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Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 20/10/2025

Uma música urgente e elaborada que tem todo um espaço em 2025.

General D na Casa Capitão: o regresso em forma de um pioneiro do hip hop português

Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 20/10/2025

Mais de uma década desde a última vez que se apresentou ao vivo na capital portuguesa em 2014, no Lisboa Mistura General D voltou aos palcos da cidade na passada sexta-feira, 17 de Outubro, após um primeiro concerto de regresso no Fórum da Maia. Pioneiro do hip hop português, há quase 30 anos que não se encontra realmente no activo, mas resolveu voltar agora porque o momento político e social do país assim o exige e, claro, pela relevância aterradora e índole urgente que as suas letras escritas nos anos 90 ainda carregam. 

A viver em Londres desde o início do milénio, General D é um nome histórico o primeiro rapper a lançar um álbum, a gravar um videoclipe ou a assinar um contrato com uma editora em Portugal mas distante e desconhecido das novas gerações. Talvez por isso se explique uma Casa Capitão a meio gás, com algumas dezenas de fãs e amigos, mas sem a enchente que se poderia desejar. Recomeçar do zero revelar-se-á um desafio, mas certo é que General D fez a festa com os que estavam e afirmou as suas mensagens políticas, sociais e pedagógicas num embrulho musical impressionante.

Para este regresso, o rapper de raízes moçambicanas reuniu uma banda com direcção musical de Ximbinha Mamede e uma bagagem ligada às músicas africanas. Quando apareceu em cena como uma das vozes desta subcultura, numa altura em que o rap em Portugal começava a descobrir-se e a formar identidades próprias, General D partia num caminho muito particular e singular ao resgatar a sua cultura africana para o seu projecto artístico, tanto na música e nas letras como na imagem gráfica ou nos trajes que ostentava em palco. 

O seu afro-rap, como o próprio nos descreveu no ano passado numa entrevista publicada no Rimas e Batidas e no livro Filhos do Meio, representou uma “revolução dentro da revolução” que já era o irromper do rap em Portugal. Estranhado por muitos, até dentro do próprio movimento hip hop que se estava a construir, o mais curioso é que esta música não só resistiu ao derradeiro teste do tempo como talvez até faça mais sentido do que nunca.

A denúncia do racismo, das desigualdades sociais, da violência policial, da opressão no pós-colonialismo ou mesmo o apelo ao sexo seguro e à consciencialização política da comunidade negra dialogam de uma maneira muito orgânica com o presente com um espaço público repleto de tensões, com o aumento exponencial do discurso de ódio e a ascensão meteórica da extrema-direita.

Musicalmente, também nos parece evidente que temos hoje um país muito mais apto a absorver uma música de fusão que liga o rap a África, com muitas outras nuances sónicas pelo meio, dos blues à soul, e onde se destacam o reggae e o ragga não tão em voga no presente, mas que oferecem outras camadas sonoras. Se durante muitos anos o rap português e a sua ligação umbilical a África estiveram de costas voltadas, o que se explica pelo conservadorismo associado ao padrão norte-americano que rejeitava influências exteriores, a abertura musical que experienciámos nos últimos anos torna hoje o panorama da música em Portugal um território muito mais permeável e fértil para um projecto como o de General D. E isso só demonstra o quão este jovem músico criado na Margem Sul do Tejo estava à frente do seu tempo.

Talvez esta virtuosa banda, com apenas alguns ensaios e a completar o segundo concerto, precise de mais rodagem para fomentar a química em palco, mas não há quaisquer dúvidas de que as composições dos discos Pé na Tchôn, Karapinha na Céu (1995) e Kanimambo (1997), com os arranjos actuais, soam estrondosamente bem em 2025, com uma musicalidade elaborada e envolvente, uma estética calorosa que nos leva numa viagem pelas raízes ancestrais do hip hop até à Jamaica e ao continente africano. Quantos concertos de rap podem dizer o mesmo no presente? No fundo, espelha a viagem real que General D fez quando deixou Portugal na viragem do século, rumando à Jamaica, passando por Moçambique, Angola e pela Nigéria antes de se fixar por um tempo nos Estados Unidos da América.

Embora tenha quase 55 anos, General D apresentou-se numa forma fora de série não é só o rosto que permanece jovem, mas toda a sua aura e energia. Com mais algum traquejo na estrada aquilo que se espera que venha a acontecer ao longo de 2026 tem o conteúdo, o talento necessário e a maturidade artística para uma performance apurada que, nesta fase, só precisa de refinar algumas transições entre momentos.

Para o apoiar neste regresso aos palcos, na Casa Capitão convocou a voz ímpar de Remna, que parece evocar todo um continente; o rap crioulo de Blaya Lyrics e a energia a ferro e fogo de Scúru Fitchádu. “Black Magik Woman”, “Atake dos Karapinhas” ou “Pedro Pedreiro” foram dos temas mais celebrados, mas General D também quis prestar um tributo ao malogrado Makkas e aos Black Company, colectivo que ajudou a fundar, ao fazer soar a emblemática “Nadar” pelas colunas da Casa Capitão. Digamos que ver Allen Halloween, tranquilamente encostado a uma parede, a trautear “não sabe nadar” não estava nos nossos planos para 2025 só lamentamos que não tenha subido a palco para uma interpretação de “Bairro Black”.

Mesmo sem repertório novo, General D tem um legado histórico, uma mensagem pertinente para os tempos que correm e uma música rica que teria todo o potencial para estar nos circuitos das músicas do mundo e dos showcase festivals internacionais. Esperemos que a sua arte ganhe novamente as asas que o fizeram voar nos anos 90, pois ficaríamos todos a ganhar com o regresso consolidado de um activista musical e rapper histórico do panorama nacional, que tem toda uma obra que merece ser (re)descoberta, erguida no passado mas que fala para este presente.


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