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Publicado a: 15/02/2016

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[TEXTO] Nuno Afonso

 

No fervilhante reino do rap, têm sido muitos os príncipes e reis a surgir na linhagem real. Se alguns têm sido relativamente consensuais ou mais mediáticos, outros encontraram o devido reconhecimento e respeito embora se mantenham abrigados numa confortável nuvem negra. Nayvadius D. Wilburn aka Future pode muito bem ter alcançado a sua posição em 2014 através do álbum Honest que, de facto, reuniu vários motivos para o levar em séria consideração. No entanto, será difícil imaginá-lo numa aparição na Casa Branca com Obama. Se Kendrick Lamar possui uma forte consciência social no papel perante a comunidade, a perspectiva de Future parace bem mais introspectiva. O tom confessional da sua lírica e o ambiente desolador que evoca, coloca-o num papel algo marginal. Essa intensa vivência no limbo faz dele um personagem em constante transformação, alguém em busca de algo, seja lá o que for.

Inegavelmente um bluesman de rua, a nova mixtape Purple Reigh surge neste início de ano como um aceno a um novo álbum que deverá sair dentro de meses. Mas é mais que um aperitivo; é um sólido e pertinente conjunto de histórias de quem vive no limite consigo mesmo. Somos portanto convidados a entrar em cena num palco de teatro decadente onde as cadeiras e as paredes há muito se encontram danificadas, tanto quanto a personagem central da peça. Future é pois o actor e encenador de Purple Reigh ainda que com ele surjam figuras já familiares como DJ Esco ou Metro Boomin – aqui apresentados como produtores da encenação. A brisa trap que paira sobre estes novos temas revela, uma vez mais, a sensibilidade pop de Future na forma como articula as palavras às melodias, ora num murmurar penetrante, ora num discurso de flow desconcertante. Essa característica de “carta fora do baralho” torna-se numa espécie de trunfo, inconsciente sim, contudo tão natural quanto indissociável de tudo o resto. A temática da perda e da frustração espreitam e fustigam, como um bafejar permanente no ombro do rapper de Atlanta. Em “Never Forget” escuta-se a confissão pesada: “I had to take a loss so I could cherish that shit“. Esta é afinal a única e verdadeira natureza de Future, a de quem vê no sofrimento uma forma de regurgitação e renovação. Sentimos exaustão ao longo deste disco, o ritmo é geralmente lento e a voz reveste-se, de tempos a tempos, de efeitos de reverb expandindo a prosa em redor.

Purple Reigh dá pistas da sua concepção num compartimento escuro, entre a desarrumação material e mental, fechando a porta ao que se passa lá fora. Não é o retrato mais apelativo, descartada qualquer ponta de charme, porém é o mais genuíno possível. “Drippin” é um ponto forte do disco, capaz de captar e sugar ao primeiro minuto e assente num brilhante nervo de suspense. Por sua vez, “Inside The Matress” condensa na perfeição toda a toada de memórias esborratadas onde se escuta o verso “Got lawyers and actresses and models pursuin’ me now/Our foundation built on loyalty, you can’t ruin me now“, numa possível alusão ao episódio de separação com a cantora Ciara (e que muito alimentou a imprensa sensacionalista na altura).

Que seja então oficial: Future veio definitivamente para ficar. Há muito mais para vir e possivelmente dentro de poucos meses estaremos aqui a discursar sobre o que de momento é pura especulação. O que significa para já esta mixtape? Um statement de valor e originalidade – e atenção que não abundarão assim tantos.

 

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