pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 20/08/2017

Um ano depois do lançamento de Blonde, o Rimas e Batidas escrutina e reflecte sobre os acontecimentos que voltaram a colocar o artista norte-americano nas bocas do mundo.

Frank Ocean: como perder todos os rótulos

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 20/08/2017

A espera foi tanta que já ninguém sabia do que se estava à espera. Frank Ocean, datando princípios de Agosto do ano passado, fazia já anos que não punha músicas, notícias ou outros updates cá fora – realizando apenas publicações no seu Tumblr, única rede social que usa para se ligar ao mundo (e o nosso pequeno portal, qual wormhole, em que podemos comunicar com o autor de Blonde) –, tendo, até então, sido membro da super crew Odd Future, colaborado em diversos trabalhos – de Tyler, the Creator, de Jay-Z e Kanye West (no aclamado Watch The Throne) e de Beyoncé – e lançado a mixtape Nostalgia, Ultra.

O álbum que o projecta para a primeira liga é Channel Orange. Como múltiplas vezes dito, o álbum em que o então Christopher Edwin Breaux admite o seu amor por um homem, traz samples de Fear and Loathing in Las Vegas, conta com John Mayer e Earl Sweatshirt e apresenta-o como grande letrista e cantor que é. E nesse trabalho descobrem-se grandes canções com grandes letras servidas por um excelente e mui recomendável falsete. Ainda muitos, sem conhecerem a obra de Frank, se lembram do refrão inteiro do clássico “Thinkin Bout You”. “Pyramids” é o ponto alto do álbum, ao nível de produção e da composição. Uma maneira cativante de contar histórias que marca a música do cantor – evidente em “Pink Matter”, “Pilot Jones” e “Forrest Gump” e a produção quase integral do álbum por Malay definem Channel Orange. Um álbum super consistente, arrojado q.b., emocionante.

Frank Ocean dá concertos, passa por alguns festivais. Mas, de pouco a pouco, o cantor tende a desaparecer para uma espécie de vazio (para nós, audiência) do qual só sairia com pequenas publicações. Muito se esperou, especulou, comentou. Várias datas foram apontadas ao longo dos anos para o lançamento do sucessor do álbum laranja, que, dito pelo próprio, viria com a publicação duma revista de título Boys Don’t Cry. A Internet discutia, falava, mais uma vez, especulava; vem à tona uma fotografia que continha as várias datas em que Frank teria prometido lançar um novo registo. A última carimbada mostrava “JUL 2016”. Todos esperámos até às várias meias-noites que percorreram o planeta Terra na noite de 31 de Julho do ano que nos antecede. Nada; nem uma mensagem. Frank parecia ter-nos abandonado uma vez mais.

 Surge, então, dia 1 de Agosto, um site com um video stream sem som. Vemos um armazém e o cantor a cortar madeira. Especula-se. O vídeo não traz novidades até ao dia 19. Sai o esperado álbum visual Endless. De esperado teria, também, pouquíssimo. Nos créditos viam-se nomes como James Blake, Johnny Greenwood, Arca. O vídeo a preto e branco tem uma narração… não muito clara, opaca até. O álbum deixa muitas questões mas encontramos momentos de grande qualidade, tais como “At Your Best (You Are Love)”, “Slide On Me” e o momento “Rushes” / “Rushes To”, canções que trazem, respectivamente, a escrita de condução em direcção ao pôr-do-sol e a sensibilidade, marcas inerentes a Frank.  No fim de contas, encontramos no álbum um conjunto de canções algo desfasadas, que não se parecem ligar completamente – figurativamente, visto elas estarem literalmente ligadas, ao nível temporal – mas que se encontram num registo quase constante dum som muito etéreo, vago, pouco ritmado, e principalmente muito pouco expansivo. Ficou-nos muito, apesar do regresso, a sensação de faltar a cereja no topo do bolo; ou mesmo todo o sabor do bolo mal escolhido. Em retrospectiva, é um belo álbum. No entanto…

Só mais tarde viríamos a perceber que Endless era o álbum que libertava Frank Ocean dos seus vínculos com a Def Jam, editora que o representava e o obrigava a lançar mais um registo para cumprir contrato. Podemos ligar os pontos e entender o porquê do álbum estar enterrado apenas na Apple Music, podendo reproduzir o registo audiovisual apenas tendo conta na mesma plataforma. Frank Ocean tornou-se independente. “We’ll let you guys prophesy”…



Sexta-feira, dia 19, sai o vídeo de “Nikes”. “I got two versions”, diz ele. Uma estética analog, trocadilhos subliminares (versions/virgins), discotecas e Frank a arder, Frank a conduzir (não se esconde a obsessão por carros), Frank maquilhado. Uma letra algo confusa, com vários temas no caldeirão – entre eles o de uma relação íntima não amorosa. Aqui Frank traz a primeira grande mudança na sua escrita: surge uma escrita característica no rap com muito name-drop (“We gon see the future first”…?): desde Trayvon Martin, Carmelo Anthony, a Amber Rose.

O que nos traz mais questões, ainda assim, é o uso da voz utilizado nesta faixa: com o pitch muito subido numa primeira parte, com auto-tune na segunda. Sendo que são estéticas nada comuns no artista que conhecíamos, foi de estranhar. Mas “Nikes” tem o elemento emoção que o cantor nos proporciona sem excepção; uma vez mais realiza-o de forma exímia. As últimas duas estrofes, já sem bateria, com uma guitarra e cordas, rendem um dos melhores momentos do álbum.

Sábado, dia 20: sai Blond. Boys Don’t Cry é o nome da publicação em papel que partilha a mesma data de lançamento e contem versões alternativas de algumas músicas, um poema sobre o McDonalds (escrito pelo sempre único, Kanye West) diversas fotos, entre outros conteúdos. Nem sabemos se chamamos ao álbum Blonde ou Blond. Voltando à música.

Começamos com a já conhecida “Nikes”, sem a voz grave que acompanhava a faixa. Há uma versão com KOHH a fechar a introdução do retorno de Frank Ocean. “Ivy” foi recebida como uma das favoritas. Numa entrevista ao NYT, o cantor refere que subiu um pouco o pitch da voz, de modo a parecer mais novo – faz sentido, justifica, pois fala duma história passada sua. Esta música, percebemos ao longo da audição de Blonde, vai chamar atenção para duas presenças no mesmo: a guitarra, que aparece muito evidente e como base de grande parte das músicas – contrariando uma estética mais R&B e também com mais sintetizadores / teclados que antecedia este projecto – , e o carácter autobiográfico está na essência do rapaz louro desde sempre. Parecemo-nos conseguir identificar com a história de “Ivy”, já a vimos em filmes e nas nossas vidas. A história duma relação falhada, os gritos, as perguntas, o arrependimento. O cantor também joga muito bem com a expressividade vocal e as palavras.

O seguimento catastrófico será “Pink + White”, reflexos sobre demonstrações de amor, com um dos temas favoritos do cantor: o verão! E nem precisávamos de ir à letra; oiçam o instrumental. O groove lento, ouvimos Beyoncé a cantarolar lá ao fundo, o piano e o baixo estão mornos e empurram a canção da moleza que nos dá o sol na cara e a areia nos pés… Pharrell tinha já produzido “Sweet Life” de Channel Orange; coincidência? Sabem a resposta.

De acordo com o site Genius, a voz de “Be Yourself” é a de Rosie Watson, mãe dum amigo de infância dos Ocean, confirma o próprio irmão de Frank, Ryan. É uma chamada telefónica com ensinamentos maternais, sobre não tomar drogas, beber álcool, outros. O único conselho que não me parece irónico nesta faixa é o de sermos nós próprios. Já é normal para Frank Ocean ter pequenos skits deste tipo e mantém para melhor compreensão do conceito do álbum.

“Solo” é tão simples como porem um órgão típico do gospel e o cantor a brilhar num registo em que já o conhecemos; mas desta é a sério. Grande performance musical, Frank pega nas suas influências soul e ensina-nos a dançar sozinhos (sem chorar! Essa vem mais tarde) e a sermos felizes na solidão. “Hand me a towel I’m dirty dancing by myself”, reforça logo.

Uma das poucas faixas da primeira metade com um ritmo marcado – já devem ter reparado que isto está a correr duma maneira diferente, certo? – , guitarra e o cantor que faz rap e não sabíamos que fazia. Não assim, como neste álbum, pelo menos. Nostalgia, carro, sexo, drogas, solstícios de verão… Com aquele teclado em círculos. Estaremos num sonho de Frank.

Não sei se estavam a sentir falta duma balada, mas Frank Ocean trouxe-nos uma das melhores que ele já fez. “Self Control”, numa primeira audição, soa como um dos pontos altos do álbum. A voz dobrada já é um clássico; além disso, esta é uma das melhores performances vocais do álbum. Aqui, sim, dança-se com lágrimas nos olhos: esta é sobre uma relação que não funcionou (não serão todas?), por estarem em vibes diferentes, contou Frank ao NYT. As vozes de Austin Feinstein e de Yung Lean encaixam na perfeição. Aquele final foi feito para ser cantado à volta da fogueira com guitarra, cremos.

O artista norte-americano em casa a tocar teclados sozinho depois dum copo a mais soa a isto. “Good Guy”, com a voz abafada, fala de blind dates incompreendidos. Acaba num desabafo entre corações partidos, mulheres e sexualidade. Neste álbum Frank demonstra-se mais aberto e directo para falar da mesma.



Talvez o ponto alto mais comumente considerado pelo público em Blonde – o que tem piada, porque é a música que mais podia ser do antecessor, o álbum laranja (lembra um pouco “Pyramids”, o ambiente) – tem uma guitarra com efeitos e pitch alterado, um beat (sim, um beat neste álbum!) algo cru, com poucos instrumentos. Os graves só suportam e empurram o groove super dançável de “Nights”. Uma das letras mais interessantes e talvez mais indecifráveis do álbum. A voz enrola-se, uma passagem com cordas e sintetizadores; segue-se uma guitarra estridente. Pára tudo! Que beat é este? Parecemos cair num vazio, no meio das estrelas. O tratamento do beat vem do trap, mas muuuuito mais lento. A voz está mais uma vez alterada, mais aguda – e o cantor faz rap.

“Solo (Reprise)” não é nada mais que nos fazerem perguntar onde está o próximo álbum dos OutKast. Podia ser sem aquele piano, aquele sub-bass. Podia ser com o que quisessem. André 3000 está a destruir aqueles que têm ghostwriters com versos incríveis:

“After 20 years in, I’m so naïve

I was under the impression

That everyone wrote they own verses”

Não conseguimos entender se “Pretty Sweet” é doce ou não. Se se chamasse “Pretty Experimental” estaria explicado. Fora de trocadilhos idiotas, parece misturar caos, mudanças de ritmo, uma panóplia sonora estranha, acabando com as vozes desafinadas dum coro de crianças. A busca pela imperfeição é muito importante neste álbum. A desafinação até nos faz esquecer que no fim chegamos a um instrumental estável com um groove incrível no baixo.

Se é para ter skits, com Frank seria obrigatório ter um em que se falasse de redes sociais. SebastiAn, produtor francês, relata a destruição duma relação baseada em ciúmes virtuais.

“Close To You”, com o instrumento muito celebrado musicalmente por Bon Iver no seu último álbum, 22, a Million, o Messina, a.k.a. Prismizer – tem uma espécie de auto-tune ou vocoder que multiplica a voz em várias notas, formando um acorde – é uma cover da versão homónima de Stevie Wonder, tendo até samples do mesmo ao longo da faixa, estando o próprio músico com um vocoder na gravação original.

“White Ferrari”. Já percorremos um longo caminho com este álbum. Soa a uma despedida, mas Frank prometeu nunca esquecer. A nostalgia dos bons tempos passados é uma constante no percurso do álbum. É referido por Frank Ocean que ele, no seu processo de composição e produção, quis ser capaz de expressar com a maior exactidão possível os sentimentos que queria trespassar. Esta faixa teria 50 gravações de voz diferentes.

Seguimos o rumo dos pensamentos de Frank Ocean em “Seigfried” e só lendo o entendemos. É uma música sobre pensamentos, estados da mente, decisões e indecisões. “I’m not brave” será a resposta que Siegfried procurava, já que o mesmo seria a representação de bravura na mitologia nórdica. No entanto, ao nível da estrutura é muito interessante. Lembra um pouco uma peça de teatro, a mudança de cena, de tema e a espacialização da música – o facto de as vozes aparecerem em diferentes planos, com diferentes distâncias.

Aproximamo-nos do fim e, como já sabemos, Frank é o melhor a fazer músicas-de-despedida / músicas-de-guiar-em-direcção-ao-pôr-do-sol. “Godspeed” cria a ligação perfeita, com mais um teclado gospel, tal qual uma auto-estrada para o senhor, desejos de glória e a voz, uma vez mais, a surpreender. Ao ir embora diz-se “But you’ll have this place to call home,/ Always”. Kim Burrell reforça o carácter gospel e a despedida como pedido.

Uma explosão de todos os pensamentos de Blonde confluem na última faixa do álbum, “Futura Free”, acrescentando os sentimentos de superioridade divina do rapaz de loiro, pensamentos sobre Tyler dormir no seu sofá, sobre não ter obrigações para ninguém – não se esqueçam que ele passou a ser independente, já lá vamos – e da gratidão que sente em ser pago por ser um cantor. Somos nós quem agradece, Frank. Quando o sol se põe, ouve-se uma espécie de entrevista, com muito ruído, ao som dum sample que percorre os interlúdios do álbum: a “Runnin Around” de Buddy Ross.

Blonde é um sucesso esperado e inesperado. O hype ganho com a espera de Frank teve a atenção acrescentada, mas é um álbum muito experimental, considerando o seu projecto anterior; com uma grande mudança no paradigma estrutural e composicional de canções pop e r&b, universos com o qual o rotulávamos. Frank Ocean perdeu os rótulos todos: passou a ser um músico independente, cortando as correntes com a Def Jam no seu Endless (até o nome parece provocá-los), criou 2 álbuns difíceis de encaixotar. O ermita apareceu e desapareceu assim que passou o dia 20 de Agosto. Voltou a aparecer com a 1ª sessão da blonded RADIO em parceria com a Beats 1, onde apresentou uma faixa de Calvin Harris, “Slide”, tendo a sua colaboração (recomendamos) com Migos. Escusado será dizer que Picasso não será mais referenciado numa faixa do produtor escocês.



A blonded RADIO apresentaria playlists curadas pelo próprio loiro. Mas aproveitou logo na segunda edição para levantar questões a muitos pela Internet fora… estaria Frank a pensar lançar outro álbum? Algum outro tipo de registo? Lançou a incrível “Chanel”, tema em que aborda a sua independência, os frutos financeiros que a mesma lhe trouxe e a sua bissexualidade com a frase, que imediatamente se tornou clássica, “I see both sides like Chanel”. Passou, também, uma versão com A$AP Rocky. Noutras edições, ouvimos “Biking”, com Jay-Z e Tyler, The Creator e “Lens”, música com uma versão em que temos um Travis Scott muito aquém do nível daquele refrão.

Encontramos, passado um ano, vários novos singles de bom calibre, colaborações interessantes – como as presentes em Flower Boy de Tyler, the Creator, “RAF” com a crew A$AP Mob, e “Slide” de Calvin Harris – e espectáculos que têm dado do que falar na Internet; seja pelas t-shirts emblemáticas, as orquestras de cordas, as chamadas com Brad Pitt, ou mesmo pelas gravações feitas por Spike Jonze.

Um dos melhores escritores de canções da nova geração é cada vez menos rotulável, cada vez mais multifacetado, cada vez mais curioso artisticamente e, uma vez mais, incrível. Feliz aniversário, Blonde.


frank-ocean-birthday

pub

Últimos da categoria: Ensaios

RBTV

Últimos artigos