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Fotografia: Beatriz Santos
Publicado a: 19/11/2019

Este fim-de-semana, a dupla da Leça da Palmeira celebra 20 anos de carreira com um concerto na Altice Arena.

Expensive Soul: “Nunca fomos artistas de editora”

Fotografia: Beatriz Santos
Publicado a: 19/11/2019

Há duas semanas, o Rimas e Batidas sentou-se à conversa com Demo e New Max, dupla que compõe os Expensive Soul. O motivo? Os 20 anos de carreira que celebram em 2019, que terá direito a grande concerto na Altice Arena, em Lisboa, este sábado, ainda na “ressaca” do lançamento de A Arte Das Musas, o seu mais recente álbum, em Junho.

Mas há muito mais em Expensive Soul do que a música que fazem. De Mos Def e o “velho” Kanye West a Bob Marley e Queen, tudo passou para as rimas de Demo e para os falsetes de New Max – e foi sobre isso que falámos. Disso e da rádio, da música em Portugal e da ponte com o Brasil, entre outros assuntos.

Vamos começar pelo início. São 20 anos de carreira, mas vocês devem-se conhecer há mais de 20 anos…

[Demo] Sim, a gente conheceu-se primeiro de vista porque éramos de Leça [da Palmeira]. Aquilo é pequenino e o Tiago viveu durante muitos anos na casa dos pais, no centro de Leça, onde para ires para qualquer sítio tens que passar ali. É um ponto de encontro. Andávamos na mesma escola e ele já lá tocava muito, já sabia bem os gostos musicais dele, mas eu não tinha qualquer tipo de ligação com a música. E depois calhamos na mesma turma. [New Max] E foi aí que realmente nos conhecemos, antes era só de vista, até porque éramos de grupos de amigos diferentes.

Foi aí que começaram a fazer música juntos, quando calharam na mesma turma?

[Demo] Ya! [New Max] Começámos a ouvir hip hop e outras coisas, andávamos sempre com os minidisc e com os discman atrás. Depois surgiu um concurso na Antena 3, no Repto do José Mariño, em 1999. Era um programa de culto que dava ao domingo sempre, foi o primeiro programa de hip hop em Portugal, então toda a gente ouvia. Com a possibilidade pensámos em enviar uma música, mas que ainda não existia. Ele, que me conhecia [bem], disse-me para fazermos uma música, que ele tinhas uns beats, assim um bocadinho por brincadeira, sem nada sério. O meu irmão já tinha um pequeno home-studio com um gravador e um microfone, nós gravámos em casa uma coisa muito “rough”, a primeira coisa que fizemos. Mandámos essa música para a Antena 3 e fomos seleccionados para lá ir.

Faz parte, o hip hop na altura era uma coisa muito crua na sua essência.

[Demo] E muito bairrista, cada um tinha a sua crew. O Norte já tinha os Dealema, os Mind da Gap. Depois tinhas os Matozoo, pessoal de Matosinhos. Lisboa tinhas também já vários como o Xeg, Valete, Sam The Kid.

O AC também…

[Demo] O AC veio muito antes até, de uma outra leva como os Black Company, o General D. O hip hop tem uma cena bairrista, fizemos todos os mesmos concertos, mais ou menos. Lembras-te daquele no barco? [New Max] No Porto Rio. Tocou lá toda a gente. Era um concerto no barco na Foz, com bar e tudo. [Demo] Que entretanto foi ao fundo. Era na Foz, no Porto. Era mítico. [New Max] Toda a gente foi lá tocar, mesmo de Lisboa. [Demo] E depois tinhas um sítio onde o pessoal do hip hop parava, que era na Cedofeita, o Comix. Um clássico, é incrível. Em ’96,’97 era o único sítio onde passava hip-hop tipo Nas e essas coisas. Tirávamos dali muitas coisas.

E era isso que ouviam? Na altura o hip hop não era mainstream, como é que começaram a ouvir?

[New Max] Era o que nós gostávamos de ouvir. Eram as nossas influências. Estava a chegar a Portugal o r&b e a MTV também, era o que ouvíamos. [Demo] E era um lifestyle também, nós usávamos calças largas, casacos puf bué largos que agora estão na moda. Eram os Biggies, os Tupacs da vida, os Eminems. [New Max] O Dr Dre também tinha acabado de lançar aquele álbum icónico. [Demo] Também ouvimos muito Nas. Há um que eu nunca falo, mas que foi um disco em que nós colámos os dois e era até arranhar o CD, que era o do Gabriel o Pensador, o Quebra-Cabeça. Foi até arranhar.

E quando é que perceberam que Expensive Soul tinha uma dimensão nacional e que podia passar na rádio?

[New Max] Olha isso teve de ser em 2000. Na altura a Kika Santos estava a fazer um disco a solo, o Ouro Azul. O primeiro disco em Portugal assumidamente r&b produzido por um americano que era o Jeff Taylor que tinha produzido a Janet Jackson. E ela deu-nos a oportunidade de fazer a Twix Tour, que eram 9 ou 10 concertos em discotecas e assim. Para nós foi “wow”, era a primeira vez. Ela achou que a banda tinha possibilidades, ainda éramos só nós com um minisdisc, os beats eram disparados e tal… Então fizemos a tour com ela, e começámos a chegar a outras pessoas que iam ver a Kika. Lembro-me de um dia na Kadoc… [Demo] Ya, fogo… [New Max] Foi a primeira vez que a gente sentiu que podia ser mais alguma coisa. Era a primeira vez que estávamos a fazer aquilo. [Demo] E as pessoas também nos incentivavam imenso, quem estava à nossa volta. Até a própria Kika, o primo, o irmão, o Hugo, o Orlando Santos, primo da Kika Santos, dos Blackout. A Kika é minha prima: casou com o meu primo e tornou-se minha prima. E o Hugo Novo, irmão aqui do Tiago, é professor de piano e foi músico da Kika na altura, e depois fizeram os Loopless.

E daí como é que chegamos ao primeiro álbum?

[New Max] Pronto de 2000 até 2004, que é quando sai o disco, e nós também começamos a crescer em todos os aspectos, a perceber o que é que podiam ser os Expensive Soul e a experimentar mais coisas.

A misturar géneros, não?

[New Max] Essencialmente a experimentar, um bocadinho como hoje. A fazer beats, músicas e a escrever, e depois pensamos: “Ok, estas são as músicas que podem fazer um disco”, e depois remix atrás de remix. Foram quatro anos nisto. Na altura, a Kika andou a ir às editoras com o nosso disco, a maquete. Ela conhecia, tinhas os contactos mas ninguém queria. Aquilo era uma cena nova e ninguém queria nem ninguém acreditava naquilo. Então decidimos fazer um projecto próprio, juntámos os envelopes do Natal, basicamente, e fizemos mil discos, tudo edição nossa. E andámos a vender aos nossos amigos a 10 euros. Vendemos uns discos e uns meses depois conseguimos uma distribuidora, a Compact Records. Muito pequenina, a cena do vinil e tal. Eles hoje em dia são basicamente a Amazon. Aquilo era uma coisa muito pequenina e agora estão com brutas instalações, conseguiram dar a volta. Eles puseram o nosso disco nas FNACs, e foi a primeira vez que chegámos a uma grande editora. Depois foi o meu irmão que mostrou à EMI o nosso disco. Um ano depois de termos editado o BI, um representante da EMI encontrou-se connosco no Estádio do Dragão, veio com aquele discurso do “devíamos ir almoçar”, aquilo aconteceu e quiseram reeditar o disco. E nós licenciámos o disco à EMI e chegamos a outras superfícies.

O segundo álbum sai não muito depois disso então.

[New Max] Porque o B.I. já tinha dois anos nesta altura, não é? Em 2006 sai o segundo disco logo pela EMI, também licenciado e com outra força.

Já com recurso a estúdios e outros meios?

[New Max] Não, não, sempre também em casa, entregámos o master. Nunca fomos artistas de editora, licenciávamos sempre o disco à editora e eles faziam a distribuição.

É curioso estarmos a falar de há 20 anos e dos vossos álbuns antigos. É um exercício que vocês façam, escutá-los?

[New Max] Fizemos agora para a Altice. [Demo] Eu faço. Às vezes vou correr e faço isso. E é bom, há momentos que só nós sabemos. Chegámos a fazer os primeiros concertos, ficámos em casa de um amigo e tocámos para duas ou três pessoas. [New Max] Fomos uma vez a Lisboa, lembras-te? [Demo] Lembro, fomos à praia de Carcavelos e tocámos no Spice Bar, num cantinho para três ou quatro pessoas. E depois ficámos todos a dormir num T1 de um amigo. E há histórias que tu te lembras. É claro que o B.I. é um disco cheio de singles, se fores a ver. O Conguito disse-me assim, “tens noção que este disco está no top cinco dos discos da minha vida, eu cresci a ouvir este disco”. Claro que sentes uma diferença muito grande do B.I. para o Alma Cara porque, em termos de pessoas, era outra máquina de volta dele. Eu consigo ouvir todos os discos, todas as músicas… [New Max] E consegues saber perfeitamente em que fase da vida estávamos e o que é que estávamos a fazer. [Demo]… e não tenho nada que me arrependa. Não há nada que eu diga, “tirava esta música do disco”.

Nem uma afinação? Nenhuma alteração mesmo?

[Demo] Eu não. [New Max] Eu acho que é o que já está feito. Lei it go, é infinito, já passou. Por nós continuávamos mais 10 anos a fazer discos.

E a vossa abordagem à música mudou? Vocês tinham uma música que era o “Faz Esse…”. Hoje faziam uma música como o “Faz Esse…”?

[Demo] Faz esse, mano! Sabes o que é que isso quer dizer? Claro que fazia, era o “Faz Esse Outra Vez”. [Risos]. [New Max] Claro que sim. Repara, não é um tema que eu queira abordar hoje em dia. Na altura éramos adolescente, foi a descoberta, faz parte do jogo da altura. Agora continuo a “fazer esse” mas já não preciso de falar disso. [Demo] Ou pelo menos dessa forma, não é? Tu podes dizer de outras formas! [New Max] Mas sabes que é uma música que ainda nos pedem muito para tocar. [Demo] Marcou. Veio numa altura em que era tabu falar disso, e da forma que é, porque é um “faz esse” fixe, não é? [Canta] “Eu queria sair disto mas eu estou tão bem”. É um filme! [New Max] Aliás há um vídeo muito engraçado no YouTube que alguém fez, em que põe o som e explica como é que se faz. Se meteres no YouTube aparece. [Demo] Mas tens lá temas super pessoais, “O tempo passa” é super pessoal, aquilo foi vivido, percebes? Tens outra coisa que identifica muito os Expensive Soul: nós falamos aquilo que sentimos, nunca viemos com cenas do tipo, “ya, eu sou muita duro e estou aqui no gueto, sou do submundo e as minhas tatuagens e não sei que mais”. [New Max] Isso faz parte do hip hop, não é? [Demo] Faz parte do hip hop, a cultura é assim. Eu se estivesse de fora olharia sempre para os ES como uma salada russa refinada, com um requintezinho musical.

Isso é curioso, vocês são assumidamente hip hop, e eu sei que não gostam que vos façam esta pergunta, até falam dela numa música recente, mas tu chegaste a rappar alguma vez, Tiago?

[Demo] O “Eu Não Sei” é rappado. [New Max] Sim, eu no primeiro disco é tudo rappado! Mas nunca mais fiz isso!

Pois, porque hoje em dia enveredaste muito mais por uma onda r&b, não é?

[New Max] Epá, cada macaco no seu galho, não é? E eu percebi que o meu caminho é cantar e deixo o rap para quem o faz bem.

E também tens um timbre particularmente distinto.

[New Max] Sim, acho que sim. Mas também tinha a ver com a idade, eu curtia bué de rappar. Estava a ouvir hip hop e escrevia muitas letras…

Entretanto tu chegaste a ter um álbum a solo. 

[New Max] Sim, em 2009.

E isso surgiu porquê?

[New Max] É por eu ter 300 ou 400 músicas em casa, neste momento, só isso. Senti a necessidade de lançar alguma coisa diferente. [Demo] É um grande álbum mesmo. Ainda hoje estávamos a falar sobre isso, queria que ele disponibilizasse esse álbum nas plataformas digitais porque acho que esse álbum merece. Merece por tudo, pela inspiração que esse álbum é, por estar actualizadíssimo, super inteligente na escrita. Ainda há pouco tempo estive a ouvir o álbum.

E esse álbum tem uma coisa que Expensive Soul não tem muito, que são colaborações. Porque é que Expensive Soul não tem colaborações?

[Demo] Não é não tem. Não acho isso. Agora, a nossa filosofia é que só faz sentido se houver uma ligação. [New Max] E tu no Alma Cara tens o NBC e Xeg. E o Bob Da Rage Sense e o A.S2 no Utopia. Fizemos com toda a gente: Rui Veloso, Paulo de Carvalho, Manuela Azevedo, Ana Moura, mais… [Demo] Incognito, Omar…Eu acho que a do Rui Veloso é mais impactante porque ele lança um disco e nós estamos no single, não é? [New Max] E tem tudo a ver com as ligações. Houve fases em que estivemos ligados ao Rui, ao Jorge Fernando, ainda estamos. O Paulo de Carvalho foi a mesma coisa, fomos convidados para fazer um programa de televisão com ele e nós tocámos uma música dele e ele tocou uma música nossa, e a partir daí surgiu uma relação. Foi sempre assim. Fizemos agora o novo single com o Vitor Kley, ele é brasileiro e tu perguntas, “mas como é que fizeram ligação com o Vitor Kley?”. Ele esteve em Portugal e a banda que lhe bateu cá em Portugal fomos nós. [Demo] Ele ouviu-nos no Spotify. Tinha uma playlist e tinha lá “O Amor é Mágico”. [New Max] E pôs bué vídeos a cantar nas redes sociais, depois o Demo linkou com ele. [Demo] Eu depois fui falar com ele no Instagram, a agradecer-lhe. Ele escreveu numa revista portuguesa que só fazia uma colaboração em Portugal — com os Expensive Soul: “eu não os conheço mas são uma banda com que me identifico”. E eu fiz uma bocadinho de pesquisa, que agora tens esse privilégio das redes sociais, e fui ver a maneira de estar dele e fez-me muito lembrar quando nós começámos: surfista, boa onda. Falámos com ele, trocámos umas bolas, mensagem para aqui, mensagem para ali, e entretanto estamos no estúdio, na fase de mistura e o Max lembrou-se que ele se encaixava naquele som. E eu pensei, “porque não? Posso mandar-lhe sem compromisso” – foi logo, nem pensou duas vezes. Mandámos o som, a letra e dissemos-lhe para fazer a arte dele. E resultou muito bem, estamos felizes porque sentimos que pela primeira vez fizemos uma colaboração com um artista que tem a mesma onda que nós quando começámos. Nós gostávamos de sair daqui um bocadinho, tentar outros países.

Há uma coisa muito curiosa com o Brasil, que é eles vêm cá a Portugal actuar, mas os portugueses não vão tanto lá.

[Demo] Ora, vês como tu sabes? Não vão ao Brasil e já está tipo o José Cid. Nós trazemos os artistas e eles levam o dinheiro [Risos]. É verdade, não é? E ele falou uma coisa numa entrevista, que é preciso fazer a ponte. Se calhar os brasileiros querem ouvir a nossa música nova, e a ponte não é bem feita. Nós estamos 100% disponíveis para fazer essa ponte. Não estamos numa zona de conforto, não estamos numa de “20 anos de carreira, ninguém nos vem ensinar nada” e já fizemos tanta coisa, o Symphonic Experience, fizemos o primeiro MTV Live com três grandes bandas, duas morreram e acho que voltaram agora – Da Weasel e Blasted Mechanism –, nós continuámos cá. Fizemos coisas tipo tocar quatro ou cinco vezes no Sudoeste, mas não estamos numa zona de conforto.

E já tentaram essa ponte com o Brasil?

[Demo] É agora, estamos agora. [New Max] Fizemos o Rock In Rio para aí cinco vezes. Cá. Chegaram a convidar-nos para ir lá mas convidaram-nos para ir lá tocar com um artista que nós não conhecíamos e com quem não nos identificávamos — um mash-up que eles fazem lá — e nós não fomos. A primeira vez que vou, vou tocar cenas com malta que não conheço de lado nenhum? [Demo] Os brasileiros têm muito a cena do produto. Eu quando fui lá, ao RIR, para perceber como funcionava, aquilo que senti foi uma cena muito impessoal. Ao vivo resulta muito bem mas quando saem do palco é cada um para o seu lado. Não somos aquela cena fake montada com base no interesse.

E sentes que cá é muito diferente nesse aspecto?

[Demo] Repara uma coisa, cá os putos, a Carolina Deslandes, o Agir, o Piçarra, são todos amigos e fazem todos sons uns com os outros. É uma fórmula e eles já a estão a fazer — isso é uma fórmula –, vês isso muito nos discos americanos. O J. Cole, quis fazer um álbum sem participações, ele disse assim, “eu não vou chegar a platina à pala das colaborações”. Tu vês o pessoal do hip hop e ficas maluco, é participações com toda a gente. E os miúdos novos cá é igual, com esta fórmula.

O vosso hip hop beneficiou muito do r&B porque o torna comercializável e fidedigno ao movimento. Prova disso é “O Amor é Mágico”, que passou nas rádios todas e uma ou outra do B.I.. Vocês acham que acertaram na fórmula? Como é que chegaram aí? Coincidência?

[New Max] Nós fazemos canções acima de tudo. Claro que num disco de 10 músicas não vamos ter 10 temas com A-refrão-A-refrão-rap-refrão e acaba – “O Amor é Magico” é isto, não é? E tem a ver com o facto de sermos assim desde o início. O B.I. tem isso, mas é a formula com que aprendemos a fazer música. [Demo] Para mim, o grande sucesso dos Expensive Soul são as pessoas. AS pessoas gostavam da cena assim. As pessoas gostavam dos Expensive Soul assim e gostavam das músicas assim. Isto não é um projecto pensado dessa forma. Não é como tu estás a achar que isto foi idealizado, ninguém pensou em fazer assim porque era assim que ia resultar bem, não foi isso. [New Max] A parte de compor tem a ver com o que eu ouvi, e antes do hip hop.

Eu acho que isso se percebe e era aí que eu queria chegar, até porque a sonoridade de deixa-me ouvir os vossos temas como se fossem hip-hop ou não.

[New Max] É o que ele diz, a tal salada de frutas. [Demo] Eu faço rap, mas não sinto que faço parte do movimento [de] rappers. Hoje em dia o movimento também está alterado. Agora é preciso teres cabelo azul e dar flex em tudo. [New Max] Sim, sim, agora muito mais. [Demo] Sempre existiu isso doutra forma: se não fazias rap duro e cru, não era rap. Se fizeres rap a falar de amor, não é rap. O r&b de que estavas a falar, de “eu amo-te, eu sinto saudades tuas”, não é rap. E nós passámos por isso: as cenas cantadas eram gay – não eram rap.

E sentiam que eram ostracizados pelo movimento?

[New Max] No início acho que sim.  [Demo] A cena dele destacava-se muito mais que a minha porque rappers há muitos, cantores havia poucos no rap. Mas deixa-me contar que eu cheguei a ouvir de uma revista que “não porque o vosso estilo de música, quem canta, tem uma ‘vozinha’ muito coiso…”.

E acham que essa personalidade machista se mantém no rap?

[Demo] Não, olha para o rap agora. Não acho. [New Max] Hoje em dia não. Está muito mais inteligente do que alguma vez foi. Início dos 2000s era street, bitches, money, era isto que nós ouvíamos.

E como é que olham para a música hoje? Ligam a rádio, ouvem o que está a passar e o que é que vocês tiram dali, quais são as vossas ilações?

[New Max]  Eu sinceramente só ouço uma rádio. Ouço a Rádio Nova, que tem completamente o contrário das outras. Tem uma playlist com soul, funk, um bocadinho de hip hop mais antigo, mais cantado. Recuso-me a ouvir as outras porque não gosto, não me identifico. [Demo] Eu continuo a ouvir muito hip hop. Sou muito fã de Mos Def, muito fã do velho Kanye West, muito fã de J. Cole…

Mas isso não passa na rádio…

[Demo] E queres que eu te diga porque é que isso não passa na rádio? Porque isso não dá airplay. Não dá patrocínios e as rádios vivem em competição umas com as outras. Se tocas na RFM, não tocas na Comercial, e se tocas na Comercial, estás em guerra com a RFM. E isto depois é assim, como é que podes ter um mercado de rádio em que a RFM e a Comercial têm mais de 30% cada uma e onde é que está a Mega Hits, por exemplo? Deve estar nos 8%. Por isso o que eu quero dizer é que a Radio Nova deve ter nem 1%, e nem é uma rádio nacional. Agora, se fazem o trabalho de casa? Não fazem, há que educar as pessoas e eles não educam. Tem que haver as duas coisas. Ainda hoje nos fizeram um pergunta em que nos disseram que em ’99 apanhámos com o Mambo No 5, a Christina Aguilera e essas coisas, mas por outro lado tivemos alguns dos maiores rappers de sempre. Tivemos o Eminem, o X-Zibit em altas, o Snoop Dog em altas, a cena de Nova Iorque em altas. Tínhamos o Jay-Z, depois tínhamos a neo-soul a seguir… E aqui entra mais a tua cena, Max? É que ele atira-me com nomes de rappers e eu a ti, quando te ouço, sinto-te mais noutro campo. Tu ouvias as mesmas coisas? [New Max] Eu ouvi isto tudo também, sim. Mas venho de uma escola diferente, uma escola muito mais cancionista. O hip-hop chegou foi mais a fase em que disse, “vou fazer”. Eu antes tive bandas de garagem, de reggae — gostava muito de Bob Marley – e especialmente Queen. E a estrutura da canção de Expensive Soul é Queen. Beach Boys, outra banda também que eu adorava. Mas eu, quando estávamos na fase do B.I., fiz parte do movimento de hip hop, da Matarroa. Produzi e gravei do Xeg ao Regula, Conjunto Ngonguenha, Fidbeck, Matozoo. Misturei para o Valete, o Sam The Kid – são todos meus amigos. Acabei por me ligar não só pelos Expensive, mas também como produtor e misturava cenas para eles — era difícil ir aos estúdios e [eles] gostavam muito do nosso som, então mandavam-nos as coisas lá pra cima. Comecei a conhecer a malta e ganhei o respeito, foi assim.

Ao longo destes 20 anos há certamente artistas que ficaram pelo caminho. Há algum que vocês tenham pena que não tenha singrado? Até podem estar no activo, mas que não tenham o reconhecimento que, aos vossos olhos, merece?

[New Max] Vários. Tens o Xeg, é um grande exemplo. Faz parte do movimento e era muito especial. Depois tens o NBC. Tudo bem que o NBC continua a existir e faz muitas coisas, mas a carreira a solo e os discos que ele faz nunca chegaram a rebentar. Tens imensos. [Demo] Eu acho que são mais os que não conseguiram rebentar do que o contrário. Eu, para mim, houve ali uma fase em que o último a apanhar as vacas gordas foi o AC, com o “Princesa”. Aquilo bateu como nunca.

Eu já entrevistei o cantor que participa nesse tema, o Berg!

[Demo] O Berg é nosso amigo. Uma voz do caraças. O Berg esteve na TV e ganhou. Mas tens que pensar desta forma: eles fazem os trabalhos de casa? Não. Tens hoje um pico. Se nós tocávamos na rádio, púnhamos uma cassete e clicávamos no rec, logo! [New Max] Hoje é uma cena normal. Mas nós parávamos para nos ouvir! Já havia telemóveis e nós ligávamos um ao outro e púnhamos a rádio com a nossa música a tocar em chamada para o outro ouvir. [Demo] Ir à TV era impensável. Se fosses à TV eras o maior do teu bairro. Se perguntares aí a uma banda, eu não vejo isso, ninguém anda na rua a colar cartazes e a vender CDs. Se calhar ainda bem, que hoje há outras plataformas, mas nós somos dessa altura.

E qual é o impacto que isso tem na música?

[Demo] O impacto é que hoje não tens o respeito pela música, pela arte. Nós demos tudo, queríamos mesmo muito isto. [New Max]  As plataformas são uma facilidade que não havia na altura. Se calhar tens 70 coisas que não interessam, mas qualquer pessoa tem esse acesso.

E achas que isso pode dar azo a falsos artistas?

[New Max] Claro, claro. [Demo] E se eu te perguntar a ti, tu achas que dá azo a falsos artistas?

Eu acho que sim.

[New Max] É isso. Todos os dias aparecem coisas boas, mas também tens que ter o lado mau. [Demo] E tens fenómenos. O Justin Bieber é um fenómeno da net. Tem um pico tão grande e retira-se. [New Max] E quantos miúdos, o Jacob Collier… não? Não sabem quem é?

Acho que estás sozinho nesta… Estamos a ser vítimas do efeito da Internet. Ele conhece alguém que tem provavelmente milhões de visualizações e nós zero.

[New Max] Jacob Collier, meus amigos. A sensação da Internet. Tiny Desk — é dos mais vistos. É multi-instrumentista, um génio da música actual. Ele toca tudo, agora começou a fazer baixo e guitarra. Tens vídeos dele com o Herbie Hancock a ensiná-lo a tocar. [Demo] Mas voltando um pouquinho atrás, é importante dizer que eu, pelo menos, acho que nunca se fez tão boa música como actualmente. Vais ouvir o primeiro disco do Sam The Kid e não tem mistura, nem masterização…

Era feito em casa, como os vossos.

[New Max] Sim, era isso mesmo, home studio. [Demo] Mas hoje os putos fazem aquilo em casa e quase já soa a americano. Se na altura eles tivessem o dinheiro para o equipamento que os putos agora têm… Nunca se fez tanta boa música como agora. Mas tens o bom e o mau.

Vamos falar do vosso concerto. 20 anos de carreira, concerto em grande. O que é que estão a preparar?

[New Max] Vamos tocar um pouquinho dos cinco discos, é obrigatório, mas vamos tocar músicas que as pessoas nunca ouviram ao vivo e que nos pedem para tocar e nós nunca tocámos. E acho que o concerto é uma viagem do início ao fim, todas encadeadas. Há três actos, todos diferentes, o concerto vai crescendo e nisto entram os convidados. Vamos ter o Saint Dominic’s Gospel Choir, que é um coro de gospel do Porto e Lisboa, cerca de 20 pessoas que vão lá estar do início ao fim. Temos os Momentum Crew, que é o melhor crew de b-boys que temos aí em Portugal. [Demo] Tens a língua gestual. [New Max] Sim, claro, que também são nossos convidados.

Língua gestual?

[New Max] Sim, o concerto vai ser todo dobrado em língua gestual nos ecrãs laterais, uma senhora a fazer a minha parte e outra a fazer a parte do Demo.

Isso é incrível.

[Demo] Acho que também é um inédito, não é? Nós já fizemos um concerto em Leça com língua gestual e ela conseguia fazer os raps. E vamos ter o Duarte também no concerto. Ele é actor e é ele que faz a voz-off no “Estou Quente”, quando aparece um gajo da editora a ligar, é ele. E vamos fazer uma encenação disso, mais extensa, com ele.

Ouvi falar em não sei quantos músicos…

[Em uníssono] 44! [Demo] Para aí. Mais um, menos um… [Risos] [New Max] Mais seis sopros!

Era preciso mesmo uma Altice Arena para pôr essa gente toda num palco.

[Demo] E é um concerto que nunca mais se vai repetir, a verdade é essa. Porque em termos logísticos é muito difícil conseguires fazer outro concerto desta forma. E passo a dizer, este concerto é super importante para a música portuguesa. Principalmente porque estamos a celebrar 20 anos. É um concerto para os músicos, para as pessoas que gostam de música. E acho que as pessoas estão habituados aos Expensive Soul a fazer o que sempre fazem – coisas inéditas, épicas. E os Expensive Soul na Altice Arena vão fazer esse concerto que, posso dizer com toda a certeza, é o melhor concerto do ano. [New Max] Pelo menos para nós. [Demo] Se nós não dissermos isto, quem é que vai dizer, não é? [Risos]

Para fechar: Leça da Palmeira continua a ser o sítio mais bonito de Portugal?

[New Max] Não, pá! É horrível aquilo [risos]. Claro que continua. É o sítio onde crescemos. A casa dele, passar pela minha casa a caminho de qualquer sítio. Há-de ser sempre. Temos as nossas raízes ali. Ele vive lá ainda, eu já não, mas tenho lá os meus pais, vou lá às vezes. [Demo] É uma coisas incrível, que aquilo era uma letra num rap e ainda hoje nos perguntam isso. [New Max] Pôs Leça no mapa, não é? [Demo] E ainda passa na rádio. Os DJs sempre que passam isso mandam-me mensagem e tal. É muito engraçado.

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