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Texto: ReB Team
Fotografia: Ana Marta Dias
Publicado a: 30/05/2023

Uma paisagem musical que vai de Trás-os-Montes à América do Sul.

Faixa-a-faixa: XIV – A Integração de META_ explicado pela própria

Texto: ReB Team
Fotografia: Ana Marta Dias
Publicado a: 30/05/2023

“Mágico. Colorido. Íntimo. Sonhador. Deslumbrante. Empoderador. Mirífico. Um ritual que quebra barreiras entre aquilo que é real e o que é ilusão, um disco capaz de abrir mentes e expandir linguagens, um monólito erguido a partir da simbiose da folk com a eletrónica, refletido num universo onírico, eclético e único.”

Foi desta forma que XIV – A Integração nos foi apresentado através de uma missiva que aterrou na caixa de correio digital do Rimas e Batidas no passado dia 19 de Maio, data escolhida por META_ para o lançamento do seu álbum de estreia, dois anos após se ter apresentado com o curta-duração Mónada.

Depois de ter protagonizado colaborações pontuais com Octa Push, Minus & MRDolly e Xinobi (é como convidada deste último que vai passar pelo Palco Heineken do próximo NOS Alive, dia 6 de Julho), Mariana Bragada inscreve mais um importante capítulo na sua discografia a solo com um disco recheado de diferentes influências, desde a tradição musical de Trás-os-Montes até ao cancioneiro da América Latina. Ao longo de 12 faixas versadas em português, espanhol, inglês e até mesmo sueco, a cantora, autora e produtora recrutou LARIE, Bom Beijo, Manu Idhra, St. James Park, Pedro Vasconcelos ou João Dias para a ajudar na concepção deste seu primeiro LP. Cada um desses temas é agora dissecado pela artista em discurso directo para o Rimas e Batidas.

Ao vivo, XIV – A Integração já foi apresentado na FAUP Fest aquando o seu lançamento, e segue-se agora um roteiro em Junho que levará o álbum até ao Primavera Sound Porto (dia 9), Musicbox (dia 15, em Lisboa), Artes à Vila (dia 24, em Batalha) e ao Festival MED (dia 30, em Loulé).


[“Sempre cantei (borboleta)
”]

Voz/Letra/Composição/Produção: Meta_

“Sempre cantei” foi uma música que me surgiu bem antes da ideia do álbum. Canto-a já há pelo menos um ano, a fechar os concertos, mas escolhi-a como introdução para o álbum porque é, para mim, como o primeiro relance de onde estou, de quem sou e do que venho falar, abrindo para a temática principal de XIV- A Integração, a vida.


Esta música vai à essência desta minha viagem com a música e a vida, sempre de mãos dadas. A voz, o canto, a música que me sustém nos momentos mais difíceis e felizes da vida. Eu, que nasci a cantar para o silêncio, a fazer coros com o eco das montanhas que habitavam em mim e a dançar livremente entre terra fértil. Como continuação dessa apresentação sobre mim mesma, escolhi retirar o áudio de um vídeo que o meu pai gravou quando eu tinha uns 5 anos, a cantar uma das primeiras músicas que me lembro de saber de cor. Borboletinha. A transformação começa.


[“TapesTree of the Soul”]

Voz/Letra/Composição: Meta_
Produção: Meta_ & Bom Beijo

“TapesTree of the Soul”, a nível lírico, brinca com as palavras Tapeçaria, Árvore, Terra e Alma, neste caso “Tapestry of the Soil, I am the Tree of the Soul”. Esta música surgiu em 2020, numa das 4 primeiras noites de improvisos, que depois poli e tornei em canções para o álbum. É engraçado porque a relação entre a imagem do álbum, a carta de tarot com a tapeçaria e a letra da música, surgiram organicamente.

A capa do álbum, inspirada na carta de tarot do baralho Vision Quest, foi imaginada e recriado esse mundo para o meu e assim decidimos criar uma peça original. A tapeçaria do álbum foi desenhada por mim, a ilustradora/animadora Margoo e o ilustrador/animador Ruben Roxo, ao qual o pintor João Freitas materializou e teceu com as suas mãos. Esta tapeçaria é um dos símbolos principais do álbum e vai estar a acompanhar-me nos concertos!

A importância de falar sobre tecer estes fios universais, não só remete para a minha memória de infância das minhas avós, como também para a forte presença das tapeçarias da tribo Shipibo, com a qual tive a honra de conectar em 2019. Esta música, para mim, é ainda uma introdução do álbum, focando mais nos coros e na parte instrumental, revelando um pouco mais de matéria prima no final da canção, onde canto sobre esta integração de ser a luz, a escuridão, a mãe, o pai, o Todo.


[“Fuego Sagrado”]

Voz/Letra/Composição: Meta_
Produção: Meta_ & Bom Beijo
Percussão adicional: Manu Idhra
Coro “Não”: Ana Marta Dias, Rita Gonçalves, Sara Brandão

“Fuego Sagrado” é sobre usar o fogo interno para ultrapassar momentos de dor. Na canção falo sobre alguém a tentar usar esta chama para me queimar, para eu provar que o nosso amor era real através desse sacrifício. Eu, escolhendo fazê-lo, apercebi-me que não era eu quem se magoava com isso, mas sim o outro, porque já tinha integrado em mim esta chama interna e assim — “Se eu tiver o sol dentro, amor, quem é que queima quem?”. 
Então, é sobre esse reconhecimento do poder de alquimia de emoções e de eu também ser essa força, fogo que destrói as amarras e que trabalha com isso de forma ritualística, no sentido de conectar os elementos com o meu próprio processo.

A música em si é uma manta de retalhos de várias experiências, improvisos e línguas. Nesta música canto nas 3 línguas que depois permeiam no álbum.
 Parte da essência musical surge de um livestream, em 2020, de um concerto/improviso que fiz no jardim de casa em Bragança, com o fogo, e o meu pai a filmar e a minha mãe como público.


[“Everybody’s looking (tus miedos)”]

Voz/Letra/Composição: Meta_
Produção: Meta_ & Bom Beijo
Sintetizadores adicionais: St. James Park

Esta música é uma das mais vulneráveis que já escrevi. Fala muito sobre este Medo, que me ocupou durante muito tempo, que não me permitiu sair, que não me deixava ver para além do meu perímetro. A história que imaginei é sobre o Medo que bate à porta e fica hospedado em minha casa e tanto eu, como ele, sentimo-nos presos no mesmo espaço, porque o Medo, passageiro pela sua essência, ficou confinado a um espaço, sem saber como sair, e eu assumi-me cada vez mais como ele e a perder a minha essência, também. No final — “Agora abro-te a porta, mas sou eu que quero fugir”. 


Estaria a ocultar grande parte do meu processo de criação se não falasse no próprio medo que tive em aprofundar estas emoções, torná-las em músicas e ainda partilhá-las com o mundo. Houve muito questionamento baseado nesta ilusão de perigo, de tornar algo que só vive em mim e é invisível para o resto das pessoas, e de repente falar abertamente sobre isso.

Mas como falo na canção, “Everybody’s looking for a way out”, e no final, “But then no one’s looking”, contrapondo esta ideia que toda a gente está à procura de uma saída deste labirinto mental, do julgamento e da percepção dos outros, mas no final ninguém estava a olhar. Somos só nós essas vozes que julgam, daí esta ideia de não escolher culpar ninguém — “Não é a ele que culpo, ele não sabe abrir portas, nem sabe fugir / Não sou a culpa”.


[“Peneir-ar”]

Voz/Letra/Composição/Produção: Meta_
Percussão adicional: Bom Beijo
Sintetizadores adicionais: St. James Park

“Peneir-ar” traz esta minha conexão com a peneira, que faz parte do meu imaginário da infância na aldeia, da minha avó e as mulheres a fazerem o pão e o folar. Assim como a memória contada do meu pai e bisavô irem para o moinho à noite moer o grão. Filmagens da minha avó com a peneira aparecem no videoclipe de “Nós Somos”; no videoclipe da “Saudade” apareço com o meu avô e ele a peneirar-me cinzas; e agora escrevi uma música sobre essa tal peneira, desta vez aqui como metáfora de charneira entre o que quero para o futuro e o que quero do passado. Esta é uma das músicas que produzi sozinha e escolhi incorporar samples do meu pai a peneirar, assim como gravações de moinhos que fui encontrando pelas minhas viagens, usados aqui como percussões.


[“Árvore Voadora”] feat. LARIE

Voz/Letra/Composição/Produção: Meta_
Voz/Guitarra: LARIE

Quando estive no Peru, fizemos uma viagem de barco pelo Rio Ucayali, em Pucallpa, onde pude ver, pela primeira vez, árvores enorme com raízes em água. Contaram que estas árvores movem-se através devido às suas raizes irem andando com a corrente do rio. Isso suscitou-me esta ideia da liberdade de manter raízes, mas desprendidas. Assim, comecei a imaginar estas raízes que voam e como muitas vezes me sinto assim — neste processo de honrar de onde venho, mas na inevitabilidade do meu movimento. Sou uma pessoa que está sempre a viajar e esse movimento traz-me muita felicidade, então escrevi esta música como esse cântico de despedida, de escolher não me fixar mais e ser como as árvores que falei acima. “Uso as raízes como asas, serei árvore voadora.”

A colaboração com LARIE surgiu desde os primeiros instantes que tinha um rascunho desta música. O poder da vulnerabilidade e a estética musical é algo que sempre admirei muito e quando conheci LARIE, para além disso, encontrámo-nos a partilhar tantos risos e histórias e a criar uma amizade muito especial, então LARIE ter aceite este convite de trazer a sua essência para esta música viajante é das coisas mais especiais que aconteceu nesta criação do álbum. Muito grata LARIE <3


[“Só o amor”]

Voz/Letra/Composição: Meta_
Produção: Meta_ & Bom Beijo
Percussão adicional: Manu Idhra
Sintetizadores adicionais: St. James Park
Flauta: João Dias

“Quero Voar”. “Só o amor” foi uma das músicas que surgiu mais no final deste processo de criação, já em residência com o Martin Lartell (Bom Beijo). Trabalhei com o Martin na produção e finalização destas ideias que tinha e juntos produzimos 7 músicas do álbum, no estúdio dele na Sertã. Já conheço o Martin há 5 anos e tem sido um grande amigo e uma grande inspiração a nível musical, então estou muito grata por ele ter aceite este desafio de trazer à superfície, comigo, estas minhas emoções sónicas e de partilharmos este espaço de vulnerabilidade.

“Só o amor me pode curar”. Depois do medo do voo, da queda, da ida e da vinda, o que resta é o que sempre restará. “Saber que nunca se perde, o que é impossível tocar, já não preciso esperar por mim, nem procurar em ti, só agradeço por estar aqui. Esqueci-me de cantar para mim, agora canto à dor para ela sair”.


[“Cura Sana (camino infinito)”]

Voz/Letra: Meta_
Composição/Produção: Meta_ & Bom Beijo
Percussão adicional: Pedro Vasconcelos
Flauta: João Dias

“Cura Sana” foi também co-produzida com Martin, baseada nesta ideia de drum & bass que tinha criado com umas samples de voz que me remetiam ao som da coruja. É uma música noturna, é o extâse dessa cura que falo na “Só o Amor”. É, para mim, tanto o ponto mais alto de libertação do álbum como o ponto mais denso, onde no final interpreto a poesia que escrevi sobre o meu funeral, e decidi uni-los por isso mesmo, pelo contraste.

“Camino Infinito”, a poesia, começa já a falar sobre o ser mulher, a criadora da imensidão, tópico com o qual termina a música também e faz ponte para a “Sangue da Mulher”. 
Para além disso é sobre esta cura da dor geracional que carregamos connosco, sobre a eternidade e a reencarnação.

“O que esperaria eu da Morte, senão o retorno à Vida?”


[“Sangue da Mulher”]

Voz/Letra/Composição/Produção: Meta_
Coro adicional: Rita Gonçalves
Percussão adicional: Manu Idhra
Sintetizadores adicionais: St. James Park
Flauta: João Dias

Comecei a escrever esta música com o adufe, na minha sala de estar, no Porto. Foi das últimas músicas a integrar o álbum e outra das que produzi a solo. 
É, para mim, uma música que mexe muito comigo e, como disse no primeiro concerto que fiz do álbum: “Não se preocupem, até a mim me deixa desconfortável” ahah. É assumir um poder que a Mulher geralmente não tem o direito a ocupar nem está habituada a ter o conforto desse espaço, daí o desconforto que falo acima. Reconhecer a nossa origem, a nossa pequenez perante o corpo mãe — a criadora e destruidora de mundos — é um passo que considero fundamental para viver em harmonia e equidade com a Terra, a Mulher e os Ciclos da Vida.

Foi numa noite de lua cheia em Pucallpa, Peru, em 2019, que ecoou profundamente este tema e que reverberou ainda mais com o impacto de ler um texto de uma profecia ancestral que diz — “Se as mulheres devolverem o seu sangue à Terra, não haverá mais sangue do homem derramado em Guerras e a Terra encontrará Paz”. E enquanto sinto a importância desse resgate cíclico natural, também sinto, talvez, que agora seja uma boa hora de parar de trazer mais culpa ao nosso corpo, nessa afirmação que detém, também, a mulher sempre presente na dualidade de vilã ou a salvadora.

É com muito amor e humildade que partilho esta música com o intuito de honrar a emoção e energia de todes para além do que é um ideal padronizado do ser Feminino.


[“Slicka pa saren/Pássaro”] feat. Bom Beijo

Voz/Letra/Composição/Produção: Meta_ & Bom Beijo

Esta música surge de um beat que tinha feito já há algum tempo e que, pela junção com o Martin (Bom Beijo) na produção de parte do álbum, surgiu toda uma nova perspetiva. Foi com o rap do Martin, em sueco, que a música ganhou vida e que decidimos integrá-la no álbum. Desafiou-me nesta criação de poesia/rap também ahah, assim como para ele foi também um novo caminho. Novo, isto para o público, para quem nos conhece sabe que juntos passamos imenso tempo a improvisar raps em várias ocasiões ahah.

“No dia em que perdi a batalha percebi que vencer era parar de lutar.” Esta foi uma das grandes realizações que tive durante o meu processo pessoal de cura. “Eu, de armadura transparente,” não fui feita para correr atrás de uma vingança. Escolhi cuidar de mim em vez. “Slicka pa Saren” significa “Lambo as Feridas” — “Lambo as feridas que me causei, por saber que ainda te amei”.


[“Quarto Escuro”]

Voz/Letra: Meta_
Composição/Produção: Meta_ & Bom Beijo
Coro: Escola Básica do Campo, Caldas da Rainha (CAU)

É nesse auto cuidado e nesta busca de me libertar da depressão, com que sempre lidei, que esta música surge. Foi criada numa das residências que fiz em 2022, no CAU — dirigido e criado pela Filipa Morgado. A Filipa, que foi uma das novas amigas que este álbum me trouxe e que abriu o espaço físico da sua memória e do seu coração para eu estar lá confortável a trabalhar neste tópico, surgiu por consequência da segurança que senti lá para me abrir a tal. Para além disso, começámos a trabalhar juntas e tive a oportunidade de estar com os alunos da Escola Básica do Campo, nas Caldas da Rainha, e na aldeia de Cortém em residência, a gravar memórias e a trabalhar com as crianças na experimentação de música eletrónica. 
No final, perguntei-lhes se queriam cantar uma música minha e, com a sorte de ter tantos cantores disponíveis, agora cantamos eternamente no último refrão da música. “E se te encontrares, me encontrares, no quarto escuro do Mundo, pára o jogo, acende as luzes, por nós dois.”


[“Vento do Éter (cosmic lounge)”]

Produção/Coro: Meta_
Samples originais gravadas entre 2019 e 2023

Esta música é a representação do meu espaço sónico de memórias destes últimos anos. Quando fui viajar em 2019, levei comigo um pequeno gravador, como costumo fazer nas viagens, para ir recolhendo samples e histórias. E assim, podem ouvir o Cielo, que partilhou sobre ayahuasca numa conversa que tivemos no barco dele e o improviso musical que aconteceu em Belo Horizonte. Tudo isto nesta contação da história cronológica da minha memória de infância, dos meus amigos, da minha família, em seguida da viagem ao Peru e depois ao Brasil e Uruguai, terminando com cânticos com a Margo onde se ouve “se eu não soubesse que era o início, eu achava que era o fim”, e o cântico que fecha o álbum, com a minha irmã de alma e companheira nesta viagem em 2019 — a Ana Marta — que tem filmado todos os meus videoclipes até agora e que fotografou a capa do álbum. Juntas, fechamos o álbum a cantar — “En el infinito”.

Obrigada por lerem e escutarem. Do coração, obrigada.

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