[FOTO] Joel Aguiar
O novo álbum de Fugitivo foi um dos pratos principais na ementa da última Sexta-feira farta. Depois de rodar durante o fim-de-semana nas vossas colunas, Cara & Coroa é dissecado pelo seu próprio criador no Rimas e Batidas.
Para acompanhar as rimas — das mais sublimes e amorosas às mais aguçadas de egotrip –, Fugitivo ladeou-se de arquitectos da batida que fazem jus ao excelente momento de forma da produção nacional. A Guesswho, companheiro de viagem a quem confiou a produção do seu disco quase na íntegra, juntaram-se Reis ou Ems, que ajudaram a delinear os contornos estéticos que encontramos em Cara & Coroa. DJ Sims (scratch) e Sofia Dutra (voz) são as restantes participações.
A convite do ReB, o rapper abordou cada um dos temas do seu primeiro longa-duração:
[“Intro”]
“A ‘Intro’, curiosamente, foi a última faixa a ser construída para o álbum. Durante a feitura do álbum sempre soube que queria uma intro que fugisse um pouco da estrutura clássica de um álbum. Tudo aconteceu em 24 horas, produção (é a única faixa no álbum produzida por mim), escrita e gravação. Tê-la deixado para o fim ajudou muito a ver a big picture, do que seria necessário transmitir logo nos primórdios do álbum. É uma faixa crua, com 3 instrumentais em 1, a repetição que se nota em cada parte é calculada para que haja uma habituação a cada parte, e transições rápidas que criam algum choque. Espelha-me perfeitamente como artista e faz o mesmo com o álbum. Calma, quietude e consciência nas primeiras duas partes; Ansiedade, motivação e competitividade na última. A Cara e a Coroa a chocarem uma com a outra. “
[“Topo”]
“A ‘Topo’ é um dos singles de lançamento do álbum. ‘Fome’ é a palavra que melhor explica esta faixa. Crer e querer. Produzida pelo Guesswho, um instrumental monstruoso que, como foi apanágio na construção deste álbum, foi feito numa das inúmeras sessões de estúdio que fizemos. É um grito de guerra na cara do movimento, que diz que eu estou cá, para ficar e com os olhos no topo.”
https://youtu.be/DcjASOqvViY
[“De Pé”]
“Segue as linhas da ‘Topo’, uma das faixas disponibilizadas o ano passado e das primeiras a serem feitas para o álbum. Mais crença e egotrip, com toques de sarcasmo durante a maior parte do som e quase que uma descarga de consciência na parte final. De que se não der certo irei ‘morrer’ de pé, sabendo que dei tudo por isto.”
[“Par”]
“A ‘Par’ é uma música com voz própria e que fala por si, numa tentativa de traduzir, tanto musicalmente como na escrita, sentimentos de total cumplicidade. É mais paixão do que amor, e é mais amor do que o resto. O som nasceu de experimentação com uma construção orgânica. O Guesswho a debitar umas notas na Maschine e as palavras a surgirem naturalmente, com a Sofia Dutra a aceitar o convite para ser o meu par, e com a participação do João Toste na guitarra. É mais um dos singles de lançamento do álbum, com direito a vídeo.”
[“O Mundo é Deles”]
“A ‘Mundo é deles’ é uma das minhas faixas favoritas no álbum, tanto por ser das que mais ‘sumo’ tem como também pela forma estranha como nasceu. Foi construída em novembro de 2016, aquando do falecimento do Leonard Cohen, um dos artistas favoritos do meu pai e que sempre marcou presença na minha casa através da sua música. Quando soube [da morte] fui ouvir um dos álbuns dele (o último se não me engano), e encontrei esse sample. Pela mesma altura, o Trump foi eleito e, acho que de forma subconsciente, isso teve impacto no tema. Escrevi e gravei em cima do sample em loop e entreguei ao Guesswho: o resto é história. Quanto ao tema em si, tentei-me focar em como o capitalismo funciona e em quanto o mesmo te pode inclinar o terreno, tanto para cima como para baixo, ao mesmo tempo deixando uma mensagem muito simples: valorização própria.”
[“9 às 5”]
“A ‘9 às 5’ foi um dos singles de avanço do álbum e é tão consciente como egotrip. Um híbrido tanto no instrumental do Guesswho como na letra. Por um lado quis transparecer aquela certeza de que só me vejo a fazer música e não quero de forma alguma ter um plano B e, por outro, tive a preocupação de transmitir os receios e angústias universais a qualquer pessoa que ainda não está a colher os frutos do seu sonho.”
[“QMD”]
“A ‘QMD’ é uma faixa especial. O instrumental cria um ambiente muito melancólico e foi isso que quis transmitir com a letra. Foi o ‘despir’ do ego e deixar a escrita e a delivery serem vulneráveis. Uma das tais que são fulcrais para o conceito do álbum, das duas faces da moeda. Aí, temos a ‘cara’.”
[“Atirador Furtivo”]
“Uma das faixas que mais gozo me deu construir, em tom de ajuste de contas. Clássico banger de ‘pé na porta’. Sem medos nem truques. Instrumental pesado do suspeito do costume e cuts magistrais do DJ Sims.”
[“Interlúdio”]
“Uma simples pausa no álbum. O interlúdio nasceu durante uma sessão de estúdio, o Guesswho fez o instrumental e gravei um take. A única frase, ‘eu quebro o mundo à tua volta só p’ra colá-lo de novo’, fazia parte do espólio de frases soltas da ‘Encontra-te’.”
[“Quero Tudo”]
“A ‘Quero Tudo’ é ambição pura. ‘Se eu ’tou aqui trancado é porque eu quero tudo’ é verídico. Foi um ano trancado num quarto a fazer um álbum, com crença de saltar para palcos de outras envergaduras. A faixa espelha isso mesmo, tem um roupagem fresh que traz mais versatilidade ao álbum.”
https://youtu.be/JiVfMkpuVbE
[“Encontra-te”]
“Um dos singles de avanço do qual falámos na altura mas, tendo o álbum lançado, torna-se mais fácil de ver a big picture. A ‘Encontra-te’ é a continuação da ‘Par’ e fecha o ciclo dessa temática no álbum.”
https://youtu.be/IqOtzZE-nUo
[“Insónia”]
“Produzida pelo Ems, a ‘Insónia’ é o tipo de skit que gosto, musical. Poderia ter feito acapella como transição da ‘Encontra-te’ para a ‘Morto’, mas decidi fazer algo trippy. “
[“Morto”]
“A ‘Morto’ foi mais um dos singles de avanço do álbum. É talvez a faixa mais pesada, em tom de desafio. Mas, apesar de parecer um egotrip simples e sem grande história, o próprio refrão criou a confusão que eu queria que criasse: ‘eles querem-me morto’, abriu azo a pessoas fazerem a pergunta ‘mas quem te quer morto?’ — Que eu saiba, e felizmente, ninguém. O que me mete em terreno comum com muitos que fazem carreira a fingir algo que não são, pintando imagens de uma realidade que lhes é desconhecida. Logo, sim é um egotrip, quase de Fugitivo vs. Todos, mas com sarcasmo subjacente no refrão.”
https://youtu.be/tKYQ1Se_gXg
[“Novo Lugar”]
“A ‘Novo Lugar’ é mais uma faixa vulnerável, que serve muito como uma ‘respiração’ no álbum e a roupagem sonora ajuda muito a conseguir essa calma. É paz depois da guerra, introspecção depois da violência da ‘Morto’.”
[“Vice-Versa”]
“Dos meus sons favoritos no álbum. Grande produção do Guesswho e é a faixa que melhor explica todo o conceito do álbum. ‘Partido’ em duas partes, quis retirar o máximo de cada pólo para poder espalhar o máximo do negativo e do positivo. Todo o álbum é uma luta comigo próprio, que por vezes transborda e torna-se numa luta com o mundo. Com altos e baixos, numa montanha russa e com uma única certeza — de que a música é o que acaba por dar sentido a tudo. A ‘Vice-Versa’ foi a faixa que conseguiu englobar todo o conceito. Muito orgulho nesse som.”
[“ADA”]
“A ‘ADA’ foi a primeira faixa a ser feita para o álbum e a que deu o pontapé de saída para isto tudo. Na primeira sessão de estúdio com o Guesswho, mostrei-lhe alguns samples que tinha guardados e ele flipou um deles. Nada mais nada menos do que a ‘Jazzy Belle” dos Outkast. E aí nasceu o instrumental da ‘ADA’, ou ‘álbum do ano’. Tenho perfeita consciência do peso que é ou a arrogância que é um artista dizer que tem o álbum do ano, mas essas palavras, nesse som, vieram de boa fé. Foi o som necessário para mim e para a minha equipa, uma mensagem virada para dentro. E fechar o álbum com essa faixa, num tom calmo e sem euforias, com um lazy flow, foi quase vestir a pele de um crítico e fazer uma avaliação a todo o trabalho. Porque, se não acreditares em ti, e acima de tudo no teu trabalho, não serás believable para ninguém.”