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Texto: ReB Team
Fotografia: Kid Richards
Publicado a: 23/07/2025

Faixa-a-faixa: Areia Branca, de Afonso Rodrigues, explicado pelo próprio

Texto: ReB Team
Fotografia: Kid Richards
Publicado a: 23/07/2025

Em Areia Branca, Afonso Rodrigues faz a sua estreia a solo, quase duas décadas após ter começado a dar voz aos Sean Riley & The Slowriders. Tal como na banda de Coimbra, a folk desempenha um papel fulcral na formação genética da sua arte em nome próprio, mas mistura-se aqui com vários outros condimentos, como a pop lo-fi ou um certo minimalismo melancólico e cinematográfico. Uma mistura que se faz notar através de guitarras acústicas suaves, apontamentos de piano e teclados ou ocasionais camadas electrónicas que nunca tentam dominar as faixas. Em sentido contrário, adopta o português para veicular as suas ideias, tornando esta obra numa espécie de dupla estreia.

As duas mãos-cheias de canções deste LP surgem como memórias fragmentadas, histórias sussurradas entre ondas e vento, com letras que abordam temas como o tempo, a ausência, a infância e a procura de pertença. Há um equilíbrio subtil entre a nostalgia e a esperança, entre a solidão e o consolo, numa escrita poética e cuidada que nos faz lembrar as vozes que por vezes recuperam flashbacks sob a forma de ecos ao fundo do crânio.

Criados para serem degustados de forma lenta e com atenção ao detalhe, os temas de Areia Branca podem agora ganhar novas dimensões na cabeça dos ouvintes com os comentários que Afonso Rodrigues fez a cada um deles em mais uma sessão Faixa-a-faixa por cá, no Rimas e Batidas.


[“Correr Atrás do Vento”]

“Correr Atrás do Vento” é uma canção sobre a passagem do tempo, sobre como tudo muda e como o que desejamos e perseguimos se vai alterando com essa passagem do tempo. Sobre como a nossa visão sobre as coisas se altera. No meio da confusão, às vezes, há coisas que se vão mantendo constantes. O amor que temos por alguém pode ser uma dessas coisas.


[“Já Nem Sei”]

Esta é uma canção sobre relações intermitentes. Sobre gostarmos muito de alguém mas estarmos cansados do “vai-e-vem”, de oscilar entre os momentos muito bons e os péssimos. Sobre pormos em perspetiva se vale a pena continuar a insistir. É uma reflexão sabendo que, em última análise, a vida é finita e que devemos ter sempre isso em conta nas nossas escolhas. Curiosamente foi a última música a ser escrita para o álbum e o primeiro single a sair.


[“Funchal”]

O “Funchal” transpira a minha paixão pela ilha da Madeira. Fiz bons amigos lá, que felizmente ainda mantenho hoje, e que foram de extrema importância para mim num momento muito delicado da minha vida. É também sobre um irmão, que infelizmente já não está entre nós, e com quem vivi os últimos momentos bons precisamente no Funchal.


[“Onde Foi”]

Tudo muda, e nas relações, às vezes também assim é. “Onde Foi” é sobre a ideia de já não conseguirmos estar próximos nem íntimos de alguém, com quem já tivemos uma grande ligação de forma fluída e natural, mas que hoje em dia, estando tão distantes, nem conseguimos perceber como é que isso alguma vez foi possível.


[“Quando Eu Voltar”]

Quando eu voltar é sobre portos seguros, sobre termos alguém para quem voltar quando andamos longe durante muito tempo. É amor e conforto. Foi a primeira demo que eu e o Filipe gravámos para este projeto e é também a única música do disco que tem um instrumento que não foi gravado por nós. O André Tavares — coprodutor do disco — contribuiu com um lindo violoncelo que tornou os arranjos ainda mais bonitos.


[“Um Amor Qualquer”]

Esta é uma canção sobre esperança. Todos queremos muitas coisas diferentes da vida, mas para a maioria de nós, se tivéssemos que escolher só uma, se calhar era o Amor. Nas alturas em que nos escapa, é tudo o que desejamos voltar a ter, para tornar o caminho mais bonito. Sempre foi uma canção que gostámos muito, e sempre quisemos fazer um vídeo para ela. O álbum acabou por sair sem que isso acontecesse e comecei a pensar que fazer um vídeo para uma canção que já estava na rua não era suficiente… Então surgiu-me a ideia de fazermos uma nova versão, em dueto. Desde esse momento era sempre a voz da Catarina Salinas que ouvia na minha cabeça e fiquei extremamente feliz por aceitar participar e pelo vídeo que fizemos com a Casota Collective.


[“Desligar”]

Quem é que nunca quis desligar? Cada vez estamos mais ligados, excessivamente estimulados e assoberbados. Às vezes é preciso largar tudo, procurar um lugar longínquo com o qual não temos nada a ver e olhar para aquilo que pensamos ser a nossa vida, de fora. Começar de novo. Foi um pouco o que fiz numa viagem ao Malawi que, a par com a pandemia, foram os momentos catalisadores da escrita deste disco.


[“Nasce O Dia”]

Quando deixamos passar a hora de ir para a casa e ficamos até mais tarde do que devíamos, quando as dúvidas todas nos começam a assaltar, quando bate o arrependimento, quando falta clareza e objetividade, quando o percurso parece mais difícil do que na verdade é, quando voltamos a ficar pequeninos e só queríamos poder voltar a correr para os braços da mamã.


[“Saudade”]

A “Saudade” é minha canção pandémica por excelência. Os confinamentos foram uma altura em que me dediquei bastante à escrita em português. Pela natureza da experiência nova e anormal que todos vivemos, acabei por ficar com mais tempo em mãos mas também como muito mais em que pensar em relação ao mundo, às pessoas, e ao que achávamos que sabíamos sobre o funcionamento de tudo isto. Essa ideia foi a primeira faísca para esta canção. Decidi chamar-lhe “Saudade” pela singularidade da palavra e pela sua importância na nossa cultura.


[“A Noite”]

Certa madrugada acordei num quarto de hotel e não conseguia manter-me em pé sozinho. Dois diagnósticos médicos por telefone depois, entendeu-se que provavelmente não haveria um perigo imediato e tomou-se a decisão de me levar algumas horas num carro particular até um hospital supostamente melhor e mais perto de casa. Durante essa viagem acabei por me questionar como lidaria com a situação se por acaso chegasse o fim do tempo para mim. Esta é uma canção sobre tudo o que importa e sobre estarmos em paz como o que está para trás.


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