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Texto: ReB Team
Fotografia: Alex Tome
Publicado a: 31/01/2023

De dentro para fora de Cabo Verde.

Faixa-a-faixa: Di Lonji de Elida Almeida explicado pela própria

Texto: ReB Team
Fotografia: Alex Tome
Publicado a: 31/01/2023

Na passada sexta-feira, dia 27 de Janeiro, Elida Almeida estendeu a sua ligação à Lusafrica com um novo disco, Di Lonji.

A cantora cabo-verdiana é uma das grandes apostas por parte da editora que, desde a década de 80, nos tem brindado com alguns dos melhores trabalhos oriundos dos países africanos falantes de português, assinados por nomes como Cesária Évora, Bonga, Bana, Bulimundo, Tito Paris, Lura ou Os Tubarões. Não descurando esse enorme peso cultural da Lusafrica, Elida Almeida chegou ao quarto álbum da carreira com uma vasta bagagem, que lhe permite analisar e interpretar os sons do interior do seu país com a mestria de quem já viu o mundo.

Natural da ilha de Santiago, a artista gravou o seu novo LP entre Cabo Verde, Portugal e Estados Unidos sob a direcção artística de José da Silva, fundador da Lusafrica, e foi terminado em França, onde foi tratada a sua mistura e masterização. É até em Paris que Di Lonji será apresentado ao vivo pela primeira vez, dia 11 de Fevereiro no Pan Piper, seguindo-se um concerto em Lisboa que está marcado para o Capitólio, dia 25 de Março.

Entre a tradição e o vanguardismo, Elida Almeida explora as línguas do blues, do tabanka ou do kola samba ao longo de 14 canções. Numa missiva enviada para o Rimas e Batidas, a autora faz uma análise a cada uma das criações que compilou no sucessor de Gerasonobu.


[“Dondona”]

“É um tema com duplo significado. É inspirado na relação com as avós. Da avó paterna, revela o orgulho de com ela ter crescido, os ensinamentos, a aprendizagem desde o primeiro ano de idade. Foca o infindo valor das rugas de hoje, com 93 anos, pelo conteúdo do que está por detrás de cada momento vivido. Inspirada nas duas avós, salienta o forte significado de receber a bênção… A que chama de banho de energia. Marca a figura da avó, que geralmente é de proa na educação dos netos, a que muito ajuda na educação dos filhos em Cabo Verde, até pela ausência masculina, o pai. Retrata a neta que recebeu todo o amor e tudo quanto bebeu dessa vivência que influenciou a sua identidade.”


[“Kaminhu Lonji”]

“É o tema que dá nome ao disco. Fala dos desafios geográficos e outros que temos que enfrentar para nos deslocarmos do interior até a cidade. Desafios esses que nos tornam mais fortes e preparam para as dificuldades da vida, obrigando-nos a focar nos nossos objetivos e a traçar as metas necessárias para ultrapassar as dificuldades. Abrange ainda todas as sucessivas distâncias de Cabo Verde aos palcos longínquos que tenho pisado e às diferentes realidades vividas, sem perder a essência da minha terra.”


[“Im-Par”]

“A forma como se escreve pode ser ímpar ou par, foca os altos e baixos de uma relação, a doçura e a transformação em amargura. O arranjo é o de um batuque não tradicional na linha do blues, pode descrever-se como um batuque blues, que enquanto cresce revela a perfeita cumplicidade com o produtor musical Hernâni Almeida, pela forma como conjugou o meu sentir numa fusão realmente ímpar.”


[“Mexem”]

“Chamada de atenção para um tremendo flagelo social em Cabo Vede. Um tabu devastador em pleno seculo XXI, baseado na existência real de abuso, violação infantil por parte do progenitor, de um familiar ou de um próximo amigo insuspeito. Fala do delicado assunto após um caso verídico, recente, nas ilhas, e é aqui representado nas palavras e no diálogo desesperante de uma criança e sua mãe.”


[“Bedjera”]

“Uma das minhas ocupações prediletas, apanhar mangas ou recolher mel nos lugares mais recônditos. A aventura constante, o proteger da picada, o receio do ferrão… Juntava-me em grupos de várias idades para ir á colmeia, era toda a missão de pendurar nos sequeiros, o evitar magoar, para finalmente conseguir o mel. Tentei resgatar aqui a tabanka. Em residência artística, as músicas ganharam forma, trouxe um beatmaker para fundir com o acústico. O arranjador adaptou a tabanka evidenciando a imensa magia e universalidade da música, numa tabanka modernizada sob o olhar de um músico de um diferente universo musical.”


[“Djarmai”]

“Música muito pessoal, fala da ilha do Maio, minha segunda casa, onde cresci e vivi momentos marcantes da adolescência, desde os meus 7 ou 8 anos. Foi lá que fortaleci a minha relação com a música, na igreja. Fui mãe e tive um programa de rádio lá. É, para mim, um ilha que respira calma e tranquilidade. Falo, de um modo geral, da inexistência de maldade, onde o acolhimento continua a ser o mesmo que me despertou o carinho. É um kola samba que aos poucos se torna um ritmo latino e é uma união que fortalece a relação da música de Cabo Verde com a música latina.”


[“Mo Ki Nta Fazi”]

“É um batuque. Uma mistura bem conseguida, com composição de Manu Reis, autor do interior de Santiago com quem muito me identifico e de quem gravei anteriormente outros temas. Retrata a luta das mães, a tentativa de sobreviver a todas as dificuldades constantes, o objetivo de conseguir os bens essenciais, a comida diariamente para os filhos, mas ter também o seu porto seguro, a casa, muitas vezes construída clandestinamente e de seguida destruída. A vendedeira expulsa do Plateau, para um local onde não se vende, o que se traduz no diário continuo de luta intensa.”


[“Dipalbesa”]

“Fala da transformação que o ser humano pode atingir para agradar em uma relação. O olhar irreconhecível de si, por si próprio e pelos que o rodeiam. Baseia-se em uma relação tóxica que nos pode afastar do nosso próprio ser, que não nos faz bem a nós nem ao outro, na qual construímos uma versão de nós mesmos para poder agradar a alguém. Tendo a noção de que se está irreconhecível, alimenta-se o esforço para se encaixar, para agradar, machucando a sua própria identidade.”


[“Eh Ka Bo”]

“Fala de duas almas que viveram um amor curto, mas incrivelmente intenso. Posteriormente, cada um seguiu a sua vida, tendo naturalmente outras aventuras. Mas nenhuma delas se poderá equiparar ao que um dia juntos haviam vivido.”


[“Amigu”]

“Eu sou badia, do profundo interior da ilha de Santiago. O funaná está no meu ADN. Este é um funaná orgânico que fala dos suspeitos e possíveis amigos ou inimigos. Fala sobre presenciar o ambiente por parte do outro, numa sociedade machista desde o berço, da educação, da forma como é incutido o machismo naturalmente… Exemplifico o simples facto da base educacional quando se transmite ao rapaz que não é na cozinha o seu lugar. Falo dos amigos do companheiro que fomentam o desentendimento… É um alerta para a falsidade dessa influência.”


[“Mulata”]

“É a menina do interior que podia ser a sua mãe. Gostava de estudar, mas não o podia fazer. É a conversa entre uma pessoa madura e outra que traça ainda o seu caminho. O arrependimento das escolhas, o não ter estudado e os sonhos perdidos. É o desabafo de uma mulher mais madura, o contexto em que cresceu a querer ser uma cantora famosa à imagem de Cesaria Evora, levar a bandeira de Cabo Verde o mais longe possível, mas a quem foram cortadas as asas e atrofiados os sonhos… É um testemunho da infelicidade de uma mulher madura a passar a sua prova, devido às suas más escolhas.”


[“Morabeza”]

“É uma viagem de Santo Antão à Brava, fala das diferentes características das ilhas. Começa nas montanhas com um tambor – Kola San Jon – e termina na ilha da Brava, na Fajã, a tomar banho num dos pontos mais turísticos da ilha. Música de Dodas Spencer que conta com o arranjo de Momo e Hernâni. Cenário imaginativo e carregado do vasto sentido que a palavra morabeza representa na essência cabo-verdiana.”


[“Donu Di Mundu”]

“Das primeiras músicas que criei no confinamento, fala sobre a rareza do panorama repentino. Foi um confinamento de quatro meses em que, de um instante para outro, tenho que ficar em Cabo Verde. O mundo a fechar as portas, de repente ninguém se podia abraçar… Nunca tinha vivido, em 28 anos, um confinamento. O susto, a insegurança… Fala da forma como me sentia ao ser obrigada a ficar em casa. Fala naquilo em que me apoiava — a fé em Nho Santiago! Mostra a impotência, tratando-se de um povo caloroso que de repente se tem que isolar…”


[“Domingo Denxo”]

“Voltei a regravar um tema do repertorio dos Bulimundo que cresci a ouvir. É um marco nas minhas memórias. A partir da maquete, Momo sentiu à sua forma o imenso universo musical ali contido e criou uma fusão inovadora, de fantástica inspiração, que eu espero que seja muito bem recebida pelos cabo-verdianos.”

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