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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/01/2025

Dançar por um lugar melhor.

Fogo Fogo: “Abrir caminhos além fronteiras é algo que sempre perseguimos e gostaríamos de cumprir”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/01/2025

Os Fogo Fogo celebram dez anos, e as velas serão sopradas não uma, não duas, mas três vezes no B.Leza, em Lisboa, em festas que prometem ser rijas — afinal, estamos a falar de um dos coletivos mais quentes, vibrantes e fervorosos da música portuguesa contemporânea. Razões para celebrar não faltam, e talvez por isso a estas noites se juntem três convidadas especialíssimas, nomes incontornáveis da música que os inspira: Nancy Vieira, já no dia 31 de janeiro; Mayra Andrade, a 28 de março; e Lura, a 16 de maio.

Em antecipação das celebrações, nesta entrevista recordam alguns momentos marcantes desta década, refletindo sobre o prazer de olhar para a memória de uma história construída a pulso, onde não faltaram desafios, mas também muitas alegrias. Entre amores que floresceram na primeira fila, concertos à chuva e bailes frenéticos, a história do grupo foi-se desenhando e confirmou a intenção que sempre os guiou: tocar para que se dance. Uma dança consciente, mas também prazerosa; para espantar o espírito, mas também para alimentar a alma; para lembrar a tradição, mas também para arquitetar o futuro. Tudo isso se celebrará nestas três noites de festa, ao som do repertório cabo-verdiano que sempre os inspirou e, claro, das suas próprias composições, nomeadamente as que encontramos em Nha Rikeza, lançado no ano passado, e que em boa hora foi também editado em vinil.

Quanto ao futuro, só o tempo o dirá, embora reafirmem que o caminho se continuará a fazer com um pé na tradição e outro na reforma e admitam que abrir caminhos além-fronteiras continua a ser um objetivo. Quanto a nós, só nos resta agradecer. Em tempos que tanto convidam ao pessimismo, à apatia ou ao individualismo, nunca é demais celebrar quem insiste em que nos encontremos na pista para fazer deste um país melhor. Um brinde a isso — e ao que virá!



Prestes a celebrar 10 anos de banda, como é olhar para trás e ver o caminho percorrido? Que momentos ou conquistas mais marcaram a vossa trajetória e quais os principais desafios e dificuldades que enfrentaram?

É sempre bom e reconfortante olhar para as pegadas que vamos deixando no areal do tempo. Hoje olhamos como memória o que muita vezes foi tarefa difícil, ou um garantido prazer — tocar uma música difícil com pouco tempo de estudo, ou ver como reagem os diferentes públicos àquela música que sabemos ser provocadora. Hoje olhamos todas essas fases como boas memórias e partes fundamentais na forma como nos apresentamos. Cumprir a tarefa de fazer o público dançar e curtir, ao invés de os ver gravar o momento no telemóvel, parece-nos uma grande conquista nos dias que correm. 

Podem partilhar algum momento curioso ou inesquecível que viveram nos palcos ao longo destes 10 anos?

Tocar as músicas que aprendemos com os compositores que as fizeram é sempre algo de inesquecível, objeto de grande orgulho e responsabilidade. Como devem imaginar, uma banda como a nossa reúne a cada concerto muitos momentos curiosos! Como por exemplo, já tocámos num casamento em que um dos membros da banda era precisamente… o noivo! Já chegámos à conclusão, também através da experiência de várias invasões ao nosso palco, que as muletas, para além de bons suportes para membros partidos, são excelentes ferrinhos para acompanhar bandas de funaná!

Pensando nesta década, que impacto sentem que os Fogo Fogo têm tido na cena musical em Portugal? Dos primeiros bailes/concertos na Casa Independente às digressões que vos têm levado pelo país, de que forma esta década vos mudou enquanto músicos e enquanto banda?

Sentimos sempre que há uma surpresa nalgum público ao conferir que a música tocada ao vivo com instrumentos pode ser tocada num andamento rápido por muito tempo, algo que agora se dirige mais às responsabilidades de um disco jockey. Trazer o baile aos dias de hoje faz de nós representantes disso mesmo: música acelerada com a função de servir a dança e a erupção dos corpos através do movimento acelerado e contínuo. Sentimos que, mais do que nos mudar, nos sublinhou mais essa característica que já trazíamos na mala das intenções: tocar para que se dance.

Celebram estes dez anos de banda muito bem acompanhados em três concertos especiais. O que levou à escolha da Nancy Vieira, da Mayra Andrade e da Lura para estas festas de celebração no B.Leza? De que forma cada uma delas reflete a essência e história de Fogo Fogo?

Desde o nosso início que a presença e participação de compositores e/ou intérpretes do género sobre o qual mais incidimos é mister. Não poderíamos deixar escapar a oportunidade de, face à celebração de uma data tão especial, regressar ao nosso costume de partilhar o palco com quem admiramos, com quem partilhamos gosto e estilo musicais. Ter a possibilidade de partilhar o nosso décimo aniversário com tamanhas entidades do estilo que tanto nos move, parece-nos a chispa certa para o “incêndio” necessário! Identificamo-nos grandemente com as idiossincrasias de cada uma das artistas, e, à medida que vamos tendo a oportunidade de estarmos próximos — sorte que já tivemos em diferentes momentos — vamos melhorando tanto a nossa relação com as suas formas de criar, como saímos sempre inspirados para fazer mais e melhor. São três artistas muito inspiradoras para nós, linhas mestras da música cabo-verdiana, assim como da nossa música em particular. 

O que é que têm planeado para estes três concertos e que podem antecipar com o público?

Temos planeada uma festa em três atos, em que cada um desses capítulos revela diferentes faces da banda com convidados e alinhamentos feitos à medida. Estamos também a criar algumas lembranças que cada um poderá levar consigo, recordando assim estas noites que de tudo vamos fazer para que sejam memoráveis! Muita coisa pode acontecer e temos ainda muitas ideias a alinhar pois queremos que seja uma celebração à nossa maneira!

Em dez anos de palcos, lembram-se de alguma história com o público que vos tenha marcado particularmente?

São sempre muito intensas as nossas relações com o público, por isso é fácil e natural termos histórias várias. Difícil é escolher uma! Um exemplo dessa ligação com o público aconteceu nos Açores, onde uma chuvada que mais parecia uma cascata de S. Pedro de mais de meia hora, não demoveu ninguém da linha da frente. Neste exemplo o nosso “fogo” aqueceu os ânimos, enquanto que, contrastando elementos da natureza, quando tocámos no Andanças, onde nesse mesmo dia nos apresentámos para um público na sua grande maioria vítima de um incêndio que resultou em quatrocentos e tantos carros carbonizados, aí o nosso “fogo” teve que arrefecer os mesmos! Já testemunhámos o início de uma relação amorosa na primeira fila de um concerto, diante dos nossos olhos, já tiraram os sapatos a um dos vocalistas em pleno concerto. Recentemente, marcou-nos particularmente o público do concerto em Poitiers, França, onde havia seguramente metade da plateia a cantar grande parte das músicas, em crioulo e português! Foi lindo!

Ao longo destes dez anos, como sentem que evoluiu a receção à vossa música? Olhando para este percurso, sentem que o funaná em Portugal ainda tem muitos espaços e públicos por conquistar?

Ao longo destes dez anos temos vindo a observar que cada vez mais gente nos conhece e, por isso, também começa a conhecer os clássicos daqueles que nos influenciam assim como os nossos originais. É bom ver que o público está cada vez mais disponível para incorporar este tipo de música e a celebrá-la com danças de modo a espantar o espírito. Reparámos que muitos artistas de música ligeira portuguesa, ou mesmo de música mais comercial e mainstream, abraçam o funaná nos seus repertórios, porém, há ainda muito chão para caminhar! 

Sendo vocês uma banda que nasceu ao vivo e que se fez em palco, como olham a evolução do setor da música ao vivo nesta última década em Portugal e quais os principais desafios que se enfrentam hoje?

Acreditamos que os concertos, e não só, são fundamentais na construção de uma cultura que se quer particular, crescente, com identidade, um eco do seu povo. Portugal é um reflexo do que acontece na Europa e Estados Unidos, onde as programações culturais sofrem com uma expectativa imposta pelos números, pelo lucro, e nem sempre pela importância dessa identidade e rasgo cultural. O ambiente é de saturação de mercado, onde a maioria dos média impõem a ideia de que, ou estás e fazes parte do momento, ou para ti esse momento nem existe. O medo de perder o momento, ou “F.O.M.O.” como dizem os estadunidenses, é uma arma muito usada na forma como se seduzem as massas a consumir “cultura” em geral. Combater esses movimentos que diminuem o espírito crítico do público e aumentam uma espécie de reação ansiosa de estar presente é imperativo nos dias de hoje. Acreditamos que trazer espaço para muscular o espírito crítico individual é um dos grandes desafios do mundo atual. 

Olhando agora para o futuro, como é que projetam a próxima década? Que conquistas gostariam de alcançar enquanto grupo?

Fogo Fogo sempre foi um conjunto musical com passos alicerçados, ora na tradição, ora na renovação de valores: um pé transporta a tradição, o outro a reforma. Não sabemos ao certo onde vai dar o caminho, mas sabemos que esse continuará a ser o nosso caminho: nem sempre com muitos passos, porém com passada certa. Abrir caminhos além fronteiras, sobretudo tocar em Cabo Verde é algo que sempre perseguimos e gostaríamos muito de cumprir. 

Diziam-nos numa entrevista recente, a propósito da edição de Nha Rikeza, que as canções ainda podem ser uma arma. Num mundo e num país onde regressam em força os discursos de ódio, a xenofobia e a violência racista, que papel podem ter a música e os músicos nestes tempos de resistência? 

A cultura sempre foi uma arma de combate à ignorância, à imposição que promove a repulsa pelo diferente e consequente conflito entre diferentes. Diminuir a cultura é diminuir as chances que temos de crescer enquanto povo, de alargar os nossos horizontes principalmente dentro das nossas cabeças! Nesse sentido, a música e os seus intervenientes têm a possibilidade (a responsabilidade?) de mostrar ao seu espaço de ação e influência, seja esse a sua aldeia, país ou até continente, que o mundo é naturalmente heterogéneo, múltiplo, multifacetado, poliédrico, e, quanto melhor o fizerem, mais facilmente o mundo se irá aceitar, e assim sair das trevas do ódio, da violência e da ignorância.


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