Desde o fim da Think Music, label a que estava associado e com quem trabalhava, que Fínix MG tem sido um rapper menos presente — contam-se pelos dedos de uma mão os lançamentos desde então. Porém, talvez “Black Marshall”, o seu novo single, possa servir como um ponto de viragem: com uma pequena mas empenhada equipa à sua volta, o artista de Massamá mostra-se interessado em partilhar música com os ouvintes, sobretudo num registo autobiográfico e confessional, introspectivo e relacionável, como faz aqui nesta alusão à história de Eminem na qual se revê.
De pés na terra e de forma transparente, partilha com Edi Ventura uma faixa honesta onde descreve e reflecte sobre as suas experiências de vida, abrindo as páginas do seu diário para contar “mais uma untold story nesta selva de betão”. É o que se propõe a fazer, uma vez mais mas de outra maneira, ao responder a algumas questões do Rimas e Batidas sobre este tema e aquilo que perspectiva daqui para a frente.
Nos últimos anos tens lançado menos coisas mas em 2024 apresentaste dois temas — “King da Zona” e “Tu És O Meu Par” — que até representam diferentes facetas tuas. Dirias que “Black Marshall” dá o pontapé de partida para uma fase em que estarás mais activo? Estás a preparar algum projecto?
Eu gostaria que fosse o início de uma fase mais activa mas o amanhã só o universo sabe. Se não aparecer nenhum entrave, o meu objectivo — e o dos meus irmãos que estão comigo na música: o Lemos (manager e agente), o Drilax (produtor) e o Kagex0 (produtor e técnico de som) — é dar muita música às pessoas. Para já, serão faixas soltas; “projecto”, na minha perspectiva, é para artistas grandes. É levar um dia de cada vez mas com consistência. A forma como a cultura está hoje em dia já não exige “a million dollar plan”. Com um iPhone e reels dá para construir uma fan base sólida. Mais à frente, quem sabe, um álbum.
Fala-nos da construção desta faixa. Foi a partir do beat que escreveste? A letra é bastante auto-explicativa mas se puderes elaborar sobre ela… Como é que te revês nas vivências do Eminem para te apresentares nesta track como Black Marshall?
Inicialmente escrevi isto para um beat da net. Depois falei com os CosaNostra, eles fizeram a magia que fizeram e o Drilax deu os últimos toques na pós-produção. Sempre achei a história do Eminem semelhante à minha a nível do seio familiar, background social e até cultural, tendo em conta que ele foi parar ao outro lado da cidade dividido pela 8 Mile Road. A energia do B-Rabbit, se vires o filme, é muito introspectiva — alguém que não partilha todos os seus fardos. Aquela pessoa “outstanding” a nível de valores e talento, o diamante na terra que se sente sufocado pela classe operária de onde vem e que se sente ignorado pelo mundo. I don’t know… Relatable, suponho. Tenho um amigo próximo, o Marcos, que sempre me disse que a minha história é parecida à do Em. Talvez isso também tenha influenciado.
Como é que o Edi Ventura entra na faixa? Porque é que o convidaste para este tema em específico?
O Edi é negro e vem de um background humilde também. É alguém super inteligente que, se tivesse crescido num ambiente de colher de prata, provavelmente não teria tomado certas decisões e estaria a prosperar na vida aqui em Portugal — seja num trabalho como engenheiro, médico, informático, supply chain manager, etc., ou mesmo no rap (vocês não têm noção do quão difícil é ser rapper sem a estrutura familiar que a maioria dos rappers de classe média da indústria têm). Chamei o Edi porque ele é alguém que veio de baixo e tem algo autêntico dentro desta realidade para contar. E por ser um liricista que eu respeito. As histórias dos babies negros portugueses dos anos 80/90 são muito parecidas: crescer sem muitos privilégios, sentir-se à parte, sem empatia da sociedade da qual supostamente fazem parte e, em muitos casos, serem filhos de pais africanos que foram vítimas do colonialismo. Aquela primeira geração de afro-portugueses que não conseguiu quebrar o ciclo.
É precisamente essa expressão pessoal, a partilha do teu diário em forma de rap, que te continua a estimular para escrever e gravar?
Foi o que sempre me estimulou — infelizmente as pessoas não sabem. Eu tentei fazer este tipo de música desde os tempos da Think Music e fui extremamente bloqueado de executar trabalhos assim pelo producer da altura. Quando entrei na Think, tive de mandar para o lixo um EP com várias faixas como o “Black Marshall”. Producer da altura, again. Quando fiz o “Sonhos São Feitos Disso”, que tem essa energia que eu adoro e acho que faço bem, a mesma pessoa não achou muita piada e cheguei mesmo a perder acesso ao estúdio. Pós-Think, ia trabalhar com alguém cimentado na indústria — essa pessoa ia pôr-me na Universal num 360 deal — mas, once again, senti que este tipo de rap tinha de estar out of the picture. Uma das razões pelas quais trabalho com a equipa que tenho agora, pessoas super talentosas, é a liberdade que tenho para explorar este meu outro lado artístico. Faixas mais conscientes, introspectivas, alternativas — you name it, I have it all. Apesar de não estar a lançar muita música, tenho carradas de letras deste estilo. São sons que vou dar aos fãs e acho que é necessário, porque Portugal está com falta deste tipo de rap. Sinto que os rappers mostram cada vez menos sentimento nas músicas e fazem cada vez menos som com que o average Joe se consegue identificar. Os meus rappers preferidos faziam esse tipo de música: Pac, Kanye — o “Roses” do Kanye… não há nada mais culture do que isso. O DMX literalmente rezava e chorava em palco. Eu sou da era dos Pacs, dos Jays. É impossível que a “música que vem do coração” não ser o motor que me faz continuar.