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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/11/2023

Negrume jazzístico.

Faixa-a-faixa: Umbra, de Cabrita, explicado pelo próprio

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/11/2023

Para Cabrita, tudo ficou mais escuro ao segundo álbum. Umbra saiu no passado dia 10 de Novembro pela Omnichord Records e deu a conhecer um lado mais fumarento do jazz que o músico de Lisboa consegue expelir através do seu saxofone.

3 anos após o homónimo CABRITA, o novo LP, além de menos solar, é também fruto de um processo de criação mais íntimo e solitário, no qual se registam apenas 4 convidados — NBC, Surma e Larie participam de forma directa na interpretação dos temas, enquanto que Rui Gaspar (de First Breath After Coma) assumiu o papel de produtor ao longo de todo o disco.

Descrito como um trabalho mais melancólico e nostálgico, as composições que moram em Umbra partem das reflexões de Cabrita em torno daquilo que são os obstáculos que a vida vai colocando. Nas palavras do próprio, veiculadas através de um comunicado:

Umbra começou por ser uma reacção à rápida passagem do tempo. À perda dos nossos artistas de referência, familiares e amigos. Durante o processo de produção o foco começou a derivar mais para nós, os vivos, e as diversas emoções com que somos confrontados. Aos poucos a música foi refletindo mais como sofremos, doemos, choramos, desafiamos, recusamos, rimos, e as maneiras diferentes que temos para lidar com isto tudo, e daí, talvez crescer”

Em Fevereiro de 2024, o sucessor de CABRITA será apresentado numa série de três datas: Musicbox (Lisboa, dia 1), Maus Hábitos (Porto, dia 2) e Salão Brazil (Coimbra, dia 3) são as salas já programadas para receber o saxofonista que já integrou formações de projectos com Cacique’97 ou Cais do Sodré Funk Connection.

Numa missiva dirigida ao Rimas e Batidas, Cabrita e alguns dos seus convidados falam sobre cada uma das 10 faixas que integram o alinhamento deste seu novo Umbra.


[“To The Bone”]

“Envelhecer tem, para além da parte boa da experiência, um lado físico que vai crescendo: com as dores e mazelas vamos tomando uma consciência cada vez maior dos nossos ossos. Uma consciência que é ora subtil, ora ensurdecedora. São esses dois aspectos que tentei traduzir neste tema.”


[“Tour de force”]

“Por definição, é um exercício físico que requer muita força, ou um êxito obtido com grande habilidade. Este tema nasceu simples e a pensar no palco, onde a banda pode reinventá-lo a cada passagem. É uma maneira de mantermos a criatividade ao máximo e crescermos como unidade.”


[“Daredevil”]

“Muitos amigos meus começaram a praticar desportos radicais a partir de certa idade, como se a adrenalina fosse um elixir de juventude que lhes subtrai anos. Este tema foi escrito a pensar neles. A orquestração adicional do Rui Gaspar conseguiu fazê-lo viajar entre o México, Roménia e Médio Oriente, tal como num filme do James Bond.”


[“Refuse”]

“É uma recusa de acomodar, de conformar, de desistir. É o movimento em frente que me faz crescer. Poucas palavras (notas) e muita energia.”


[“Até Que a Morte Nos Separe”]

[NBC] “O cabrita abordou-me para fazer um tema sobre a morte, ou a relação humana com a morte. Para mim é um tema tão denso como para qualquer um de nós, dessa forma, tentei juntar a esfera teológica e física a que todos estamos de alguma forma habituados a ver. A religião, a expurgação da alma e também a ausência física. A não possibilidade de poder rir, falar ou discutir com aquele outro ser que deixou de existir. Ao mesmo tempo e como base o amor. É o amor que provoca a dor de ausência, como tal, no fundo, falamos de amor porque quando nos casamos essa é a última frase proferida por cada uma das partes, e nós naquele momento único, sem pensar em mais nada, acreditamos nisso e isso passa a ser o mote da nossa vida. Até que a morte nos separe.”


[“Todo Torto”]

“O título diz tudo. As polirritmias no tema funcionam como uma metáfora para o “desconjuntamento” que por vezes passamos. Na altura em que escrevia o álbum vi uma exposição do Escher, onde as coisas se recontextualizam quando mudamos o ponto de vista. De alguma forma isso também veio aqui parar.”


[“49th Birthday Blues”]

“No dia do meu aniversário estava sozinho em casa, e o assombro de estar a fazer quase 50 anos fez-me pegar no sax e compor este tema quase de um take só. Um pouco como o “Refuse”, é uma reacção mais enérgica ao número e tudo o que ele traz  consigo.”


[“Dance”]

[Cabrita] “Foi a minha primeira tentativa de criação por via da escrita automática, ou seja, gravar primeiro e pensar depois. Uma forma interessante de quebrar padrões que gostava de explorar mais no futuro. Depois de ‘organizar’ o instrumental convidei Larie, que admiro muito, para responder da forma mais espontânea possível.”

[Larie] Sou muito fã deste mestre e aceitei a provocação com muito prazer. A canção me chegou já com o nome e me foi dada a liberdade pra criar letra/melodia e demais arranjos de vozes, coisa que fluiu deliciosamente pois a energia do instrumental já tinha ali uma inquietação, também desse mood veio a temática. Acho que é importante falar mais abertamente da violência que sofrem as minorias de género, do feminicídio crescente, da mão do homem tão pesadamente presente em notícias que escorrem ódio e tristeza. Pintar um cenário de fuga, que termina em grito de liberdade, me pareceu uma ideia bonita e é o que eu desejo a todes que estejam nesse lugar.”


[“pOLY”]

“Depois dos 50 começamos a conviver mais com a perda, de familiares mais idosos, amigos, ídolos. Uma sombra (Umbra) que traz muitas emoções diversas e por vezes conflituantes. Tentei pôr tudo isso neste arranjo e a colaboração incrível da Surma levou tudo para outro nível. Tristeza, melancolia, raiva, negação, aceitação, está tudo lá.”


[“Away”]

“Funciona como contraponto ao “pOLY”. Se o anterior é a despedida, este  é o convite para o que vem depois. A voz da minha filha funciona como metáfora para o futuro, e o que ainda está por descobrir.”


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