúdos que tínhamos esse facilitismo e essa facilidade de podermos fazer essas peças e imaginarmos mundos dentro de um pequeno quarto e toda a parte cénica, o imaginário intocável e bué inalcançável na nossa consciência, e isso permitiu-nos ter essa liberdade para nos expressarmos, porque a arte é um grande veículo para a expressão, não é? É o veículo para a expressão. E daí, quando eu falo da música como terapia, é isso: a “Magic” é eu chegar a este ponto da minha vida e olhar e dizer, “tipo, esta é a magia da música que eu sinto”. Esta é a magia que eu sinto quando estou a cantar a “Magic”, esta é a energia que a música me transmite e a abertura que me deixa para eu conseguir expressar e conseguir ser quem eu realmente quero ser, sem grandes julgamentos, sem opressões. A verdade é que nós vamos todos crescendo e vamos levando com situações bué ingratas, não é? O ser humano não está sempre na mesma frequência, por mais utopicamente que nós queiramos isso, era incrível se o ser humano estivesse todo na mesma frequência a nível de respeito, de consciência, de amor, e não está. Temos que perceber que será sempre uma batalha enorme conseguir educar ou alarmar que esse não é o caminho mais positivo, porque, se calhar, estás a massacrar a vida do outro por causa dos teus ideais. Ou seja, nós não podemos estar constantemente a apontar o dedo por questões de orientação sexual, por questões de cor… Que é uma cena que eu acho que as pessoas que têm bom senso psicológico, que infelizmente é um desequilíbrio gigante na Terra, nem todas as pessoas têm esse trigger positivo.. é um bocado frustrante por vezes, mas eu quero utilizar a música como um veículo para consciencializar, nem que toque só 10 pessoas, mas desde que toque alguém já quase que morro feliz porque a mensagem está a ser ouvida. Tu quando começaste a conversa a dizer que achavas que a minha música tinha uma mensagem bonita, só começares assim a entrevista comigo já fiquei mesmo feliz! Porque realmente é tocar as pessoas nesse aspeto, nesse aspecto de consciência e do amor que nós temos que partilhar. O amor é para ser partilhado, não é para ser escondido. E há várias formas de amar, não falemos só de amor entre duas pessoas, o amor é universal e há várias formas de manifestar amor e eu quero fazê-lo através da minha música! E eu não quero chegar aqui como o Santo-Padre-Salvador-da-Pátria e o gajo com a moral. Não é isso que eu quero. Quero chegar como uma das pessoas que contribui para o bem-estar humano e para propagar esta mensagem de forma consciente. 

Há uma coisa que se destaca nas tuas músicas: fazes a tua luta com mensagens positivas, como se fosse uma luta com amor, e é sempre num registo espiritual, em que parece pretender ascender o espírito a um estado de positivismo gigante. E até a maneira como escolhes fazer isso, com diversão, criatividade, através dos visuais do videoclipe que estão incríveis, por exemplo. Até a maneira como o começas, é interessante pelo seu lado de “manifesto”, é como se fosse um manifesto do positivismo.

Sem dúvida! É a comunidade juntar-se em prol deste manifesto e desta celebração. E falando um pouco do visual, para mim uma das cenas mais gratificantes que eu tive nos meus últimos tempos foi perceber que tinha a comunidade toda junta comigo. E foi bué bonito, porque primeiro temos de falar da situação que estamos todos a passar, que é a pandemia e não foi fácil para todos e tem sido grave ver exemplos de amigos que passaram muito pior do que eu, outros que souberam lidar melhor… Isto é um jogo muito constante de aceitação, de adaptação, de readaptação, como voltar a andar nisto… E para mim, a situação pandémica abalou-me em muitos sentidos. E a música salva, a música salva a vida a todos… Há pessoal que tem essa consciência imediata, há outras pessoas que demoram a entender e, infelizmente, há pessoas que nunca chegam lá. Mas a música tem esse papel fundamental de salvar vidas e salva a minha e é por isso que eu vou continuar a fazer música até ao dia em que fechar os olhos, porque é a forma de eu conseguir manter-me vivo. 

Neste videoclipe foi muito engraçado, porque eu tinha muito medo de sair de casa e lidar com público — eu uso duas máscaras. Sou aquela pessoa que saía muito à noite, tinha concertos com o Moullinex, ensaiava em Lisboa, no Porto, e tocava DJ sets nos dois sítios, ou até para fora de Portugal, e andei assim durante três anos, de 2016 a 2019, andei sempre de um lado para o outro. Até que em 2020, fomos todos obrigados a parar e calm you ass now you have to shut down and you have to deal with your own demons, que é estar em casa, fechado, isolado. Por acaso não tinha a minha família comigo em casa, porque na altura eu tive um contacto directo com uma pessoa que tinha estado infectada e que foi dos primeiros casos do Porto. Então foi assustador a todos os níveis. E nisto  a minha avó não estava em casa, liguei-lhe, disse para não vir, liguei para o SNS. Acabei por não ter nenhum sintoma, acabei por não ter nada. 

E depois a cena de lidares com os teus demónios, estares em casa, não poderes ires a sítios nenhuns. Foi realmente uma batalha muito grande e uma coisa é camuflares esses demónios – todos nós temos demónios no nosso pensamento e é uma questão de ying e yang, de equilíbrio constante, e não é nada fácil. Eu ainda não sei equilibrar isso. Aliás, eu acho que quando tiver 50 anos eu ainda não vou saber equilibrar isto, porque às vezes também há excesso de informação na cabeça, o que é bom quando tu usas para o lado criativo, mas depois há aqueles momentos de oscilação constante, em que às vezes pode ser clinicamente um bocadinho chato — pode levar a depressões, instabilidades e quase todos os seres humanos são bipolares. Entretanto, eu aprendi a lidar com isto tudo, o processo ainda está a demorar, e eu tinha as músicas preparadas — algumas — mas o álbum ficou em standby porque estávamos em altura de composição e de gravações e tivemos que fechar, não voltar a estúdio. Mas tinha a “Magic” já pronta, então o meu objetivo foi: “preciso de lançar uma música”, mas por uma questão de libertação.

E ter a sensação de fecho e conclusão?

Conclusão! Eu preciso de comunicar! Entretanto tive a oportunidade de colaborar com o Minus & MRDolly, cá do Porto, que é meu irmão, que até foi gravada na ESMAE, que se chama “Learn How”, lançámos o ano passado.

Foi a tua primeira depois de uma pausa de três anos, certo?

Sim, tinha lançado a música em Abril, logo a seguir à quarentena, então ajudou-me bastante, foi bastante terapêutico, e é uma música que eu ainda espero cantá-la ao vivo, que é como todas, não é? Eu espero poder dar um concerto o mais breve possível! Mas isto dizendo que chegamos ao início deste ano e comecei a pensar que queria gravar o vídeo para a “Magic”. E eu sabia perfeitamente com quem é que eu queria gravar, que era o Vasco Mendes, uma pessoa por quem tenho alta empatia e química, não só como amigo, mas como profissional, respeito-o bué, admiro-o bué e é sempre bom quando há esta união. Entretanto no processo de storyboard e pensarmos – eu já tinha mais ou menos o conceito idealizado – aos poucos começa a juntar-se a comunidade do Porto, desde o João Soares ao João Dinis até ter o Estelita Mendonça a fazer o meu styling, ou seja, tudo foi feito em baby steps e, de repente, o que me deixou emocionado foi esta união, esta comunidade, e vi ali uma equipa que estava toda a trabalhar com muita fome e com muita vontade de concretizar algo, e nem sequer havia um contrato, não era uma cena super obrigatória que eles tivessem que fazer. Mas 20 e tal horas de trabalho, tudo a dar o litro, por uma música que me é tão especial, e que nos toca a todos, não há nada que pague isto, este sentimento de comunidade e de ajuda. Nós precisamos uns dos outros, eu precisava desta equipa para este vídeo ficar concretizado e ninguém se queixou, não houve entrave, estava tudo ali com suor, dedicação, ética mais incrível, por isso é que fiquei sensibilizado, porque nos tempos que correm ver esta comunidade abraçar-se e todos vindos de backgrounds diferentes, mas que se juntam todos, é isso, não há nada que pague! É magnífico o sentimento. 

Estamos a falar de uma fase muito específica, a da pandemia, e estamos a falar de comunidade numa altura em que há uma grande divisão da sociedade, em termos ideológicos e sociais. Como é quevês isto e como é que achas que a “Magic” desempenha um papel nesta luta? 

Eu acho que a divisão social é uma cena que vai sempre fazer parte dos ciclos, não é? Nós estamos a atravessar um ciclo de mudança muito grande, e a História repete-se. Ou seja, isto são situações que já aconteceram há 50 anos, 100 anos… E, se formos a analisar, há sempre uma divisão social porque não estamos todos no mesmo campo de frequência, mesmo a nível político. Este ano revelou-se muita coisa, muitos lobos saíram da toca, como eu costumo dizer. Há espaço para todos na Terra, claro que há. Só acho que as pessoas têm de ter mais noção quando os seus ideais e as suas formas de estar prejudicam a existência do outro, quando alteram a existência do outro, para mim isso não faz sentido. Podemos chegar a consensos através de discursos e de debates. Agora, obrigares alguém, ou maltratares alguém porque queres impor os teus ideais, isso não é correcto. E criar forças secundárias que depois também atacam… Eu podia estar aqui a falar de variadas raízes que estão todas ligadas ao mesmo epicentro que nunca mais saíamos daqui, e a maldade quando é praticada para mim perdes logo, nem sequer tenho vontade de ouvir e realmente nota-se esse peso. E na “Magic” o que eu quero dizer é: “irmãos, irmãs, unam-se” porque a vida também é preciso ser celebrada com este lado do tal amor, não querendo cair no cliché da noção de que a tua diferença fisiológica ou étnica não é uma ameaça para mim, é o abraço que necessito para respirar direito, precisamos que este cordão fique mais sólido. 

Estes tempos são muito cruciais porque realmente há uma divisão gigante. E também é preciso ter muito cuidado porque quem está só habituado a ver televisão, quem não está habituado a ler ou a procurar outro tipo de informação, fica só ligado através de um caminho, de um canal. E se esse canal não for bem filtrado, chapéu, não é? Pode haver manipulação muito facilmente. 

Por isso é que eu digo: a “Magic” celebra a inclusão, celebra o amor, celebra esta harmonia, celebra este cordão que eu quero falar e continuar a falar. Não é uma questão de obrigar ninguém, como vou voltar a referir, não estou aqui a armar-me em moralista e padroeiro, mas eu quero sempre utilizar este veículo e esta religião que é a música para poder expressar aquilo que eu sinto e que toque alguém. Se tocar alguém de uma forma positiva, my path is almost completed, estou mais tranquilo [risos].

Voltando ao assunto comunidade, esta faixa conta ainda com a colaboração de Moullinex, Taseh, saloio e Liquid. Como é para ti sentires este apoio criativo na tua obra, no teu processo criativo, de composição, produção… Quem fez o quê e como é que geriste estes diferentes inputs?

Por acaso a “Magic” foi a primeira ou segunda música que fizemos. E junto do saloio, que é o meu irmão, que pertence à Monster Jinx, do Liquid, que é meu primo e que também pertence à Monster Jinx, e o Taseh, que é também um dos iniciantes da label juntamente com o SlimCutz. Juntámo-nos na altura em que tinham o estúdio em Matosinhos, e basicamente o processo criativo de composição às vezes começava com jams, eles estavam num teclado, eu estava noutro, o meu irmão na guitarra, tumba tumba tumba, as cenas iam progrendido e entrando cada instrumento até que, “ok, estou a sentir”. De repente eu pego no bloco de notas começo a entrar uma métrica, pum pum pum, e sai ali uma cena. “Ok, o primeiro verso está feito”. Não era muito programado. Mas depois já teve outro lado, outro processo, que foi já ter beats preparados, do género “ouve isto” e eu “ok, estou a sentir a cena, e se introduzirmos mais este elemento?”. Há aquele processo de “beats, beats, beats” e tu ouves, curtes ou não, seleccionas e vais cantando por cima deles e há outro processo de composição de raiz, que é muito mais orgânico, que é tudo tocado, não é? E a “Magic” foi um bocado assim, muito inspirada em Michael Jackson, na parte dos anos 90, porque o Michael é uma grande influência para mim. Estávamos a falar dos Jackson Five: eu obrigava os meus primos e o meu irmão a fazer danças com a “Bad” do Michael, e usávamos a narrativa do álbum para teatrinhos que fazíamos em casa e era super fun e super nonsense ao mesmo tempo. O Michael foi a grande influência nesta música e pela parte da estética, aquele kick dos anos 90, aquele groove… Isso foi logo um trigger de iniciação para o processo de composição desta malha. 

Entretanto, o meu bro da vida, o Moullinex, o Luís Clara Gomes, com quem tenho companheirismo e amor eterno e respeito… mandei-lhe, ele curtiu, saca de uma linha de baixo que eu disse, “é isto, está lá, é o casamento perfeito” e sou eternamente grato. E é isso, sentires que tens uma equipa, eu não falo só deles, eu conheço pessoas de outros colectivos e de outros backgrounds musicais…

Sim, tu tens uma panóplia de colaborações, de projectos, por isso acabas por estar habituado a lidar com vários artistas e vários géneros.

Sim, sem dúvida. Eu gosto mesmo de abraçar esse lado e quando tens pessoas que elevam o teu craft é a coisa mais fixe do mundo. Eu quero bué fazer as minhas cenas de produção, lá está, na quarentena comecei a investir em teclados, comecei sozinho [a  trabalhar] com softwares. E tenho o facilitismo de ter alguns amigos músicos que me possam dar algumas pistas, mas sozinho em casa isso também salvou muito a minha vida, a inventar e a compor e quiçá no futuro ter um projecto que seja só feito por mim, por exemplo. Não ponho isso fora de questão, mas para já ainda estou em work mode e com calma, não quero já avançar muito as águas. Mas sim, quando tens um colectivo de artistas individuais ou em grupo que realmente elevam o teu craft é incrível. 

Acima de tudo, como estamos em estúdio, não estamos como máquinas só a processar para fazer música, temos sessões de conversa, de terapia, choro, riso e isso não há nada que pague. E tive sorte no processo inicial do meu disco: comecei a produzir e a compor com eles, nós tínhamos sessões de cinco horas como tínhamos sessões de quase treze horas dentro do estúdio. Tínhamos essa facilidade, podíamos estar até de madrugada. Podíamos começar à noite e acabar de madrugada, ou começarmos de manhã e acabarmos ao final do dia, sem grandes restrições de horários. Parecendo que não, isso ajudou muito à equipa para se formar e ficarmos mais aware a nível da ideologia de cada um e permitimo-nos a cada um expressar-se à sua maneira e haver este consenso artístico, que também é importante, porque foi tudo orgânico e fluído, naturalmente. 

Tiveram liberdade total, portanto…

Tivemos mais liberdade. E agora com esta situação toda, com os polos a inverterem-se com a pandemia e eles terem de mudar de estúdio e eu agora estar numa fase diferente da que estava há dois anos, porque as pessoas também alteram um bocado, se calhar o processo vai ser um bocadinho mais pensado, claro, mas foi muito bom e importante essa liberdade inicial no processo criativo do disco. Permitiu-me realmente poder estar muito mais à vontade, e perceber onde é que eu quero chegar e quais é que são os sons que eu quero ter neste próximo registo e o meu primeiro longa-duração, porque vai ser o meu primeiro baby



Há pouco falámos dos teus outros projectos, que partes tuas e criativas é que tu exploras quando trabalhas com artistas diferentes e projetos distintos?

Eu com GHETTHOVEN não é como se fosse um alter-ego, é o Igor Ribeiro. É o meu nome artístico porque não considero que GHETTHOVEN seja um alter-ego. Agora, eu quando trabalho com certos artistas, independentemente dos seus backgrounds, se calhar ajusto-me a conceitos, ajusto-me a formas. Por exemplo: com Moullinex havia personagens pensadas para o Hypersex, havia um conceito pensado. Era o GHETTHOVEN que estava lá, mas depois em palco eu estava a representar várias personagens ao longo do espetáculo. Sempre como GHETTHOVEN, mas havia uma storyline, há um conceito à volta daquilo. Essa parte meio camaleónica, de me ajustar, sim, depende muito do projeto em que eu esteja envolvido, claro, e tu cresces. A minha postura com Crisis (a minha primeira banda, que era mais punk, mais electrónica, mais agressiva) era completamente diferente, era tipo rock n’ roll, bora lá destruir tudo e mais alguma coisa, a voz à terceira ou quarta música já estava rouca [risos], porque era só berrar, berrar! E, na altura, eu entrei já numa fase quase final de Crisis e GHETTHOVEN nasce por uma epifania de estúdio com o Oma Nata, o Mário Motta Veiga. Aliás, o meu primeiro single, “By My Side”, foi produzido por ele. E tudo começa com esse estímulo criativo da parte dele para comigo. 

Então podemos dizer que vês as tuas diferentes facetas musicais como uma forma de te explorares a ti próprio a nível musical, sobretudo?

Musical, performance… eu estou sempre em constante brainstorming. É quase vício. Eu estou na rua e estou a imaginar; estou na escola, estou a conversar com alguém e às vezes perco-me um bocado no tempo porque eu estou a ouvir a pessoa. Mas desligo porque estou a reparar em qualquer coisa da pessoa que me está a inspirar. É uma coisa bué constante. Quem me conhece sabe que eu sou assim, e tenho sempre no meu tote um bloquinho e começo a escrever e pronto. Já estou habituado a fazer isso desde miúdo. 

Tu alimentas-te de todas as fontes criativas à tua volta.

Tudo! Desde uma noite no Passos Manuel, no Café au Lait, nos Maus Hábitos ou no Lux a um after, um almoço ou um jantar em casa. Ou uma ida à praia. Estou em constante absorção, sabes? Dou valor a tudo: um simples gesto, um olhar, a fonética de alguém, a forma de alguém expressar uma palavra… isso inspira-me bastante.  

Isso é interessante porque demonstra uma sensibilidade incrível. 

Eu com o meu primo, o Liquid, e com o meu irmão, o saloio… nós temos uma cena de chavalos, que é: às vezes o pessoal acha que estamos a gozar com alguém, mas não estamos… nós estamos a curtir bué a forma do pessoal se expressar, olhar, verbalizar, [isso] é bué inspiracional! Às vezes pode ser muito mal interpretado, as pessoas podem achar que estamos a olhar por mal, mas não! Achamos incrível seres como és, estás a ver? Ver as pessoas serem como elas são. Essa individualidade é inspiracional para mim, é bué importante. 

Falando da questão da individualidade: durante o confinamento desenvolveste o A seat with Ghetthoven, em que convidavas artistas e amigos para conversarem. Para além de celebrares a individualidade de cada um, foi também a tua maneira criativa de lidar com o isolamento social? 

Foi… Pronto, não tinha dinheiro para gastar em terapeutas [risos], não tinha dinheiro para ir ao psicólogo, não tinha coragem para ir para uma clínica, então tive de arranjar uma ferramenta, um alicerce em que eu esteja mais próximo dos meus amigos, dos meus companheiros, das pessoas que eu admiro, das pessoas com quem eu tenho vontade. Sejam para 10 pessoas verem ou para 1000… eu não ligo às visualizações, eu fiz isto mesmo por uma questão terapêutica, foi mesmo importante. E a todos os meus convidados que estiveram lá e que possam ler isto: muito obrigado. Acho que para eles também foi importante falar porque estávamos todos a passar o mesmo. Aqui foi um momento de auto-ajuda. 

Eu agora estou com um slot porque o grande Pedro Tenreiro, cá do Porto, dos maiores coleccionadores de vinil e DJ de sempre — maior respeito que tenho por ele — convidou-me, a mim e a uma panóplia gigante de moderadores, activistas, músicos, pessoas ligadas à cultura do Porto e não só, para fazer parte da rádio que ele criou, a YéYé, e agora tenho oportunidade de aos domingos, quinzenalmente, fazer o A seat with Ghetthoven com selecção musical minha. Só que se tudo correr bem, eu quero levar o A seat with Ghetthoven para o meu programa de rádio e realmente ser uma coisa um bocadinho mais séria. O meu objectivo é esse: levar os meus convidados para conversar comigo numa cena mais rádio. 

Numa cena mais física? 

Eu gostava muito que isso acontecesse, mas vamos lá ver!

Falando se situações físicas, o Taina Fest aconteceu no passado domingo, não foi?

Foi…[risos]

Como é que foi sair de casa e estares rodeado de pessoas que estavam sedentas por música?

Já jogaste Crash Bandicoot?

Não…

O Crash Bandicoot é a mascote oficial da Playstation. Há o Sonic para a Sega e o Crash para a Playstation. E, imagina, o primeiro jogo é numa ilha, ele está sempre a olhar para todos os lados para ver quem é que vem, alguma ameaça… Esse era eu. [risos] Fui com o meu irmão e alguns amigos e o pessoal da Lovers & Lollypops é pessoal com quem eu tenho uma afinidade muito grande, porque o Fua trabalhou com Crisis, há aqui uma ligação desde sempre. É muito familiar, sabes. E cheguei lá e acabei por ficar muito mais confortável. Há sempre aqueles primeiros minutos de sair de casa e teres de saber que vais lidar com pessoas… custa um bocado, mas também senti que as pessoas respeitam muito, cada um estava no seu canto, mesmo com os seus grupinhos de amigos, e não descambou. Mas notava-se que as pessoas estavam com vontade e, para mim, foi uma catarse gigante poder tocar. 

E quanto ao álbum: quando é que tens uma previsão para a saída?

Vou voltar ao estúdio este Verão. Agora que as coisas estão a voltar a estar um bocadinho mais tranquilas, com mais disponibilidade por parte dos produtores, eu vou gravá-lo agora durante o Verão. Está previsto lançar mais um single no início de Outubro e para já não posso revelar mais. Eu podia dizer que ia lançar já o álbum, mas não depende só de mim e prefiro fazer as coisas quando elas realmente tiverem de ser feitas, de uma forma mesmo consciente. É o meu primeiro disco, tem tudo de estar bem limado. Tenho de sentir que é mesmo isto que eu quero apresentar. Mas eu gostava que 2022 fosse o ano do lançamento. Gostava mesmo e vou trabalhar para que isso aconteça!


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