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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 20/02/2024

São 8 temas de homenagem a Almada.

Faixa-a-faixa: Alma, o álbum de Krayy e Soul Providers explicado por quem o escreveu

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 20/02/2024

A ideia era simples. Krayy queria pegar nas suas vivências de Almada e fazer mais ou menos aquilo que Kendrick Lamar havia feito com good kid, m.A.A.d City, sobre a sua experiência ao crescer em Compton. O resultado, numa parceria com a dupla de produtores Soul Providers, chegou esta terça-feira, 20 de Fevereiro, via MSTV Records: já se pode ouvir Alma.

“A ligação aos Soul Providers foi natural”, explica Krayy ao Rimas e Batidas, sobre como se associou a Crate Diggs e RakimBadu. “Não só pela convivência, mas por tudo o que eu acredito que eles representam na Margem Sul. Não só pela sonoridade, mas pelos projectos que têm feito e pela forma como têm unido pessoas em seu redor.”

No dia em que apresenta o seu disco conceptual de homenagem à cidade a que chama casa, Krayy desvenda a história de cada um dos oito temas que compõem esta peça que só reforça o espaço mitológico que Almada já ocupa há tanto tempo no panorama do rap nacional.


https://www.youtube.com/watch?v=jJh28DR41jc


[“Intro”]

“Acho que a forma como se começa o álbum pode ditar completamente a experiência de quem o vai ouvir. É curioso porque, se bem me recordo, o instrumental da ‘Intro’ foi o último a ser escolhido, algo que não representa muito a ordem natural de como o álbum foi feito, pois eu na minha cabeça sempre tive uma espécie de guião e ia cumprindo a gravação das faixas consoante a ordem que está no álbum. A ‘Intro’ cria a sensação de estares a ser necessário em diversos lados ao mesmo tempo. É engraçado que, se o álbum conta uma história, esta ‘Intro’ poderia ser um final mostrado no início.”


[“Alma”]

“Este álbum tem uma ordem cronológica específica para mim, e o ‘Alma’ retrata claramente a minha infância, dos ringues, do atirar pedras e fugir ou das tentativas de fazer graffiti na parede. Acho que poucas pessoas representariam tão bem uma trilha sonora desta cidade como o TNT, o que acabou por ser um género de homenagem ao young Krayy, ter uma pessoa que admiro imenso e que faz todo o sentido nesta faixa. Um pormenor que tornou tudo mais mágico foi não só pensar que Soul Providers também tem Alma no nome, o que achei que faria sentido para nome do projecto, mas pensar que o próprio filho recém nascido do RakimBadu foi samplado neste beat. São acasos da vida a darem mais sentido à arte.”


[“Barco”] 

“Esta foi daquelas missões fáceis, de pegares em pontos memoráveis de Almada, e o cacilheiro é um deles. Curiosamente, só comecei a utilizar o barco como meio de transporte para o trabalho no início do processo de escrita do álbum e acho que me fez sentido incluir esta parte da jornada. É engraçado pensar que este é o único som em que já tinha uma letra antes do instrumental e assim que ouvi o beat soube logo que era esta emoção que precisava. Lembro-me de que disse ao Crate Diggs para tirar os drums porque queria fazer ali algo muito focado na mensagem e na minha voz, mas também coincidiu com uma altura que ouvia muitos sons drumless. Acho que o ‘Barco’ é basicamente dois minutos e meio a queixar-me porque tenho que ir trabalhar e não posso simplesmente ficar a fazer música. É uma faixa de solidariedade para com todos os que deixam sonhos para navegarem no mundo real de um 9 to 5 e nas suas obrigações.”


[“Crónicas do Ginjal”]

“Acho que das partes mais bonitas do processo deste álbum é eu conseguir perceber fases e momentos da minha vida a partir de certas faixas. ‘Crónicas do Ginjal’ fala muito dos finais de tarde no Ginjal, é uma música leve e mais descontraída que também queria ter no disco, principalmente porque não é difícil convencer-me a ir beber um copo de vinho depois de sair do ‘Barco’. Acho que tentei resumir o que é morar em Almada a partir das 18 horas num dia de semana em que tens (ou não tens) que trabalhar no dia a seguir, dependendo da resistência de cada um. Um facto curioso é que o skit do som acabou por definir o local na minha cabeça que queria para capa do álbum.”


[“Norris”]

“Ter um álbum que tente representar a zona que representa e não ter alguma coisa mais raw, para mim seria quase negar grande parte da essência. Eu acho que sempre houve um certo MS Pride na forma como escrevemos aqui, nas nossas punchlines e como mantemos um bocado esta parte mais purista de pé, e sinto que a faixa é o meu contributo a essa parte. O Grilocks e o NOIATT fizeram todo o sentido por trazerem energias diferentes daquilo que eu trago para uma faixa e sinto que ambos foram importantes, de forma distinta, para dar outra cor aqui.”


[“Bom Mau e o Vilão”] 

“Esta é daquelas faixas que podia quase ter uma rubrica só dela. Lembro-me de que, quando a idealizei, tinha uma participação em mente que acabou por não se concretizar. No entanto, para incluir essa pessoa, houve a necessidade de modificarmos o beat, sendo que até é dos poucos instrumentais que co-produzi. Em termos de sentimento, a moral a ser retirada é a dúvida no que de facto é o bom, o mau ou o vilão, pois quando vives na Margem Sul sinto que aprendes a lidar com tanta diversidade de situações que ganhas uma sensibilidade maior ao que à partida julgarias como ‘mau’ ou ‘bom’. A Eva Green Terrace é daquelas pessoas com quem sempre quis colaborar não só pela boa relação que temos a nível pessoal, mas por ser um enorme fã do potencial que ela tem enquanto artista. A colaboração foi muito simples, foi chegar, ouvir o som algumas vezes e ter umas ideias soltas até chegar ao refrão. Não minto que ao princípio estava algo reticente se deveria ter voz no refrão, mas, depois, na segunda parte, com ajuda do Kra Z Mic, acabámos por arranjar uma solução com umas melodias que tinha samplado da sessão com a Eva.”


[“Polis”] 

“Aqui a vida traz-nos algumas conexões interessantes, pois no som que fiz para o projecto do Young Boda já tinha perguntado ‘onde é que anda o polis?’ E acho que é uma daquelas perguntas que qualquer morador de Almada faz. Foi também o som que me deu a conhecer a Soul Providers, daí a história das conexões interessantes. Vejo o ‘Polis’ como uma faixa que responde às perguntas do ‘Bom Mau e o Vilão’ com mais dúvidas. Afinal, neste storytelling ficcional, acabamos por todos ocupar os três lugares. Mega big up ao Pestana que trouxe uma energia que eu não seria capaz de trazer, e é engraçado que a minha abordagem com ele em relação a essa faixa foi algo como: ‘tenho aqui uma ideia e és o feat ideal para lhe dar vida pois não sei se conseguiria fazer esta faixa com outra pessoa.'”


[“Cova do Vapor”] 

“Esta faixa foi daquelas em que pensei que os Soul Providers me queriam atirar pela janela. Eu sabia muito bem o que queria transmitir, mas fui bastante picuinhas na escolha do instrumental, o que me obrigou mesmo a meter as mãos na massa, sendo que ainda teve a coprodução do Jeezas. Foram vários beats e samples para chegarmos a um final que fala sobre o que é viver em Almada. A faixa começa muito com essa ideia entre o querer ir e ficar, para terminar num registo que, se for para isso, que fico então e queria que transmitisse tudo o que tenho visto até aqui. A ideia de que a ‘alma nasce inquieta como o Tejo e a caneta só poderá viver completa quando o meio nos acrescenta’ é a nota final que afirma o que tento dizer tantas vezes sobre o meio onde crescemos, que influencia a nossa forma de pensar e de ser enquanto artistas.”

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