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Fotografia: Matilde Fiesch
Publicado a: 22/12/2022

Um gostinho do todo.

Festa do Jazz 2022: um encontro que se reinventa a cada ano

Fotografia: Matilde Fiesch
Publicado a: 22/12/2022

Chegar para os três últimos concertos da Festa do Jazz 2022, numa edição comemorativa dos 20 anos e quando por lá já tinham passado nomes do calibre de Trilok Gurtu, Lantana e o trio DLW (Christopher Dell, Jonas Westergaard, Christian Lillinger), é ficar com a mesma sensação que ir a um casamento e encontrar os bolos de chocolate esborrachados, misturado com croquetes trincados e garrafas a menos de meio. Felizmente que ainda nos podemos socorrer da sabedoria popular e alentar-nos e alimentarmo-nos na expressão – “guardado está o bocado para quem o há-de comer”. Um festival de jazz encontra-se nos antípodas de uma boda, mas mesmo assim ainda houve tempo para nos deliciarmos com excelentes momentos, sem sobras e por completo. Tivemos oportunidade de ouvir HERSE, trio composto por Sofia Sá (voz), Clara Lacerda (piano) e Raquel Reis (violoncelo), Perselí, trio de latitudes várias e de que fazem parte — Fuensanta (voz e contrabaixo), José Soares (saxofone) e Alistair Payne (trompete) — e a finalizar o quarteto com Gonçalo Marques (trompete), Demian Cabaud (contrabaixo), Bram de Looze (piano) e Jeff Williams (bateria).

Uma festa que ao longos destes anos foi capaz de se mover com o tempo, acompanhando-o, mas tentando antecipá-lo, mantendo características que ainda hoje lhe são únicas, como o apoio a jovens músicos, como um dos exemplos mais marcantes. Há já alguns anos, com arraias assentados a oeste, entre o Centro Cultural de Belém e o Picadeiro Real. Neste último, tivemos a oportunidade de assistir à quase estreia, uma vez que se tratava da segunda apresentação do trio HERSE. Nome que remete para a mitologia grega, para as três filhas do rei de Atenas, a curiosidade e as respectivas consequências. Trio que revelou uma desenvoltura bastante interessante e que com a “leitura cantada” de um poema de Maria Velho da Costa como momento mais subtil e sensível da actuação. Um repertório que apresentava um diálogo muito interessante entre o piano de Clara Lacerda, a voz de Sofia Sá e o violoncelo de Raquel Reis, que acompanhava por vezes nas vocalizações. Num registo claramente melódico, entrecortado pelas cordas do violoncelo ora em ligeiramente mais experimental ou perceptivelmente presente no quase silêncio. Concerto que esperamos venha a ter continuidade, até para HERSE mostrarem outra desenvoltura e apostarem noutras texturas. A primeira pequena nota, uma maior preocupação com o conforto térmico da sala teria sido interessante e sobretudo com a luz, demasiada para o espaço em questão e que convida à dispersão.

De textura e da necessidade dela falaram e bem trabalharam o trio que abriu a noite no pequeno auditório do CCB – Perselí. Trio multinacional, no sentido positivo da palavra, constituído por uma mexicana, um português e um escocês, todos com residência em Amsterdão. Com disco recentemente editado e que merece não só a respectiva compra, como uma escuta bem atenta. Se é um facto que a voz de Fuensanta, nos seus diferentes timbres e amplitudes, é digna de destaque honroso, não é menos verdade que os sopros de José Soares e Alistair Payne não só o acompanham na perfeição como conferem uma diversidade e intensidade sonora digna de registo. Acrescentam-se as cordas do contrabaixo, tocadas por Fuentesanta, que amplificam essa profundidade. A aposta dos três músicos se encontrarem em Perselí para aprofundarem novas combinações e estruturas que não tinham cabimento noutros projectos foi claramente ganha. Já com alguns concertos no nosso país, por exemplo no MAAT, mas que se deseja que o regresso aconteça para breve.

Uma camisola da selecção argentina no palco anunciava algo que gerou muitas expectativas e se concretizou ao fim de anos — o tricampeonato de futebol -– e um concerto, também ele, de expectativas altas e que não defraudou. Um quarteto de luxo com figura proeminente na bateria — Jeff Williams, que numa condução segura e bem conhecedora de cada um dos ritmos pautou a actuação do quarteto. Numa analogia grosseira com o futebol, poderíamos afirmar que se trata de Messi com pantufas. Mal se vê, mas quando aparece é com um propósito claro. Continuando nas quatro linhas, deste e doutros palcos, a equipa sempre se mostrou coesa, seja em cada momento a solo seja nos diferentes diálogos que estabelecia. Um som claro, luminoso em certo sentido. Gonçalo Marques com bastante desenvoltura, como é seu apanágio aliás, no trompete, Bram de Looze (piano) e Demian Cabaud (contrabaixo) a conferir uns tintes de alegria, sobretudo este argentino lisboeta, de quem verdadeiramente está em festa, dupla – pela Scaloneta e pelo jazz.

Mais anos e mais festas são imperativos. Como também uma atenção aos detalhes — duas pequenas notas: demasiada “publicidade” no palco e para o facto de colocaram o ponto de venda de discos no exterior do pequeno auditório, sobretudo numa tarde/noite cinzenta. Ninguém merece ficar à porta da festa… desta festa.


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