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Fotografia: Gonçalo Barranqueiro
Publicado a: 05/09/2022

Despedida com os olhos postos no futuro.

Festival F’22 – Dia 3: vozes de veludo, garrafões de vinho e mosh pits atrás de mosh pits

Fotografia: Gonçalo Barranqueiro
Publicado a: 05/09/2022

No terceiro dia de Setembro, o último dia do “maior festival de música portuguesa”, conforme dito por Dino D’Santiago num dos momentos altos desta esplêndida noite no F, chegou — e que bela despedida estava reservada. Esta época do ano em Faro é sinónima de calor, praia, descanso, mas com o fim de Agosto/início de Setembro as palavras “música”, “festa” e, sobretudo, “cultura” começam a ganhar muita força nesse mesmo lote — culpa deste festival.

A nossa entrada deu-se apenas quando a noite havia caído e, com ela, algum frio pouco característico das amenas noites algarvias também se instalou, mas Ivandro tratou disso rapidamente com a sua actuação no Palco Sé, que aqueceu (e muito) o coração das centenas de pessoas ali presentes. Acompanhado de DJ, baterista, baixista e guitarrista, este artista interpretou vários temas em que o seu talento vocal foi peça-chave e entusiasmou os presentes, encantando uma plateia bem composta neste segundo concerto da noite na Sé. Para além dos originais, tempo para alguns covers como “Monarquia”, de Diogo Piçarra e Bispo, e claro, os seu maiores hits como “Imagina” e “Essa Saia”. Preencheu e bem o palco sozinho na questão da voz, várias vezes fazendo a vez dos seus companheiros de faixa — de maneira irrepreensível e com um cunho interessante, demonstrando também a seu versatilidade. Debaixo da manga, um inédito, “Noite”, que em breve verá a luz do dia foi também trazido a palco pelo artista e promete continuar a encantar toda a gente com a doce voz que tem feito imenso sucesso por terras lusófonas. Despediu-se com um momento bonito dedicado a todas as “moças sexy”, fazendo adivinhar o que surgiria segundos depois: o hit “Moça” para deleite da plateia que fez questão de acompanhar Ivandro a plenos pulmões.



“São poucos os lugares em que posso sentir o Sotavento e Barlavento algarvios no mesmo sítio”. Esta foi uma das frases com as quais Dino D’Santiago gracejou o seu vasto público nos momentos iniciais deste que era um dos concertos mais aguardados da noite no F, ali mesmo junto à Ria Formosa, demonstrando-se bastante agradado e satisfeito por estar a jogar em casa, no seu Algarve, a poucos quilómetros da sua terra-natal, Quarteira. O autor de BADIU surgiu sozinho em palco, apenas  circundado de uns LEDs que iam fazendo um jogo de luzes bem interessante ao ritmo dos vários temas super mexidos que ia soltando uns atrás dos outros, e que fizeram questão de não deixar ninguém imóvel. Vestido a rigor com o logo de BADIU no peito, título do seu mais recente projeto, Dino proclamou com um sorriso na cara que estava a pisar o palco do “maior festival de música portuguesa do país”, aqui no “nosso” Algarve, como disse com todo o orgulho.

A espaços, a sua prestação vocal ao vivo superiorizava-se às versões de estúdio no seu background a compor e a dar corpo à actuação. Foi rodando temas de BADIU mas sempre com KRIOLA à perna, assim como outros temas mais antigos de Mundu Nôbu de 2018. “Nova Lisboa” até teve tempo para uma pequena brincadeira pelo meio com troca no verso, incluindo as palavras “Faro” e “Quarteira”, algo obviamente recebido com satisfação pelo público. “A ideia é ser quem queremos ser, as nossas escolhas são as nossas escolhas, cada cabeça, sua sentença” ouviu-se entre repetições de refrões e até um pequeno encore. Entre movimentos de cintura que mais faziam lembrar Fernando Chalana, que nos deixou recentemente, em campo, Dino soltou o seu remix de “Mbappé”, num dos momentos mais agitados e dançáveis para agrado de grande parte da plateia que não se conseguiu conter e acompanhou a batida contagiante deste tema.

“Escrevi esta a pensar na minha avó Tareza”, revelou Dino enquanto ecoava o instrumental cheio de África e groove, seguido de uma performance sentida de “BRAVA”, dedicado à falecida avó. Momentos depois dessa bonita dedicatória, tempo para um pequeno e arrepiante skit dedicado a todas as mulheres, com palavras carregadas de empoderamento feminino, antecedendo “Badia”, que levou grande parte da plateia a escutar de forma bem atenta cada verso que Dino ia debitando, num crescendo bem audível de apoio e reconhecimento das vivências e solidariedade para o público feminino. A capacidade de interacção de Dino é absolutamente impressionante — juntando isso a todo o seu carisma e capacidade de leitura de público, temos um entertainer de algo gabarito, mas há algo que se sobrepõe a tudo isso: a sua amplitude vocal é absolutamente incrível, num patamar quase incomparável e único no panorama musical português. Teve uma das actuações mais bem conseguidas desta sétima edição do festival, com vários episódios de destaque, principalmente quando desceu até ao meio da plateia do F e ficou bem ao lado do seu irmão Elísio Pereira, que fora anteriormente mencionado por Dino no início desta sua sublime passagem pelo palco RIA.  



Entre deslocações para palcos, bem que tentámos entrar e visitar o Quintalão para escutar de perto Domingues, mas este palco estava tão entupido que apenas se conseguiu vislumbrá-lo bem de longe, naquela que parece ter sido uma actuação de bom nível deste músico que tem ganho bastante espaço na cultura musical portuguesa. Esta lotação é prova ímpar do seu sucesso, uma das grandes surpresas da noite! 

E por falar em surpresas… as pessoas no centro histórico da Sé não queriam esperar pela hora do concerto de Chico da Tina, tal era o entusiasmo e durante largos segundos foi bem audível os gritos de chamada pelo jovem artista que entraria em palco passado alguns minutos. De uma ponta à outra do palco, o rapper de Viana do Castelo extasiou as pessoas presentes mal entrou em cena, acompanhado pela sua crew de praticamente 10 pessoas, de onde destacamos o rapper tripsyhell, hype man em permanência na actuação. Com uma indumentária sempre peculiar, azul era a cor predominante em palco, mas o público foi incessantemente dando luz verde a todos os pedidos de Chico: desde cumprimentar o “vizinho” de concerto à esquerda e direita, a fazer corações com as mãos e aos imensos focos de mosh pit tão habituais nos concertos deste (t)rapper do Minho.

O fenómeno à volta deste artista é das maiores provas de como a Internet realmente conseguiu e consegue encurtar quaisquer distâncias: esta Minho Trapstar tomou a Sé de Faro e a cumplicidade com o público era tanta que julgámos estar a presenciar um concerto de um nome bem assíduo pelos palcos algarvios, mas desenganem-se: era a sua estreia em Faro, como o próprio referiu. Não só bom rap se faz em Viana do Castelo, mas também vinho – sim, leram bem bem. De garrafão de vinho caseiro em punho, Fredo da Tina, um dos fiéis colaboradores de Chico da Tina, subiu a palco para um momento extremamente divertido, onde o próprio revelou que o que trouxera tinha uma “pomada” caseira feita por ele e Chico, orgulhosamente debitando todas as características deste belo exemplar. Depois de Luís Alfredo Teixeira Barroso, pedimos desculpa, Fredo da Tina, ter protagonizado um divertido momento, tempo para regressar à música. A clássica concertina de Chico lá apareceu, quase que como uma extensão do próprio, face à mestria que demonstrou do instrumento, fazendo jus ao seu nome artístico, com direito a uma quadra que levou toda a gente a uma risota generalizada: “De beber, de beber, de beber não posso deixar, se o vinho é que alegra a gente, eu fico contente por me emborrachar”. Profundo.

De seguida, novo pedido do artista que queria incendiar de vez quem marcou presença: “Toca a abrir uma roda como deve ser porque chegou o momento da verdade”. A partir daqui fica difícil relatar por palavras tudo o que foi acontecendo na Sé de Faro, mas assim, como o centro da cidade, a actuação arrancou para um estatuto histórico. Com o seu DJ à rectaguarda, Chico fez questão de demonstrar que não só entrou com o pé direito na sua estreia em Faro, como não arredou pé até ao fim da sua passagem pelo F, soltando os maiores hits da sua carreira como “Freicken”, “Nós Pimba”, “Dior Freestyle”, “Resort” e, pelo meio, ainda teve tempo para fazer de Faro a sua verdadeira “Vice City”. O ritmo ficou estonteante, porém Chico soube dosear bem os temas mais electrizantes, recuperando o fôlego geral com temas mais calmos de modo a gerir a energia e o próprio público… que não deu sinais de abrandar em qualquer momento do concerto, mas se há virtude em Chico é ser um leitor e controlador de público exímio. Se a plateia se tornou um verdadeiro caos apenas comparável àquilo que vivenciámos no primeiro dia do festival no concerto de Lon3r Johny, o tomo final do festival deu espaço para uma novidade: o parceiro Fredo da Tina foi para o meio da plateia para monitorizar os mosh pits, exactamente como Chico pediu. Esta monitorização passava por ter a certeza que estava tudo em ordem, ou aliás, tudo em desordem. E se o ritmo absolutamente escaldante que o concerto tomou não bastasse, guardou para a despedida o remix absolutamente alucinante de MACC para “Todo o Dia”, numa onda muito mais electrónica que chegou ao público precedida de vários pedidos de Chico para abrir ainda mais os mosh pits. O resultado foi caótico: o público farense respondeu afirmativamente e abriu um dos maiores mosh pits que alguma vez presenciei.

Contrastante com este momento, o Minho Trapstar despediu-se do F com novo estatuto: Algarve Trapstar, porque o amor e excitação dos milhares presentes ao longo de toda a actuação foi mais que notório, a legião de fãs ali presentes bem audível e visível, fazendo questão de acompanhar o rapper e a crew num último pedido – e que tal terminar o concerto com um típico comboiozinho português? Faz todo o sentido, não é? 



Encarrilados pelo concerto memorável do Chico da Tina, fomos até ao palco RIA em passo acelerado mas suficiente para ter tempo de recuperar fôlego para chegarmos a um concerto de Julinho KSD, também muito bem composto, que ia trazendo a palco algumas das suas malhas mais recentes do álbum Sabi Na Sabura. Acompanhado em palco por uma banda composta por baterista, teclista e a sua crew Instinto 26, Julinho pôs Faro a “Vivi Good” — plateia fez questão de acompanhar a plenos pulmões este hit do rapper da Linha de Sintra. Mas um dos momentos mais altos desta sua actuação foi quando Fumaxa, o seu DJ, soltou o “Sentimento Safari” até à plateia da capital algarvia que não se conseguiu conter. E houve de tudo: quem o cantasse a plenos pulmões, muita gente a dançar e, sobretudo, boa disposição para esta faixa lançada há mais de três anos. Lançado mais recentemente, foi o tema “KRIOLU” que fez questão de trazer a palco para outro momento que ficou na retina: o timing da actuação fez antever que Dino D’Santiago aparecesse e não desapontou, já que subiu a palco e, lado a lado de Julinho, a química e cumplicidade de ambos era bem evidente a interpretaram de forma irrepreensível esta faixa do álbum KRIOLA.

Encaminhando-se para o fim do espectáculo, Julinho reservou para a despedida novo momento de caos, fazendo lembrar o que havia acontecido há alguns minutos no palco Sé — mais mosh pits e mais caos, nada de novo, só mudou a localização! “Stunka” foi o último tema da noite para o rapper da Linha de Sintra, que até teve direito a repetição, tal foi a adesão e loucura dos milhares que marcaram presença neste último dia do Festival F, ali bem nas costas da Ria Formosa, no popular Largo de São Francisco.

Chegou assim ao fim a nossa passagem pela zona mais a sul de Portugal para um dos festivais com uma das programações mais densas por metro quadrado de cartaz do país, ainda mais relevante se tivermos se considerarmos que é um festival puramente focado em talento e música portuguesa. Dos holofotes da ribalta até aos emergentes, há espaço para uma larga quantidade de artistas no festival F, fórmula essa que se manterá intacta em 2023, conforme anunciado pelo Presidente da Câmara Municipal de Faro, Rogério Bacalhau, numa entrevista concedida à Rádio Comercial onde confirmou as datas da oitava edição do F: 7, 8 e 9 de Setembro de 2023. Com nova edição, também novas dinâmicas e surpresas surgirão naquele que tem sido um festival em constante mutação e evolução, nunca descurando nesse campo da programação, apresentado ideias novas e diferenciadas de ano para ano. Reencontramo-nos em 2023! 


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