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Fotografia: Mário Pires & Nuno Pinto Fernandes
Publicado a: 24/07/2025

Os principais concertos deste ano arrancaram ontem.

FMM Sines’25 — dia 1: do México a Angola, com muita história pelo meio

Fotografia: Mário Pires & Nuno Pinto Fernandes
Publicado a: 24/07/2025

Não é todos os dias que se assinalam 25 jornadas de um mesmo festival. Muitos vêm e vão, poucos são aqueles que perduram e resistem ao teste do tempo e às exigências de um mundo capitalista. Pela cidade de Sines, bem junto ao mar, há uma autarquia que ao longo dos anos, independentemente de quem a preside, faz erguer um festival de ambiciosas dimensões para acolher gentes de todos os pontos do país — e não só, pois o inglês, o espanhol, o francês, o italiano ou até mesmo o português com sotaque do Brasil são línguas que já escutamos com regularidade entre os diversos palcos do evento.

Aqui, o que parece utópico torna-se real. Independentemente do background de cada um, todos convivem durante largos dias no mesmo espaço em perfeita harmonia. As pessoas são calorosas umas com as outras e raro é aquele ou aquela que deambula pelas redondezas sem um sorriso estampado no rosto. Talvez seja um reflexo da própria organização do certamente, feita de muitos funcionários públicos ao invés de players habituados a mover peças no tabuleiro do jogo da indústria, que por isso mesmo colocam o amor e a dedicação acima da perspectiva de retorno no acto de edificar cada nova edição do FMM.

Em 2025, há um sentimento de orgulho redobrado por se chegar a um número redondo de capítulos. Esse primeiro quarto de século do festival dá mais motivação na hora do fazer acontecer e inspira a esforços adicionais com vista à celebração. Nesta 25ª edição, por exemplo, promove-se um recapitular de toda a história que trouxe o FMM até aqui através de merchandise exclusivo e mais ambicioso, como os hoodies e as t-shirts que assinalam esse importante marco numérico, mas mais ainda através de um grande e luxuoso livro recheado de memórias e imagens ou uma edição em vinil em jeito de best of, feito com temas de alguns dos mais importantes artistas a terem passado aqui por Sines desde 1999.

Após um aquecimento em Porto Covo (de 18 a 20 de Julho) e uma primeira e mais pequena parte da programação em Sines (21 e 22 de Julho), o FMM começou a mostrar todo o seu esplendor ao dia de ontem, 23 de Julho, com um cartaz que cobre três palcos distintos — incluindo o mítico recinto no Castelo de Sines — e mais de 12 horas de música praticamente non-stop. Foi esse o dia em que o Rimas e Batidas foi convidado a juntar-se à grande festa que reune músicos de mais de 30 países diferentes e que termina na noite que marca a passagem de sábado (26) para domingo (27).

Foi num clima ligeiramente ventoso e com o sol intermitente que Sines nos recebeu. Às 16h30, o nosso primeiro encontro musical estava marcado com Maria Mazzotta, cantora que carrega na voz as diferentes nuances da folk italiana, incluindo a tarantella tão típica da região de Apúlia, de onde é natural. Seguir-se-ia a veterana Lena d’Água às 18 horas, ela que atravessa um momento de profunda regeneração e parece encaixar-se na perfeição com a pop do presente, sendo por isso um nome que tanto consegue agradar a avós, pais e filhos — não faltaram grandes clássicos como “Robot”, “Demagogia” e “Sempre que o amor me quiser”, mas também novos êxitos como são os casos da divertida “Hipocampo” ou da audaz “Pop Toma”.

De jantar tomado e indumentária adaptada ao frio que se instalava com a entrada no turno da noite, regressámos à principal artéria do FMM para mais uma tripla dose de concertos. Vinda do México, a partir das 22h15 Julieta Venegas mostrou-nos porque é um dos maiores nomes da música do seu país no presente milénio, ela que mescla as suas raizes com um formato de canção pop-rock e é capaz de conquistar qualquer tipo de ouvido pela forma descomplicada e minimal com que consegue criar arte sem perder um cunho pessoal.



O nome mais esperado pela grande maioria dos festivaleiros era o que entraria em cena logo a seguir, às 23h30. Tratava-se de Youssou N’Dour, um poderoso tenor senegalês que chegou a ser incluído numa lista de melhores cantores de todos os tempos levada a cabo pela prestigiada Rolling Stone. Com uma banda arrojada — tanto na técnica como no próprio número de músicos em palco —, foi aquele que melhor conseguiu comandar as massas neste primeiro dia do FMM. A barreira linguistica — e até musical, já que a sua estética em nada se assemelha ao que costumamos escutar no dito “oeste” — nunca se fez sentir, pois todos dançavam alegremente e seguiam cegamente os pedidos para levantar os braços ou bater palmas no ritmo. Visto cá de trás do recinto, a moldura à nossa frente pareceu sempre uma grande coreografia humana, tal era a adesão aos pedidos dos músicos em palco. Especial destaque para Moussa Sonko, bailarino que faz parte do conjunto e que, provavelmente, protagonizou os passos de dança mais arrojados de todo o festival (e ainda só vamos no primeiro dia…), e para o grande momento que todos aguardavam, a chegada ao tema “7 Seconds”. Foi impressionante, pois bastaram soar os primeiros acordes para que a grande coreografia humana adoptasse o passo de “erguer o telemóvel”. Praticamente ninguém quis perder a oportunidade de filmar esse clássico de 1994 que atravessou barreiras e conquistou lugares nas tabelas de vendas do mundo inteiro, aqui em Sines com uma das cantoras do coro a fazer a vez de Neneh Cherry (cuja voz está eternizada na versão de estúdio) ao lado de N’Dour.

Findado o espectáculo do veterano senegalês, o recinto montado no Castelo, que estava muito perto de completamente lotado, começava a mostrar alguns espaços livres que só nos ajudaram a ter margem de manobra para podermos dançar ao som da maior lenda presente no cartaz deste primeiro dia. No auge dos seus 82 anos, José Adelino Barceló de Carvalho mostra uma vitalidade que facilmente rivaliza com aquela que tinha durante a fase mais gloriosa da sua extensa carreira. Mundialmente conhecido por Bonga, o grande mestre do cancioneiro angolano apresentou-se ao leme de uma banda bem populada na qual reconhecemos imediatamente o rosto da prodigiosa trompetista e cantora Jéssica Pina. Entre eternos clássicos da lusofonia como “Mulemba Xangola”, “Mariquinha” ou “Frutas de Vontade”, abrilhantou a performance com a sua habitual boa disposição ao microfone — como quando tocou “Olhos Molhados” por apenas 10 segundos e, entre sorrisos, provocou a plateia ao dizer que sabia que era das canções mais desejadas mas que não nos ia dar mais do que um excerto — e com apontamentos de percussão em dikanza e num par de tambores. A hora tardia — o concerto estendeu-se um pouco para lá das 2 horas da manhã — não o fez fraquejar, ao contrário dos técnicos de som, que por várias vezes deixaram escapar um feedback que foi incomodando alguns ouvidos e os próprios artistas em palco. Só não ascendemos aos céus por ter ficado em falta a sessão espiritual à boleia de “Mona Ki Ngi Xica”.

A festa prolongou-se madrugada fora já mais junto ao mar no palco montado na Vasco da Gama ao som do psicadelismo com laivos de rock, funk e outras tradições levado a cabo pelas bandas Ali e Zar Electrik.


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