Geordie Greep foi ao Brasil e voltou de lá deslumbrado. Na altura, o cantor e guitarrista britânico encontrava-se na estrada com os seus black midi, banda entretanto descontinuada num comunicado realizado pelo músico no Instagram — o cansaço e a sensação de estagnação levaram à ruptura com os companheiros de sempre, justificou numa transmissão ao vivo. Um fim abrupto, mas não necessariamente surpreendente. Afinal, o som dos londrinos — que já haviam perdido um dos membros fundadores em 2022, semanas antes do lançamento de Hellfire, por motivos de saúde mental — foi sempre demasiado tumultuoso para antever futuros duradouros e planos a longo-prazo. O conformismo nunca foi uma opção. Talvez por isso a visita ao Brasil tenha sido tão enriquecedora.
Gravado ao longo de 9 meses, The New Sound é o resultado de uma proveitosa sinergia entre o músico de Londres e vários instrumentistas locais do Brasil. De uma passagem regada a doses copiosas de Milton Nascimento e Naná Vasconcelos (o berimbau do pernambucano foi particularmente inspirador) juntaram-se sessões em estúdios na América e no Reino Unido, onde foram acrescentados overdubs e algumas secções para sopros. O resultado foi um caldeirão sónico com cheiro a colónia e perfume Patchouli. É que as histórias deste não-tão-novo som que compõe o excêntrico primeiro álbum de Geordie Greep a solo são bafientas, mas também excessivas e gloriosamente ridículas. São canções extravagantes sobre miseráveis protagonistas masculinos, deploráveis nas suas ambições machistas e comportamentos desviantes.
“Holy, Holy”, um dos singles, é um retrato mordaz da masculinidade no seu estado mais decadente. Com um pé assente no mambo e outro na salsa, Greep verbaliza com humor sobre as fantasias insólitas de um torpe diletante. As histórias repetem-se e em cada uma encontrámos uma interação mais inusitada do que a anterior, como a do homem que paga 200 libras para cortejar a própria mulher, porque só assim alcança a total gratificação (“The Magician”), ou o miserável lotário que escreve prosas sobre si mesmo, gabando-se da sua capacidade de jorrar mais sémen do que “100 garanhões” (no “Blues” inaugural). Um estudo de caso, enfim, sobre personagens narcisistas que usam a obsessão com a imagem para escapar às suas próprias inseguranças. Seria repugnante se não fosse tão fascinante.
A juntar a tudo isto está o denso corpo instrumental que forma estas extravagantes composições, impressionantes pela forma como colidem os sons da diáspora latina (o mambo, o bolero, o tango e o samba) com a eletricidade do jazz de fusão, as dinâmicas do rock progressivo e a pop de espreguiçadeira de Donald Fagen. Um banquete hedonista de luxo e sofisticação rock, herdeiro das melhores escolas de Zappa e Carlos Santana. Quando chegámos à final “If You Are But a Dream”, um original de Frank Sinatra baseado numa peça de Anton Rubenstein, o crooner perverso, maníaco e intempestivo de The New Sound revela-se na figura anacrónica de Geordie, uma mente velha num corpo novo, capaz de esbater as linhas tortas que separam o bom e o mau gosto.