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Fotografia: Lucca Vogel
Publicado a: 07/02/2022

Tecnomagia sem fronteiras.

Gadutra: “lagarta é o que eu comecei a produzir. São as minhas primeiras experimentações com música”

Fotografia: Lucca Vogel
Publicado a: 07/02/2022

Gadutra é natural do Rio de Janeiro e reside, desde 2017, em Lisboa, onde tem desenvolvido o seu trajecto profissional e multifacetado, ligado à tatuagem, às artes visuais e à música.

O seu álbum de estreia, lagarta, lançado a 22 de Janeiro deste ano pelo selo Troublemaker Records, presenteia-nos nove temas que percorrem as nuances espectrais do ambient, noise e música concreta, contando com a participação de nomes como Tom Maciel, Polivalente, Tita Maravilha e EVAYA.

À conversa com o Rimas e Batidas, Gadutra fala-nos sobre o sentido de transdisciplinaridade que permeia todo o seu trabalho a nível artístico, assim como a procura de novas ferramentas de produção sonora numa era que se quer cada vez mais digital.



Para além de produtora musical, és tatuadora, ilustradora, fotógrafa, designer, pintora… O universo de Gadutra interliga-se através de todas estas vertentes? Por exemplo, o teu trabalho a nível visual influencia de alguma forma aquilo que fazes enquanto música?

Eu busco tentar entender o que tem no meu trabalho visual que também pode ser percebido na música; é difícil entender as traduções dessa forma, principalmente nomeá-las, mas acho que é possível. De alguma forma, tem a ver com fluidez, às vezes digo que é sobre intuição e silêncio. Sempre fica num campo mais abstrato, que é onde me sinto melhor. Também procuro entender os rastros e heranças ancestrais no que produzo agora, me conectar com a essência que não se apresenta apenas no hoje.

Mas, num [plano] geral, ao pensar música, me vem a transmutação da forma, aleatoriedade. Tento sempre ter direções diferentes, formas e gêneros diferentes funcionando no mesmo lugar, e entender como conectar isso tudo, como minhas decisões e minha personalidade podem se manifestar independentemente de padrões estéticos.

No teu website oficial, podemos encontrar a palavra “tecnomagia” associada ao teu trabalho em geral. Como explicarias este conceito?

Tem a ver com a intenção, com o propósito do que invoco no mundo. Sobre minha apropriação da tecnologia para conseguir projetar o que eu entendo como magia, os artifícios que agora me são possíveis de conectar com pessoas e sair de um campo mental para o campo descritivo, vivo. Materializar e direcionar a intenção.

lagarta viaja através de géneros como ambient, noise e musique concrète, os quais já poderíamos associar ao teu percurso musical. Porém, o elemento rítmico que caracteriza muito do teu trabalho até à data apenas se encontra presente na faixa “፨❍❀“. Existiu algum motivo que te levasse a conceber o teu álbum de estreia praticamente sem batidas?

Enquanto eu fazia esse álbum já sabia que o propósito dele era ser introdutório, que era uma peça embrionária e estaria começando a mostrar o que eu faço — essas músicas têm por volta de um ano e meio. Hoje, o que faço como Rezgate, em live sets ou DJ sets, é completamente diferente disso. 

lagarta é o que eu comecei a produzir, as primeiras experimentações com música. Existe uma certa familiaridade com o ambient: é descompromissado, é abstrato, foi o que eu precisava para me sentir confortável para produzir música; ao mesmo tempo, sempre gostei de festa, de dançar, essa faixa é exactamente isso, eu não permitindo que minha primeira publicação não tivesse festa. São muito pequenas as partes rítmicas, quase que só para mostrar: “olha, eu também amo isso aqui, tem que ter”.

O teu instrumento de eleição tem sido, quase exclusivamente, uma Roland MC 307 — onde, no entanto, parece caber todo um mundo de opções infindáveis, para quem ouve as tuas produções. Esse recurso minimalista a nível instrumental mantém-se em lagarta?

O álbum foi todo produzido no iPad; eu não usei nenhum instrumento. Durante um tempo fiquei pesquisando aplicações de sintetizadores, porque tinha muita dificuldade em produzir música no computador. Como eu também sempre desenhei e vivia fazendo experimentações de vídeo no iPad, quis produzir música nele. 

Quando comecei, percebi que era muito difícil encontrar sonoridades que me agradassem, principalmente em sintetizadores… Pra mim, é preciso ser intuitivo, táctil, muitas vezes eu estava mexendo no cutoff e tocando com a outra mão, era importante usar três dedos ao mesmo tempo pra gerar essas modulações e variações nas músicas. 

Acho que também é num lugar de “sim, gente, dá para fazer música com o seu celular”, e pode ser um processo muito prazeroso e visual. Eu gosto muito de instrumentos, mas não tenho nenhuma formação musical, então foi legal experimentar isso, senti que fiz algo profissional, mas, ao mesmo tempo, de uma maneira fácil e amigável.

Em “edrüs”, ouvimos “aqui há espaço para todes”, em “caosa”, “Caótica, porém lúdica no caos/Não, eu não serei submissa a você”: é bastante evidente a mensagem de empoderamento salientada em oposição à normatividade identitária que se encontra enraizada na nossa sociedade, da qual o panorama cultural não é excepção. Enquanto artista que se tem afirmado gradualmente dentro do circuito artístico lisboeta, sentes que ainda existe um longo caminho a percorrer dentro do mesmo em termos de inclusão perante comunidades minoritárias? 

Sinceramente, a prioridade é criar conforto, me divertir, fazer coisas, mas não queria ter uma primeira publicação sem pontuar algumas situações. Não estamos nem perto do ideal. Eu queria poder não precisar responder isso, poder que muitas pessoas que eu conheço e que estão produzindo trabalhos incríveis não precisassem falar sobre isso, mas é impossível agora.

Isso também me traz uma incerteza do quão seguro é pontuar as coisas dessa forma. Ao mesmo tempo, há uma agonia em perceber que é preciso ter tantos privilégios quanto eu para conseguir começar a cobrar urgências em alguns lugares, espaços. Não temos nem o início do que eu entendo como ideal, nem no básico do básico. Mas o mais estranho tem sido perceber o interesse midiático sobre as propostas que tencionam essas temáticas versus a necessidade de continuar impondo-as. Mas negociar tem sido preciso e possível.


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