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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/08/2023

O lado marginal da música contemporânea.

Extramuralhas’23 começa amanhã e recebe concertos de Esplendor Geométrico, The Young Gods ou Das Ich

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/08/2023

O Verão no seu pico e as tradicionais recomendações de leitura. Não fugiremos a elas, sobretudo pelas sugestões que apresentamos, mas por darem a conhecer a energia tanto efervescente, como inesgotável da associação FADE IN. Ler Uma cena ao centro – Música Moderna Portuguesa | 1990 – 1999 [Pedro Miguel – 2018] e Isto vai acabar em lágrimas – 30 anos SPH / 20 anos Thisco [THISCOvery CCChannel – 2021] é ficar com uma ideia bastante clara do dinamismo de anos, anos e anos que esta associação sediada em Leiria tem sido capaz de imprimir na promoção e divulgação do que se convenciona como as correntes mais marginais da música contemporânea, tanto nacionais, como internacionais. Exemplos encontramos vários, mas centramo-nos exclusivamente no Extramuralhas [24, 25 e 26 de Agosto], talvez a manifestação de maior visibilidade e que conta, já, com doze edições.

Uma programação cuidada, de uma equipa que conhece em profundidade cada um dos músicos que convida. Como se costuma dizer – sabem o que fazem. Uma leitura cronológica, no sentido de restabelecer amizade com cronos, aquele que nos teima em escapar.

Assim, e logo no primeiro dia [24 de Agosto] o destaque pertence aos The Young Gods [Jardim Luís de Camões – Acesso gratuito]. Apresentar o trio suíço é tornar vivas as memórias de um tempo de certeza nas nossas capacidades para construir algo em que acreditávamos profundamente, mesmo desconhecedores do que seria. Fundíamo-nos no “Gasoline Man”, vídeo que passava vezes sem conta no mítico Pop-Off da RTP2, conhecíamos a obra e todo o universo de Kurt Weill de uma forma tão enérgica como pessoal – The Young Gods Play Kurt Weill e, por fim, resgatamos o concerto no Teatro Sá da Bandeira, Porto, com a primeira parte de Cães Vadios [24 de Outubro de 1992]. Não é remexer no baú, simplesmente (re)afirmar e convocar todo o incandescente e abrasador que são as actuações ao vivo deste trio. Poucas certezas há, mas esta é das raras – vai ser intenso!

Logo a seguir proposta vinda de Istambul com os Ductape [Stereogun]. Numa analogia assumidamente literal, podemos afirmar que o duo turco saberá colar os cabos e a audiência do primeiro ao último minuto, na mistura aromática e certeira entre as melodias post-punk e uma toada mais darkwave. Dançar de uma outra forma. E como sabe bem dançar.



Capela das Almas, concerto de abertura de 25 de Agosto [Jardim Luís de Camões – Acesso gratuito]. Destaque justo. São, e como escrito no texto de apresentação ‘oportunidade rara de ver ao vivo uma das seminais e mais genuínas bandas do rock gótico português.’. Intermitências familiares a muitas das bandas do género, mas sobretudo persistência. 30 anos e por cá andam.

Com percurso igualmente longo, os míticos, e sem qualquer sinal de exagero – Esplendor Geométrico [Teatro José Lúcio da Silva]. Madrilenos, do início da movida e no caso concreto da deriva. Onde o estômago encontra o coração ou não estivéssemos perante um dos mais extenuantes performer/vocalista, nunca cantor, porque jamais haverá canções ou música, de que há memória. Campos magnéticos densos. Electrónica rupestre. Samplagem com tesouras corrosivas. Genesis P-Orridge, Cage e Burroughs convocados. Marinetti fica à porta, se Arturo Lanz e Saverio Evangelista o decidirem. É assim, com eles, há mais de 40 anos. Senhores do seu destino.

ClockDVA [Teatro José Lúcio da Silva], numa linguagem devedora à literatura, poderíamos considerar a banda de Sheffield como prossecutores do legado de Karel Čapek. A porta que jamais deveremos abrir. Os subconscientes atormentados. Os questionamentos subversivos. A relação do homem com a tecnologia e as consequências inerentes, numa construção colectiva quase nunca lúcida e solidária. Musicalmente de “raiz industrial”, socorrendo-nos novamente da categorização do texto de apresentação, mas tal como Esplendor Geométrico é a capacidade de anteverem um futuro de distopia, muito antes de ele (o futuro) se apresentar. Chamam-nos a atenção gritando-nos para o interior. A libertação do “inquietante absoluto”, os totalitarismos tecnológicos, a banalização do desumano. Seremos robôs dançantes. Queremos ser robôs com vontade própria.

Dia 26 de Agosto. Último dia. Das Ich [Jardim Luís de Camões – Acesso gratuito]. Profetas do subgénero de electrónica-gótica. Percursores do movimento “Neue Deutsche Todeskunst”. Um regresso a fazer lembrar os do tio do Brasil, afinal são 19 anos desde a última vez, e em que sobressai não somente a cadência dançante dos temas, reforçada pelo idioma (alemão), mas sobretudo as letras a remeterem para questões psicológicas. Ich e a referência ao universo de Freud.

Antes, Walt Disco [Jardim Luís de Camões – Acesso gratuito] a acrescentar cor, energia não falta, glamour e uma dose tão necessária quanto bem vinda de queer. Uma alegre misturada, cruzamentos inimagináveis entre Jarvis Cocker, Brett Anderson, Duran Duran e Primal Scream. Um lado mais festivo, dançável de outra forma. Representatividade. Em Leiria cabem, sempre couberam, as mais variadas formas de manifestação pessoal e musicais.

Por último, destaque novamente para uma banda nacional – IAMTHESHADOW [Jardim Luís de Camões – Acesso gratuito], trio originário da grande Lisboa, sonoridade densa e afectuosa. Dos entardeceres sem fuso horário. Quando o dia e noite se vão abraçando. O negro atrai as boas almas.

Acabamos como começámos, com outra sugestão de leitura – Companheiros da Penumbra, de Nunsky [Chili Com Carne – 2022]. Novela gráfica sobre a tribo gótica do Porto. As aventuras, sobretudo noctívagas como convém, as amizades que se engendram em torno da música, os 1001 esquemas dos donos do bar, o traçadinho e a Ribeira, descampados e casas abandonadas. Mesmo em pleno contexto de “ebulição climática”, ou talvez por isso, nada como convocar as trevas e um pouco de escuridão. Que o caminho até Leiria se faça deslizante, porque como diz um amigo – “Os carros não foram feitos para andar, mas para deslizar.”


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