Fidju Kitxora prepara-se para se apresentar no FMM Sines já no próximo dia 26 de Julho. Oportunidade para testemunhar de perto um dos mais interessantes projectos deste agitado presente, que aí apresentará, em palco e sem rede, uma reflexão sobre as profundas questões impostas pela diáspora, numa performance plena de energia que nos confronta com o lugar do outro no cosmos.
Explica-se na apresentação do concerto no FMM que: “Um português filho de mãe cabo-verdiana parte para Cabo Verde e, durante três meses, percorre 400km a pé. Encontra família que não conhecia, o solo das suas raízes, música. Fidju Kitxora explora o tema da pós-diáspora, o sentimento de ausência dos filhos de quem partiu. Um coletivo, uma entidade misteriosa e fluida onde acorrem o calor do funaná, o balanço do semba, as síncopes do kuduro e da afro-house e muitas misceginações. Há gravações de campo, sintetizadores a planar, samples vocais, uma torrente de batidas que não é possível conter. Há um álbum, Racodja (2024). Dança com alma num palco da praia a ferver”.
Dança com alma, de facto, providenciada pelas programações de Fidju Kitxora, pela bateria e demais percussões de Juninho Ibituruna e pelas guitarras, pads e ferrinho de Henrique Silva, que bem conhecemos de Acácia Maior. Fidju Kitxora respondeu a algumas perguntas do Rimas e Batidas e levanta o véu sobre esta passagem por Sines.
Fidju Kitxora tem conseguido alguma notoriedade graças aos enérgicos concertos que tem assinado. Desse lado, esse crescimento de interesse no vosso projecto tem sido sentido?
Pessoalmente, não é algo que me afete muito na forma como estou na música — e acho que isso se aplica a todos nós que estamos envolvidos neste projeto. Temos uma grande vontade de fazer música e de estarmos juntos ao vivo. Então, não é algo que me conecte muito. Também não tenho uma noção muito clara de como está o nível de notoriedade. Acho que, nesta fase da nossa vida, há coisas às quais já não ficamos tão suscetíveis.
A performance ao vivo tem vindo a transformar-se de alguma maneira pela experiência? Registas evolução nesse plano?
A experiência ao vivo vai sempre aprimorando a própria experiência. Ou seja, nós nem sempre dedicamos muito tempo a ensaios, então aproveitamos muito os concertos e a possibilidade que damos a nós mesmos de improvisar, dentro de um roteiro já montado. Usamos esses momentos para gerar novas ideias, e cada concerto acaba por ter a sua própria especificidade — seja pelo contexto, pelas pessoas envolvidas, pela atmosfera ou pelo nosso estado de espírito. Também há ali um lado meio dramatúrgico que nos leva a criar novas ideias. Acho que a experiência de palco tem enriquecido a nossa maturidade na forma como partilhamos esse repertório. Existem aqui dois mundos: o mundo performático, onde há presença e relevância de quem está em palco — músicos e performers —, e o mundo do estúdio, que é um espaço mais recolhido da minha parte. Esses dois mundos acabam por se entrelaçar ao vivo, sempre com um certo grau de espontaneidade e liberdade que cada integrante tem.
Fidju Kitxora tem tido apresentações em contextos muito diferentes. Já perceberam qual é o vosso público? Isso é algo que vos interessa, perceber quem está do lado de lá da “barricada”?
Isso é super curioso. Acho que houve duas experiências muito interessantes: Serralves e o Nascentes. São dois eventos que, ao nível do público, agregam pessoas diferentes — não necessariamente o público habitual dos festivais, aquele entre os 18 e os 65 anos, por assim dizer. De repente, vemos crianças! Nos dois havia crianças e também pessoas mais idosas — especialmente em Serralves, porque o concerto foi relativamente cedo. Havia lá pessoas mais velhas a vibrarem e a reagirem fisicamente, e isso é bonito de ver. Por acaso, no último concerto, o filho do Tó Trips, que tem 15 anos, foi ver o nosso concerto. De forma muito despretensiosa, veio ter comigo e disse: “Curti bué o vosso concerto”. Isso, para mim, foi forte. Uma coisa é a nossa geração ou os nossos círculos fazerem elogios ou críticas, porque existe já uma certa relação e um entendimento, dado o modo como estamos integrados em certos circuitos e falamos naturalmente sobre isso. Outra coisa é esta geração completamente distante — com 15 anos — sentir essa ligação. Dá-nos a entender que, afinal, a nossa música tem uma certa transversalidade etária, e isso é bonito. Acho que, no fundo, não tem tanto a ver com idade, mas sim com consciência. Porque a própria música tenta transmitir, de forma dissimulada, certos valores. E qualquer pessoa, de qualquer idade, pode se conectar, se estiver nessa mesma frequência.
Tens alguma relação particular com o FMM Sines? Alguma história para contar? Que te parece o programa e qual a importância que atribuis a este tipo de evento onde músicas de diferentes geografias, tradições e estéticas se cruzam num mesmo lugar?
Pessoalmente, tenho uma relação com o FMM Sines por já ter tocado lá. Curiosamente, todos os outros integrantes também já tocaram. Sou espectador desde o início do festival. E não há palavras para descrever um festival com essa notoriedade internacional, muito por causa das pessoas que o constroem. Quem conhece o Carlos Seixas percebe o porquê da vitalidade deste projeto e dos contornos — sejam eles políticos ou sociais — que ele sempre procura incluir. Mais do que um festival de música e entretenimento, Sines é um espaço para gerar pensamento crítico sobre o mundo em que vivemos. Basta olhar para o line-up para perceber a sensibilidade em relação ao que está a acontecer atualmente. O festival procura traduzir certas mensagens politizadas através da música e da celebração, mas sempre com foco em criar consciência nas pessoas. E, nesse aspeto, Sines é muito sensível e criterioso na curadoria dos artistas que convida. É por isso que ainda mantém essa vitalidade — algo que muitos outros festivais, por uma razão ou outra, acabam por perder ou corromper, distanciando-se da visão original com que foram criados. No caso de Sines, acho que é mesmo único.