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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/08/2025

A cena jazzística de Braga em ebulição.

Fourward: “Sentimo-nos um bocado como outsiders”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/08/2025

Chamam-se Fourward e no nome simples e claro já se adivinha todo um programa estético: adoptaram uma quadratura clássica, sim, mas estão interessados no impulso para a frente, no comprometimento com o futuro. José João Viana (guitarra eléctrica), Gonçalo Cravinho Lopes (baixo eléctrico e contrabaixo), Simão Duque (trompete) e Tomás Alvarenga (sintetizadores e bateria) estão baseados em Braga embora os estudos de cada um os tenha levado a outras cidades.

Mas pode-se pensar em Fourward — como de resto já se poderia pensar em OCENPSIEA, grupo de que Tomás e Gonçalo são membros fundadores — como mais um entusiasmante resultado do trabalho de base que se tem vindo a fazer em Braga, uma cidade criativa que tem oferecido espaço a talento local, por um lado, e generoso estímulo à imaginação nos cartazes de festivais como o Julho é de Jazz ou Semibreve e na restante programação de equipamentos como o gnration ou Theatro Circo.

O Rimas e Batidas conversou com os quatro membros de Fourward e situa-os no cada vez mais complexo puzzle do jazz que se faz agora.



Como nasceu este quarteto, Fourward? Foi uma ideia colectiva ou foi um de vocês que tomou a iniciativa de apresentar o projecto aos outros?

[Gonçalo Cravinho Lopes] Nós já nos conhecíamos todos de Braga, de jam sessions e de tocar juntos noutros projectos. Houve uma altura em que surgiu um concurso da Smooth FM, que era para gravar um vídeo a tocar e havia a possibilidade de ir a um festival actuar. Lembro-me de estar com o Tomás e de falarmos nisso. Pensámos que era uma boa ideia. Depois decidimos falar com o Simão e o Zé João e juntámo-nos para fazer esse tal vídeo a tocar juntos. Correu bem, passámos à final e acabámos por ganhar, então fomos tocar ao festival.

Que festival é esse de que falam?

[Gonçalo Cravinho Lopes] O Cascais Jazz Sessions by Smooth FM. Estávamos em 2023. E isso levou-nos a decidir continuar com o projecto e criar música nossa.

[Tomás Alvarenga] Gostava de acrescentar que este projecto surge também de uma vontade de sermos um grupo mais ligado ao jazz. Nunca foi a nossa intenção fazer jazz tradicional, mas queríamos ter um projecto mais jazzístico, com aquela formação clássica de trompete e tal. Nós já tocávamos juntos noutras formações, nomeadamente eu e o Gonçalo nos OCENPSIEA. Nós vínhamos de uma onda mais fusion, electrónica, e a cena de Fourward serviu para darmos espaço à nossa vertente mais jazzística, digamos assim. Todos estudámos jazz — eu já não, mas os outros membros ainda estudam.

Quando me dizes que já não estudas, é porque concluíste a tua formação?

[Tomás Alvarenga] Sim. E eu não estudei jazz como o Simão, o Gonçalo ou o Zé João estão a fazer. Eu vim da composição clássica e erudita, e depois tive um semestre de jazz. Quase que não se pode dizer que estudei jazz propriamente [risos]. Mas sim, eu estive sempre muito interessado e ligado ao jazz.

Muito bem. Já tinha percebido que o Tomás e o Gonçalo vêm de OCENPSIEA e que esse é um projecto que vai continuar a andar paralelamente, até porque lançaram coisas novas recentemente. Mas o Simão e o Zé João, a que projectos é que se ligaram antes de Fourward?

[Simão Duque] A minha viagem pelo jazz ainda era muito curta antes de Fourward. Antes de Fourward foi quando eu estava na Escola Superior de Música de Lisboa e formei um grupo com o Zé João em que tocávamos maioritariamente temas de R&B. Foi a partir daí que começámos a tocar todos juntos, porque eu já tinha uma conexão com o Tomás e o Gonçalo, pois estudámos antes na mesma escola. O Zé João chegou ao nosso círculo a posteriori quando eu o conheci na ESML.

E tu, Zé João?

[José João Viana] Antes da ESML, estudei na escola profissional JOBRA. Depois disso fui para Lisboa.

A dada altura vocês fazem uma residência artística no gnration, não é? Imagino que tenha sido aí que foram criadas as bases para o álbum. Que trabalho desenvolveram antes dessa residência?

[Tomás Alvarenga] As bases para o álbum já vinham dos nossos concertos. Alguns temas foram surgindo, nomeadamente do Zé João. Nós não começámos por tocar originais, eram músicas de outros artistas. A vontade de tocar originais sempre existiu, mas no início a coisa era muito: temos um gig acolá, dois dias para ensaiar; não existia muito tempo para solidificarmos a nossa identidade e compormos. Depois, com os vários concertos que fomos dando, tocávamos mais originais. A residência vem da oportunidade para, de facto, nos sentarmos, com algum tempo — apesar de não muito, ainda assim [risos] — para trabalharmos este primeiro disco, que é composto por músicas que vêm da contribuição de todos.

Eu estava aqui a ver a ficha técnica e vocês partilham a autoria de todos os temas, não é?

[Tomás Alvarenga] Sim. Publicamente, sim. Mas internamente, há composições que surgem claramente de um dos membros, que depois acabam por evoluir.

Mas há um compositor dominante na banda ou nem por isso?

[Gonçalo Cravinho Lopes] O ponto de partida para este álbum acaba muito por ser as composições do Zé João. As primeiras três composições vieram dele. Depois eu também trouxe algumas, o Tomás também… E há sempre aquelas coisas que surgem mais no momento, outras que foram reformuladas. É um misto de vários processos.

Há bocado mencionavam aqueles gigs mais espontâneos, em que tinham pouco tempo para ensaiar. Tocavam, sobretudo, covers — versões de temas de outros autores. Que autores eram esses?

[Gonçalo Cravinho Lopes] Roy Hargrove e Bob Reynolds… Tocámos Erykah Badu!

[Tomás Alvarenga] Alfa Mist. Também Ezra Collective, se não me engano.

Então vocês já estavam a olhar para material muito moderno como estímulo para chegarem ao lugar onde estão agora. De repente, pensei que me iam falar de clássicos mais recuados, do Mingus ou do Monk. Mas não. Foram a lugares mais próximos do presente.

[Tomás Alvarenga] Isso era uma das directrizes do projecto, o estarmos mais ligados a uma onda mais moderna, mais ligada ao hip hop, com groove.

[Gonçalo Cravinho Lopes] E esses temas acabavam por ter todos uma sonoridade muito comum, porque nós tocávamos aquilo à nossa maneira.

E já andam a tocar este novo material ao vivo?

[Tomás Alvarenga] Tivemos o concerto de apresentação no dia do lançamento do álbum, no gnration.

Exactamente. No Julho é de Jazz, reportado aqui no Rimas e Batidas. De repente, vocês com este projecto sentem-se como carta fora do baralho ou sentem-se como uma peça de um puzzle maior que agora se está a tornar mais nítido, com mais peças encaixadas, de uma nova cena do jazz nacional?

[Gonçalo Cravinho Lopes] Eu acho que somos parte de um puzzle de novas tendências a surgir no plano nacional. Embora tenhamos a nossa própria direcção, a nossa música também está inserida dentro de algo, de uma certa estética. Por isso, não nos colocaria completamente como carta fora do baralho. Mas, obviamente, sentimos que temos um caminho próprio e uma sonoridade própria — ideias próprias.

Não é que todas estas bandas estejam a fazer exactamente a mesma coisa. Aquilo que eu sinto é que há, primeiramente, uma identidade que é geracional, principalmente nos músicos abaixo dos 30 anos. Ainda há bocado falámos dos artistas dos quais vocês faziam covers, que estão muito mais próximos do presente. Isso define a vossa geração, porque de repente já não precisam de ir buscar o Coltrane ou o Miles e as referências tornam-se outras, muito mais modernas. Eu sinto que, no jazz português, havia aquela coisa de devoção à tradição, quase como que uma regra. De repente, surge uma nova geração que quebra essa regra com novos standards. Essa é que é a ligação que existe de facto entre todas estas bandas e artistas que estão agora a renovar o jazz. Não sei se concordam.

[Tomás Alvarenga] Acho que sim. Nós os quatro vamos tendo este tipo que questões, de onde é que nos inserimos e tal. Não sentimos que ter uma resposta para isso seja algo de muito crucial. Sentimo-nos um bocado como outsiders, mas é como o Gonçalo diz: fazemos parte de um certo movimento, uma certa estética. E a verdade é que ainda nos estamos a tentar encontrar, a explorar o que é o nosso som. Mas é como dizes, nós já não olhamos para as coisas da mesma forma que a geração antes de nós. E essa ideia vem desde logo de mim e do Gonçalo em OCENPSIEA — nesse projecto percebes logo que estamos a interpretar o jazz como quem vem de fora, como alguém que gosta de jazz mas que não cresce necessariamente dentro dele. E nós tanto respeitamos a tradição como respeitamos aquilo que se faz hoje em dia dentro do mundo do jazz, que como sabes é bastante mais abrangente.

Eu interpretei isso logo pelo nome que deram à banda, Fourward. Tem dentro dele esta ideia de um ir em frente, não é? É estarem mais preocupados em olhar para o futuro do que para o passado.

[José João Viana] Isso. Nós não queríamos estar limitados pelo que está certo ou errado teoricamente. Uma composição é uma ideia livre. Aquela cena tipo o swing, que era anti-tradição, era uma liberdade que acho que se foi perdendo ao longo dos anos. As coisas não têm de ser sempre tocadas da mesma maneira. E é um bocado por aí que queremos andar, nesse constante leap forward.

Sentem que esta geração presente perdeu o medo do groove? Outra das coisas que eu sempre senti que definiam o posicionamento do jazz nacional era esse medo da repetição — o medo do loop, digamos assim. E eu sinto que muitos destes projectos contemporâneos não fazem parecer má essa ideia de um tempo vincado e propulsivo.

[José João Viana] Claro. Porque isso abre todo um outro mundoo de atitudes perante a música.

[Simão Duque] A nossa geração também já cresceu com outro tipo de música. O hip hop em si é um loop muitas das vezes. E todos nós gostamos de hip hop e temos respeito por este estilo. Realmente, nós podemos ficar a ouvir um loop por horas e horas sem deixar de o achar interessante, ao mesmo tempo que vamos descobrindo coisas diferentes nessas repetições. E sim, estamos a assistir ao surgimento de uma geração que cresceu com esta música e também com a electrónica. Nós queremos juntar tudo. Podemos estudar jazz e querer seguir o jazz, mas não deixamos de ter os nossos interesses. Então, porque não combinar e ver onde é que isto nos leva? Acho que está à vista de todos, têm saído coisas muito interessantes desta dinâmica.

Há esta ideia sobre a qual já escrevi no passado: os primeiros produtores de hip hop a ter acesso a samplers muito provavelmente metiam-se no metro a caminho do estúdio a ouvir jazz; mas hoje em dia, muitos dos miúdos que estudam jazz metem-se no metro a caminho da escola a escutar hip hop. Ou seja, a coisa inverteu-se, e os efeitos disso são muito interessantes em termos geracionais. Por isso é que eu acredito que esta música de hoje tem um pulsar completamente diferente. E por falar nisso, vocês quando tiveram de ir tocar ao tal festival de jazz em Cascais, a horas de distância de Braga, acredito que tenham criado uma playlist para se ouvir na carrinha durante a viagem para baixo. O que é que roda na playlist de Fourward durante uma viagem longa?

[Tomás Alvarenga] Olha, ainda agora antes de tocarmos em Braga, nós ensaiávamos todos os dias e o Simão depois dava-nos boleia para casa. Estava agora a lembrar-me da tua playlist para esses momentos, Simão. Ele tem um Golf antigo e anda com uma coluna da JBL Bluetooth para ouvir música [risos].

Quem nunca? [Risos]

[Tomás Alvarenga] Diz aí algumas das músicas que passaram nessas viagens Simão. Quem era aquele rapper espanhol?

[Simão Duque] É o Dano, um rapper espanhol bastante conhecido. Sei perfeitamente que se fosse o Zé João a escolher a música ele metia D’Angelo. Fácil [risos]. E é engraçado que, depois dos ensaios intensos, gostávamos de ouvir um jazz mais calmo. Eu acho que todos nós gostamos de um bocado de tudo, portanto essa playlist ia ficar um bocado confusa [risos].

Quais são os vossos planos para o futuro próximo? Agora que o disco saiu, vão estar dedicados a outros projectos, ou existem mais planos para Fourward? 

[Gonçalo Cravinho Lopes] Eu sinto que este disco foi um primeiro passo da banda. A curto prazo, temos previsto um concerto no final do Verão, mas queremos tocar em mais sítios, apresentar o nosso álbum pelo país fora. Também queremos definir melhor qual a nossa direcção, pois este álbum foi um ponto de partida e nós temos muitas ideias que nos podem levar a outros lados.

Olhando para o panorama dos festivais portugueses, em que eventos sentem que a vossa música encaixa?

[Tomás Alvarenga] Vejo-nos, por exemplo, num festival como o Paredes de Coura. Eu acho que encaixávamos bem como banda mais outsider.

[Gonçalo Cravinho Lopes] Acho que a nossa música também se enquadra nos muitos festivais de jazz que existem por aí espalhados pelas diferentes cidades.


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