[TEXTO] Moisés Regalado
Tradicionalmente prolífico mas discreto, o bairro de Flatbush emancipou-se no início da década, assumindo-se como berço de uma nova escola descomprometida mas ambiciosa, ponto de encontro entre estilos e ponte entre gerações. De lá saiu o grupo composto por Erick Arc Elliott, Meechy Darko e Zombie Juice mas também a dupla formada por AKTHESAVIOR e Issa Gold, conhecidos por Underachievers e orgulhosos conterrâneos dos zombies de Flatbush, tal como prova a sua discografia — encontramos títulos como The Lords of Flatbush ou It Happened In Flatbush.
O colectivo Beast Coast, resultado do trabalho destes cinco amigos com os vizinhos da Pro Era, reforçou a presença da Big Apple no mapa do movimento, numa altura em que o berço da cultura se mostrava cada vez mais incapaz de competir com as inovações estéticas e o ritmo de trabalho imposto pelos estados do sul ou do oeste. Se por um lado a crew de Joey e Capital Steez voltou a globalizar o boom bap, a influência dos Flatbush Zombies pulou a cerca e não será exagero afirmar que, havendo trap tipicamente nova-iorquino, há uma enorme fatia do bolo que lhes pertence.
A produção de Erick serviria qualquer nativo de Atlanta, apesar de assentar que nem uma luva nas frases proferidas pelo próprio, num registo cada vez mais linear e próximo do tom de Zombie Juice, rapper que, independentemente dos BPMs ou das paisagens sugeridas pelos samples, nunca deixa de soar a Brooklyn e a Nova Iorque. A ausência de dicas surpreendentes é facilmente esquecida perante os seus exercícios de métrica, suficientes para entreter qualquer entusiasta da East Coast — ainda que alguns dos piores refrões de Vacation In Hell também sejam fruto do seu trabalho.
Mas o grande trunfo é Meechy (sem nunca ignorar a solidez de Juice e de Arc). Só assim se explica que a prestação absolutamente avassaladora de Joey Badass em “Vacation” seja facilmente esquecida depois da entrada de Darko, que reclama para si todas as atenções com uma apresentação tão simples como “I just got back from Australia”. Isso. A capacidade com que aglomera o melhor de ODB ou Tupac, sem nunca dissociar a entrega do imaginário, fazem de Darko um factor diferenciador que, feitas as contas, separa o sucesso deste trio daquele que tem bafejado, por exemplo, o percurso dos Underachievers.
O consumo de drogas é já um dado adquirido no universo dos Flatbush Zombies e, talvez por isso, assume-se cada vez menos como assunto de eleição. Os exercícios de ego, principal elo de ligação entre as dezanove faixas do novo LP, estão agora mais virados para dentro do que para adversários, reais ou hipotéticos, numa clara prova de amadurecimento. O recurso a referências, aposta da crew desde o single “MRAZ”, voltou a ser táctica para abordar algumas das músicas. Verdade seja dita: semelhante opção começa a soar a gimmick e a perder o peso que só uma homenagem singular consegue ter.
Vacation In Hell acrescenta pouco ao que os próprios já tinham inventado. A irreverência com que se estrearam e destacaram, aqui doseada a conta-gotas, começa a fazer falta e impede que a maior parte dos temas se tornem apetecíveis para ouvir em repeat, principalmente se perdidos numa tracklist tão extensa. E será esse o único problema do álbum. Com mais de uma hora de duração e sem grandes preocupações conceptuais, basta um refrão menos conseguido, um instrumental menos polido ou um par de versos inconsequentes para se perder o fio à meada.