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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/03/2024

A artista mexicana radicada em Amesterdão apresenta o primeiro EP em Lisboa.

Fuensanta: “A influência da minha infância na floresta foi muito forte na minha música” 

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/03/2024

Nascida na floresta aquática de Veracruz, no México, e radicada há vários anos em Amesterdão, nos Países Baixos, Fuensanta é uma cantora, compositora e contrabaixista que lançou no ano passado o seu EP de estreia, Principio del Fuego

Muito influenciado pela sua infância num ambiente natural e espiritual, repleto de um imaginário dotado de um certo realismo mágico, o disco cruza música folclórica local com jazz, electrónica ou pop. São canções que Fuensanta tem vindo a apresentar nos palcos há algum tempo, mas que agora ganharam versões de estúdio. 

O curta-duração é apresentado no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, esta sexta-feira, 15 de Março. Com primeira parte de Dibuk, Fuensanta actua com uma formação nova, em modo quarteto. Antes do concerto em Portugal, respondeu a algumas questões do Rimas e Batidas sobre o EP que agora apresenta. 



Para quem não está familiarizado com a cultura e o imaginário com que cresceste no México, e que acaba por se reflectir neste disco, como descreverias essa realidade?

Penso no México como um sítio muito místico e vibrante. É um sítio de uma beleza violenta. A vida e a morte estão muito próximas uma da outra e as pessoas vivem numa ligação diária com o sagrado e o absurdo. É hilariante, mas também profundamente belo e dramático. Penso que é por isso que muitas pessoas o consideram surrealista. A natureza é muito viva e há uma energia de poesia simples, pictórica. Também tem uma boa dose de coisas feias, o que faz com que as pessoas se unam e cuidem umas das outras. 

Era essencial para ti que este primeiro álbum retratasse as tuas origens?

Sim, não necessariamente de uma forma folclórica, mas mais a nível pessoal — o que inevitavelmente também é um pouco folclórico. Talvez algo mais como as minhas origens espirituais ou imagéticas. A influência da minha educação na floresta tem sido tão forte em tudo o que faço, incluindo a minha música, e está especialmente presente para mim nos símbolos destas canções — por isso, quando senti que estava a iniciar uma grande transição, não me pareceu correcto abandonar esse mundo sem lhe dar primeiro um lugar de honra. 

Como é que o realismo mágico te influenciou quando começaste a criar estas canções e a imaginar este disco?

Acho que não tenho uma boa resposta para isso, mas vou tentar. Acho que tem sido bastante subliminar, adoro ler literatura sobre realismo mágico e adoro encontrá-lo na vida real. Acho que é mais tangível nos videoclipes, tive a sorte de me juntar à Sasha Kulak, que é uma realizadora fantástica da Bielorrússia e com quem partilhava o mesmo amor. Depois, sempre adorei artistas como Remedios Varo, Leonora Carrington e Michael Ende. Por vezes, as pessoas falam-me de Jodorowsky quando vêem os meus vídeos e fotografias. Queria retratar o realismo mágico do Rancho Viejo e da floresta de nevoeiro, e estou sempre entusiasmada por procurar os pequenos símbolos que farão com que uma situação normal se torne subitamente absurda ou mística. Sabes que mais, esta é a minha melhor resposta: tanto na música como nos visuais e também nas palavras, estou sempre a tentar ter uma vida, sentimentos e linguagem normais, mas depois encontro uma reviravolta que os torna um pouco estranhos e mágicos. Depois, a vida começa a sentir-se assim também, o que é o que mais me agrada e o que a torna bela para mim. Lava a lamechice e a tediosidade e dá sentido à inevitável tristeza e desgosto do mundo. Era tudo o que eu desejava na vida: vivê-la de uma forma bela e interessante. Agora há mais coisas com que me preocupo, mas acho que continua tudo na mesma. Desejo isto para mim e para os outros, e se alguma das coisas que eu — nós, porque nunca o fazemos sozinhos — estou a fazer puder ajudar as pessoas a viver a vida desta forma, a missão da existência para mim está a ser cumprida.

Com elementos de jazz, electrónica, pop e música tradicional do local onde cresceste, foi fácil pensar nesta fórmula que cruzava o folclore das tuas raízes com uma abordagem musical mais internacional e contemporânea? Suponho que não só fazia sentido reflectires essa cultura nas tuas letras, como também fazia sentido tê-la na própria música.

Sim. Cresci numa casa que tinha acesso a muitas das coisas que mencionaste. O meu pai é um produtor de rádio que programa principalmente música, tem uma biblioteca muito vasta e está sempre à procura de coisas novas e interessantes, e a minha mãe é coreógrafa. Tive a sorte de ter um panorama musical muito eclético em criança. Eles tinham as suas preferências, claro. Penso que a principal influência que recebi de casa foi o gosto pela música contemporânea e clássica, pela música coral… embora isso só se tenha manifestado mais tarde. Depois, há a música latino-americana que vem de todo o meu ambiente: son jarocho, que é a música folclórica de Veracruz e que, felizmente, está muito viva — tocava-a com os meus amigos e na escola (e ainda toco com os meus amigos); boleros; MPB; música cubana e sul-americana. Apaixonei-me pelo jazz e pela música improvisada quando era adolescente e, quando me mudei para Amesterdão, descobri o incrível mundo da música livre e os caminhos da [editora e orquestra] ICP que exercem uma bela influência nos músicos daqui. O meu querido amigo Renier Baas, que também é um mentor para mim, fala sobre composição de forma muito inteligente. Fala dos diferentes parâmetros da música e de como é possível extraí-los separadamente e utilizá-los para criar algo novo, por oposição a colar um fragmento completo de música com todos os seus parâmetros noutro — o que seria mais como fazer uma fusão. Ou, nas minhas palavras, uma colagem à Frankenstein. Há uma palestra muito fixe sobre isto no canal de YouTube dele. A música electrónica é um amor mais recente que tem vindo a crescer em mim nos últimos dois anos. 

Já mencionaste que, de certa forma, o disco foi o encerramento de uma era. Precisavas de homenagear e representar isso para depois poderes avançar para outras coisas? Se sim, o que queres explorar daqui para a frente?

Sim, resumiste a coisa muito bem. A maior parte da música que tenho feito ultimamente é música vocal, inspirada na música coral sacra contemporânea e noutras coisas de que gosto, como o reggaeton ou a música electrónica, mesmo que não seja totalmente audível. Também comprei um sintetizador analógico no ano passado, com o qual escrevo a maior parte das minhas coisas recentes. Sinto-me muito inspirada pelas cordas e sempre quis escrever para uma orquestra. Vou fazer algo para um conjunto de câmara de cordas este ano, se tudo correr bem. Também estou a começar o meu próximo álbum. 

Estas canções já existiam e foram tocadas por ti ao vivo antes de haver um álbum. Sentes que agora ganharam uma vida diferente?

O que é bom em gravar música é que oferece um terceiro meio de expressão para a música, que neste caso seria a produção. Eu sou muito uma artista ao vivo e improvisadora e é onde eu naturalmente prospero, ter que escolher uma versão para “imortalizar” uma música pode ser muito desconfortável para mim. Por outro lado, gosto muito de pormenores, e produzir este álbum e os seus videoclipes com uma abordagem do it yourself é uma das coisas mais satisfatórias que já senti na minha vida, é um sentimento de: fiz absolutamente tudo o que podia para retratar a mensagem desta canção da melhor forma possível. E, claro, há também a nova vida que o Louis Cole trouxe à música, uma vez que a produzimos juntos. Ter os seus ouvidos, a sua visão e a sua enorme sabedoria a fazer parte destas versões foi o melhor que podia ter acontecido ao EP. 

Estás a actuar com um quarteto em Portugal. Como foi pensar no alinhamento certo para a digressão? O que podemos esperar do concerto?

Podem esperar um concerto emotivo e intimista. São cantoras maravilhosas que também tocam percussão e sintetizadores, e uma delas é também uma violoncelista brilhante. A maior parte da minha música recente é para vozes e estou entusiasmada com a possibilidade de trabalhar com cordas e electrónica, pelo que este concerto é apenas o resultado dessas direcções. São músicas que respeito muito e pessoas com quem gosto de conviver, cuja forma de tocar é natural na linguagem das composições — ou vice-versa. Os seus nomes são Chieko Donker Duyvis, Paula Bilá e Marta Arpini. É um quarteto novo e demos ontem o nosso primeiro concerto, adorei.


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