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Fotografia: João Hasselberg
Publicado a: 31/03/2022

Preparados para a época dos bailes de Verão.

Fumo Ninja: “Somos costureiros em parttime e a nossa paixão é o patchwork

Fotografia: João Hasselberg
Publicado a: 31/03/2022

Dizem que são uma espécie de “quatro agentes secretos”, mas a sua identidade parece não ter segredo algum. Pelo contrário, o verdadeiro enigma dos Fumo Ninja — grupo formado por Leonor Arnaut (voz), Norberto Lobo (baixo), Raquel Pimpão (teclas) e Ricardo Martins (bateria) — reside escondido na sua música que tão amavelmente nos é apresentada para descoberta no seu longa-duração de estreia, Olhos de Cetim, lançado na passada sexta-feira (25) com carimbo Revolve.

Um segredo, claro está, deixa de ser um segredo quando é revelado e, ao longo de Olhos de Cetim, vamos descobrindo, pouco a pouco, as peças que nos permitem resolver o puzzle deste mistério. Contudo, ao Rimas e Batidas, os Fumo Ninja contam coisas que poderão conferir vantagens na resolução do mesmo a quem ousar partir nesta curta, mas aventurosa jornada que a banda protagoniza neste trabalho discográfico. Dizem ser um “grupo que não pensa muito em géneros musicais” mas, quando pensamos que se apresentam como um conjunto dedicado “à exploração da pop por meios não ortodoxos”, se nos focarmos é natural que comecemos a perceber de onde é que surgem as canções que se ouvem em Olhos de Cetim. “Há uma base de canções que segue o seu rumo e se deixa contaminar, acusmática e auralmente falando, isto é”, referem.

São, sem dúvida, boas pistas dadas pela banda para nos permitir dizer, sem rodeios, que as composições dos Fumo Ninja soam a pop mas que, quando escavamos, descobrimos que tendem a ser mais do que isso, com a sua estética pastel recheada de nostalgia a la bedroom pop. Mas existem extras em termos de composição que as fazem desenvolver como se de uma desconstrução da ideia de canção “popular” se tratasse, lembrando aquilo que Bruno Pernadas tem feito ao longo da sua discografia ou que um Lucio Battisti realizou com a sua pop progressiva. Sobre a forma como tratam a existência do seu lado mais “pop”, o grupo assinala que talvez tenham “sido todos seduzidos pelo charme da pop, mas cada um com a sua técnica distinta de paquera”, numa clara referência aos detalhes que cada agente adiciona ao longo de Olhos de Cetim: a voz textural de Leonor, as investidas na bateria bem direccionadas por Ricardo, as linhas de baixo afincadas e impossíveis de ignorar de Norberto e a presença virtuosa e constante de Raquel por trás das teclas na progressão das faixas.  

Momentos como as orelhudas “Chapada da Deusa” (o single que antecipou o disco), “Aku3” (esta com toques de hip hop à mistura) ou “Segredo” demonstram bem como o grupo consegue desconstruir a ideia pré-concebida de canção “pop”. Faixas como o jazz de fusão de “Mangas de Camisa” e “Frugal” ou a psicadélica “Algas” são o demonstrar da existência de “um espaço designado para a marotice no universo ninja, mas este coabita com alguma inocência onírica adventure time”.



As duas últimas em particular — “Frugal” e “Algas” — revelam bastante sobre as dinâmicas criativas do conjunto. A primeira apresenta malandrice na forma como a voz de Arnaut acompanha as grooves da canção, enquanto a segunda, apesar de se iniciar próxima da pop mais psicadélica, desenvolve-se de forma bastante orgânica até ao mundo da pop progressiva, fazendo lembrar uns Yes ou Electric Light Orchestra.

A referida “Algas” é também a demonstração do estilo de lírica romântica e surrealista que acompanha as faixas de Olhos de Cetim, crucial para a ambiência onírica do disco e que ganha uma vida própria quando interpretada por Leonor Arnaut e os coros que a acompanham. No universo de Fumo Ninja, a voz de Arnaut muitas vezes é usada como um instrumento, um efeito estético – ouça-se “Andróide”, a fazer lembrar a MPB contemporânea de uma Ana Frango Elétrico ou YMA, e a belíssima “Holograma” como exemplos disto – que complementa os instrumentais hipnotizantes do grupo. A junção entre estes elementos é também uma forma de mostrar a química existente entre os membros de Fumo Ninja e assinalar a forma como abordam os novos caminhos sonoros que traçam com este projecto. Indica a banda sobre a comparação entre Fumo Ninja e outros projectos que envolvem os seus elementos: “Cada um de nós tem vindo a explorar vários territórios sónicos numa multiplicidade de projectos; a atracção pelo desconhecido é inerente ao nosso trabalho e Fumo Ninja é apenas mais uma confirmação deste modus operandi. A premissa essencial é tocar junto.”

No entanto, quando se fala dos intervenientes de Fumo Ninja, é impossível desassociá-los do universo do jazz e das improvisações mais ruidosas em que temos a tendência de os encontrar. É natural, portanto, que neste projeto esses cosmos acabem por também surgir como influência. A faixa “Django Hair” é um boa demonstração dessa influência, surgindo como uma pequena demonstração das qualidades de improviso do conjunto, algo que o grupo pretende explorar com mais destaque na transferência destas canções para cima de um palco (algo que o ReB já confirmou aquando do concerto da banda no Cosmos em Fevereiro passado). “A improvisação ocupa um lugar de maior destaque ao vivo, partindo umas vezes dos temas originais do álbum e outras do ar fino da sala em questão”, conta o grupo.

Entre o mundo do improviso e o da desconstrução da canção pop podemos então desvendar o segredo dos Fumo Ninja — a sobreposição destes elementos torna o conjunto numa máquina bem oleada de pop absurdista. Ao falar sobre sobreposições, o grupo refere, em tom de brincadeira, que são “costureiros em parttime e a nossa paixão é o patchwork”, acabando por demonstrar com isto uma das suas essências: divertirem-se ao efectuarem estas justaposições e apresentar música que, apesar de ter um certo toque existencial na sua atmosfera, soe divertida. Diz o grupo que isto de ser “fun deriva de uma abordagem particularmente inocente, playful e exploratória da música. A dinâmica de grupo que se cria num habitat propício é, naturalmente, animada como um bom baile de Verão”. E com menos de 30 minutos de duração (se há pecado é mesmo o de ser tão curto), este bailarico dos Fumo Ninja é um que merece entrar no itinerário de qualquer devoto à arte de escutar música.


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