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Fotografia: Pedro Jafuno
Publicado a: 16/06/2022

Azáfama, humor e muita fala artivista no palco. Entusiasmo, alegria, amor e vontade de luta entre a assistência.

Fado Bicha no Musicbox: festejo bravo da comunidade queer de Lisboa

Fotografia: Pedro Jafuno
Publicado a: 16/06/2022

Não era um concerto de apresentação, e sim uma festa de lançamento do álbum OCUPACÃO, e foi também uma noite de celebração queer numa Lisboa que esconde cada vez menos a sua homotransfobia e o seu racismo estruturais. Lila Tiago e João Caçador deram a maior parte do tempo de palco a quem colaborou na gravação do disco e a mais amigues de Fado Bicha. Ainda assim, interpretaram algumas canções desse registo de estreia, com uma Lila a fazer inteiro uso do seu potencial de voz. E que voz, que primor fadista! 

O Musicbox estava sobrelotado na noite de ontem, 15 de Junho, e o som era mau, mas ninguém se importou: o ambiente era efusivo, com toda a gente determinada a divertir-se, a usufruir da música que ia sendo apresentada – alguma excelente, outra menos interessante, mas recebida com igual entusiasmo por não ser altura para julgamentos críticos – e a sentir comunidade.

Pelo meio aconteceu um momento que podemos designar como histórico. Apresentou-se um grupo que incluía a fadista afrodescendente Érica Fernandes, com a guitarra portuguesa de Fernanda Maciel, que é brasileira, e a viola de fado de João Caçador, uma das “bichas” do projecto musical e artivista que juntou à sua volta a população LGBTQIA+ lisboeta e que ali comemorou o ter, finalmente, um disco, depois de centenas de concertos. 

Foi como se o velho fado, conservador, heteronormativo, patriarcal e que chegou mesmo a ser identificado com o Estado Novo ali tivesse morrido, para renascer como um fado inclusivo e marcado pela diversidade das existências humanas. Comoveu, deu-nos esperança e o aplauso esfuziante do público assinalou muito especialmente que tinha ali sucedido algo de inédito. Só por isto teria valido a pena uma deslocação até ao Cais do Sodré, mas houve muito mais.

Houve a intervenção de Symone de lá Dragma, que em OCUPACÃO participa na faixa “ESTOURADA”, canção que fechou a noite na perspectiva de um reencontro já no próximo sábado, na Marcha do Orgulho. Cantou uma série de êxitos portugueses da década de 1960, com um vibrato único que a todes impressionou. Houve passarumacaco, outro contribuinte no álbum, em electrónica, trompete e voz, esta utilizada como um timbre extra. Experimental, mas dançante, com beats à desfilada, logo no início da festa determinou a animação que se manteria por quase três horas, depois do inaugurante DJ set de Didi e Yizhaq e do funk carioca de Lippi.

E houve a contribuição de Moullinex, produtor de OCUPAÇÃO, da dupla Trypas Corassão, com o seu brega queer digital e com uma Tita Maravilha hiper-activa e uma Cigarra a relacionar-se com as máquinas como se fossem parte dela, bem como de Carlos Costa, um transformista que canta mesmo, e com boa capacidade vocal. Houve Joanadágua, com movimento performativo de Lua Felina. Houve falas cheias de humor e propósito de Lila Tiago e Alice Azevedo, mestra de cerimónias. Houve beijos e abraços por toda a sala, porque o amor pairava. Houve comunicação, sentido de pertença e de colectivo. 

Fado Bicha e os queers de Lisboa ocuparam o Musicbox, e foi tão bom.


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