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Texto: ReB Team
Fotografia: Tiago Cerveira
Publicado a: 13/10/2025

De uma imaginária ilha deserta para o mundo real inteiro.

Faixa-a-faixa: Desert Island Broadcast, de Mirror People, explicado pelo próprio

Texto: ReB Team
Fotografia: Tiago Cerveira
Publicado a: 13/10/2025

No final do mês passado, Rui Maia chegou ao final de uma trilogia de discos através do seu projecto Mirror People. Depois de Voyager (2015) e Heartbeats Etc. (2022), Desert Island Broadcast foi o trabalho conceptual que deu esta aventura por terminada, com o veterano músico a deixar no ar a hipótese de cessar a sua actividade com este alter ego para abraçar novos desafios musicais numa entrevista concedida a Rui Miguel Abreu para o Rimas e Batidas.

Maria do Rosário, João Cabrita, Ryoko Imai, Ana Vieira, Isa Gomes e Pedro Veríssimo foram os colaboradores que participaram na feitura deste novo registo discográfico, com Rui Maia a assumir toda a produção e instrumentação (à excepção do saxofone). Em Desert Island Broadcast, o objectivo foi o de imaginar uma possível transmissão radiofónica a partir de uma ilha imaginária, cruzando estéticas de electrónica e pop indie com sonoridades exóticas. Este universo já foi transportado para o palco num concerto que decorreu no passado sábado em Braga e seguem-se agora mais um par de apresentações este mês: no Porto (dia 24, no Maus Hábitos) e em Lisboa (dia 25, no Badassery).

De volta às páginas do ReB, Rui Maia disseca agora as oito faixas que integraram o alinhamento deste seu mais recente LP.


[“Million Questions”]

Foi o primeiro single e saiu antes do álbum. Tem a colaboração da Maria do Rosário, que já vem a colaborar praticamente desde o início de Mirror People, desde o primeiro álbum Voyager. Esta faixa foi a primeira faixa a ser escrita para este novo álbum e é um bocado influenciada pelo universo do Mulatu Astatke, porque tem aquele lado do jazz um bocado mais negro e um bocado mais sujo, de que eu gosto imenso — aquele som etíope, aquele saxofone mais narcótico… Este “Million Questions” tem essa junção de cores e de influências.


[“Tucano Verano”]

Esta é bastante “tropical”, com flautas e tem tucanos verdadeiros, que não foram gravados por mim, mas fui buscar os samples — achei engraçado porque funcionam quase como uma percussão. Esta escolha do tucano vem de um exercício que eu fiz nos beats, que foram construídos com sons mais orgânicos, sem recorrer à electrónica mesmo pura.


[“Runaway”]

É curioso, porque a primeira versão do “Runaway” foi feita no disco anterior, Heartbeats Etc., em que o instrumental era completamente diferente. Essa canção existe mesmo, só que nunca foi editada porque eu não fiquei satisfeito com o resultado final. Ela até está misturada pelo Zé Nando Pimenta. E então, o que eu fiz foi: usei as faixas de áudio da voz e fiz um instrumental novo. A “Runaway” foi a última canção a ser feita aqui para o disco e já foi feita um bocado a pensar no puzzle do disco, do ambiente que a canção tinha de ter para ficar inserida aqui. Faltava um tipo de canção para harmonizar com o resto do alinhamento. Eu quando trabalho com o Zé Nando, ele envia-me sempre uma faixa com o instrumental e uma faixa só com as vozes para o futuro, caso seja necessário usar o instrumental em alguma coisa e tal. E eu usei precisamente essas vozes misturadas e fiz um instrumental completamente diferente. E este “Runaway” tem a curiosidade de ter a clássica CR-78 da Roland a tocar pela primeira vez, porque a faixa foi feita na altura em que eu a comprei e vi aqui um motivo para a usar.


[“Any Color U Like”]

A “Any Color U Like” vem um bocado do universo da onda de Nova Iorque, do Arthur Russell e dos LCD Soundsystem. É uma canção mais de dança, com Mini Moog e clavinet, com o lado mais funk. As melodias vocais foram todas desenvolvidas por mim, mais a letra, etc. Além de mim, está novamente a Maria a cantar, a Ana Vieira, que também colabora aqui no disco com segundas vozes, e a Isa Gomes também. Somos todos a cantar, a dar um bocado aquela ideia de coro, de mensagem. E acho que a mensagem é engraçada, de vivermos a vida de uma forma que achamos que seja possível e como nos apetece, não ter medo de arriscar e não ter medo dos sonhos.


[“Risiko”]

“Risiko” quer dizer “risco”, em alemão. O nome foi retirado de um bar, de um clube bastante influente em Berlim no início dos anos 80. Foi importante tanto para a malta da música como para realizadores… Desde a malta dos Neubauten ao próprio Nick Cave quando vivia lá. Eram muito habitués do Risiko. Eu li um artigo na altura, não me recordo onde, achei engraçado o nome e decidi usá-lo para a música. É um tema que foi pensado para estar inserido no conceito de álbum. Tem um baixo real bastante marcante, tem a caixa de ritmos TR-606, no meio tem um breakbeat, um sample que remonta para o hip hop dos inícios dos anos 80. Gosto muito dela porque, nos meus discos, ainda não tinha conseguido fazer uma música assim, de breakbeat.


[“Desert Island Broadcast”]

Este tema é mais disco sound, tem esse lado mais pulsante dos universos nórdicos do Todd Terry. É um tema bastante longo, a pensar na pista de dança — tem a intro grande, tem o fim grande, é um tema de sete minutos e tal. Tem umas congas, tem guitarras funk, esse tal lado do Desert Island, do imaginário da ilha e das influências da ilha. É um tema instrumental e foi dos primeiros a serem gravados aqui.


[“Uma Memória”]

“Uma Memória” tem a colaboração da Ryoko Imai, que é percussionista da orquestra da Gulbenkian. Ela gravou a marimba e o speech também é dela. O speech em português é da Maria do Rosário e a Ryoko traduziu para japonês. Chama-se “Uma Memória” porque… Achei curioso ter uma canção com o nome em português — neste caso duas, porque temos outra a seguir chamada “Costa Nova”. Esta esta canção funciona um bocado como uma ponte entre o “Desert Island Broadcast” e a canção seguinte. Mais uma vez, vai buscar um universo mais ambiental, que não está presente nas outras canções, e que penso que, neste conjunto do álbum, faz sentido.


[“Costa Nova (Our Sacred Fire)”]

Esta música surge aqui com uma nova versão. A primeira versão saiu num EP com três temas mais apontado para a pista de dança — Dancing Days EP. A diferença entre um e outro é que este tem um baixo real, o outro era baixo sintetizado. Este tem um spoken word da Maria na parte final. E tem uma onda que me remete muito para a Ibiza dos anos 80, anos 90, mais no sentido da sonoridade que o José Padilla tocava, coisas mais baleáricas. Este “Costa Nova (Our Sacred Fire)” aponta mais para aí e acho que termina muito bem o disco.


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