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Fotografia: Adriana Melo (Mínima / Porta-Jazz)
Publicado a: 05/02/2022

Melhor arranque era impossível.

Festival Porta-Jazz’22 – Dia 1: Heart Ensemble of Invicta

Fotografia: Adriana Melo (Mínima / Porta-Jazz)
Publicado a: 05/02/2022

Será justo pensar na Associação Porta-Jazz como o coração que faz palpitar a cidade do Porto e no colectivo Coreto como uma das suas mais vibrantes manifestações. Ontem, esse mesmo Coreto brilhou com intensidade no primeiro de três dias de programação que enchem de jazz o Teatro Municipal do Porto – Rivoli. Explica a organização que este é um evento carregado de intenções, todas boas, obviamente: “quer-se com este formato de Festival, também e através da multidiversidade transversal e metamorfósica das suas propostas, proporcionar ao público uma visão mais livre dos ornamentos e liturgias de um palco convencional. Um palco aberto e diáfano que na sua transparência, espelha o nu e o cru. Sinónimos de uma arte genuína e humanizante, forjada com a alma e o amor”. Propósito tão claro quanto nobre.

O Bloco 1 do Festival (a programação completa promete sete blocos distintos de concertos até amanhã à noite) compreendeu apresentações de Suspenso, novíssimo álbum do cantor Manuel Linhares, e também de A Tribo, a mais recente criação do Coreto. E foi precisamente o colectivo liderado pelo saxofonista João Pedro Brandão que começou por subir ao palco. Com os 12 músicos posicionados, Manuel Linhares deu então início à sua viagem por Suspenso, disco que foi criado nestes tempos que atravessamos, suspensos entre uma já difusa ideia de normalidade e a antecipação de um futuro que se deseja tão próximo quanto distinto deste já demasiado longo “agora”. Não é comum escutar-se uma voz, masculina ainda por cima, rodeada por uma ampla secção de oito sopros, e, por isso mesmo, o arranque do concerto foi empolgante, com Linhares, de voz e presença elegante, a revelar ser perfeitamente capaz de suportar o “embate”.

Depois da apresentação de uma das duas colaborações com o Coreto que consta do alinhamento de Suspenso, o tema “Sentimental Illness”, o palco esvaziou-se para a entrada do trio que acompanhou Manuel Linhares durante todo o concerto: Paulo Barros no piano, José Carlos Barbosa no contrabaixo e João Cunha na bateria. Um trio que a dada altura se expandiu com a chegada do teclista brasileiro António Loureiro, músico que foi responsável pela produção deste novo álbum.

Em Suspenso, com um par de excepções, as peças têm todas a assinatura do próprio Manuel Linhares, tanto a letra como as composições, sinal de um talento que não se manifesta apenas na qualidade interpretativa. E Linhares escreve em inglês e português parecendo, ao vivo pelo menos, que a sua entrega adquire um empenho extra no plano físico, espelhada na sua mais ampla gestualidade, quando é na língua nossa de Camões que se expressa. De Camões e de Capicua, já que a artista portuense, presente na plateia, assinou as palavras de “Dança Macabra”. E quando o som geral se electrifica com a chegada de Loureiro e a passagem de José Carlos Barbosa para o baixo eléctrico, a voz de Linhares ganha outro ânimo, cedendo espaço na solenidade para puxar mais pelas emoções que a sua garganta também consegue produzir. Entre balanços de subtil tropicalismo e arremedos mais clássicos, Linhares exibe uma classe plena e uma alma funda que no final une a muito bem composta plateia do Grande Auditório em justo e consensual aplauso.

Depois regressa ao palco o Heart Ensemble of Invicta: João Pedro Brandão no saxofone alto e flauta e subtil direcção, José Pedro Coelho e Hugo Ciríaco nos saxofones tenores, Rui Teixeira no saxofone barítono, Ricardo Formoso no trompete e fliscorne, Gonçalo Marques no trompete, Daniel Dias e Andreia Santos no trombone, Hugo Raro no piano, José Carlos Barbosa num segundo turno no contrabaixo, AP na guitarra e José Marrucho na bateria. O Coreto é uma entidade especial, maleável, tão capaz de swingar de forma coesa como de se espraiar em mais abstractas orquestrações, de soar romântico ou cinematicamente tenso, de ir Hollywood à Cinecittà enquanto o diabo esfrega um olho. Essa elasticidade, muito assente nos imaginativos arranjos que fazem uso de toda a amplitude cromática do grupo e das muito pronunciadas capacidades técnicas e interpretativas de todos os seus elementos, transforma cada concerto do Coreto em manifestação celebratória do prazer de fruir o acto criativo, da amizade, da simples possibilidade de vibrar colectivamente. E com isso todos nos elevamos. Uma celebração que começa no palco, mas logo se estende à plateia. Melhor arranque para esta 12ª edição do Festival Porta Jazz seria impossível.

O festival prossegue hoje com apresentações, logo às 16 horas, de Vera Morais & Hristo Goleminov e do Ensemble Robalo/Porta Jazz (Palco GA e Sub Palco). Depois, no Bloco 3, pelas 18h15, haverá espaço para apresentações de Joana Raquel e Miguel Meirinhos e ainda de Puzzle 3 (Pequeno Auditório). Finalmente, à noite, pelas 21h30, estão programados concertos de Demian Cabaud e de Hugo Raro (Grande Auditório).

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