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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 18/06/2021

Trance rules anything near anyone.

Evian Christ: “Fiquei obcecado com a ideia de que a música extrema deveria ter um ambiente extremo a envolvê-la”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 18/06/2021

Começou como um aspirante a professor do ensino básico que fazia uns beats por entretenimento e, pouco tempo depois, tornava-se parte do elenco da muito interessante editora Tri Angle. Daí a trabalhar com Kanye West e outros importantes rappers foi só um saltinho, mas, para Evian Christ, um dos mais excitantes produtores do momento, a magia encontra-se no live act. Dentro de alguns dias, o músico britânico vai regressar finalmente, e para seu contentamento, aos palcos, mais concretamente no festival FENDA, onde o público bracarense vai ter o prazer de testemunhar a apresentação mundial do seu novo espectáculo audiovisual.

É exactamente com essa muito aguardada performance que iniciamos uma série de perguntas que passam, também, pela forma como olha para a indústria, pela produção de hip hop na actualidade, pelo seu “laboratório” musical e pela sua paixão pelo Cubase. Preparem-se, vai ser forte.



Vamos iniciar a conversa pela tua muita aguardada actuação no FENDA, onde vais estrear um novo espectáculo audiovisual, certo? Fala-nos um pouco sobre o que tens preparado. Podemos esperar algo intenso, catártico e dançável?

Olá! Sim, uma espécie de estreia! Tocar ao ar livre para um público sentado ainda é algo novo para mim. Isso obriga a algumas mudanças técnicas e de escolhas musicais em comparação com um concerto mais regular. Vamos estar mais focados na questão de ouvir ao invés de dançar, por isso o ritmo será muito mais lento e paciente. Recentemente tenho sido muito influenciado pelos momentos mais ambient das músicas do trance baleárico e do progressivo. Gosto da ideia de que essas passagens possam ser estendidas a canções completas e combinadas com uma iluminação extrema; essa é a base da performance. Como se fosse um sunset no Café del Mar a acontecer antes do fim do mundo ou algo assim.
E em relação à componente audiovisual, que inspirações tiveste? Colaboraste com alguém? 

Sim, trabalhei com o Emmanuel Biard. Já trabalhamos juntos há alguns anos. Lembro-me de que, quando nos conhecemos, ele mostrou-me um strobe com um gel de iluminação e fiquei imediatamente interessado naquilo e no seu funcionamento; do género, o que acontece se eu puxar os faders até ao máximo? Fiz isso e, ok, era altamente brilhante, não conseguia ver nada… qual seria o resultado se fizesse isso com um conjunto de 10 strobes? Ou 20? Qual é o máximo que posso atingir até ficar literalmente cego? Eu adoro tanto aquelas luzes que decidi: talvez queira mesmo ficar cego… Nessa altura aprendi que é ainda mais intenso com fumo, então, ok, qual é a máquina de fumo mais poderosa do mundo? Qual é que usam em Hollywood? É feito na Alemanha? Posso ter cinco deles e colocá-los num espaço minúsculo e escuro, acompanhado com um sistema de som enorme? Fiquei obcecado com a ideia de que a música extrema deveria ter um ambiente extremo a envolvê-la, então criámos isso com a nossa compreensão desses efeitos; algo extremamente agressivo e extremamente bonito; estimulante, mas também escuro, familiar e não-familiar. Todo ele ao vivo, sem ser ensaiado, simplesmente o que parecer bem no momento. No final do concerto estaremos exaustos e, possivelmente, o público também, mas vale a pena. Na verdade é o que mais adoramos fazer. Tenho sentido muitas saudades e poder voltar a tocar, finalmente, vai ser algo emocional para mim, acho eu. Especialmente em Braga, que é uma cidade que adoro. Estou muito entusiasmado.

O FENDA é um festival que olha atentamente para as artes urbanas. Elas são uma influência criativa no teu trabalho?

Eu não sou uma pessoa da cidade, por isso a arte urbana contemporânea não é algo que esteja realmente muito em mim. Mas gosto muito daquilo que pode ser considerado uma arte urbana ancestral, como as esculturas rupestres de Yxguden em Flyhov, na Suécia, ou o Gigante de Cerne Abbas, em Dorset… esse tipo de coisas.

Neste momento a música e a arte digital, mas também a arte urbana, estão a viver um período extremamente entusiasmante devido ao fenómeno dos NFTs. O que pensas sobre este universo, sobre as suas potencialidades e sobre a febre que o circunda?

Não tenho um pensamento muito forte sobre isso. Um NFT é apenas uma unidade de dados que pode ser usada para certificar a propriedade de ficheiros digitais e, por enquanto, o caso de uso economicamente mais bem-sucedido são os coleccionáveis digitais. Não sei se é útil chamar “arte” à maioria dessas colecções. Prefiro pensar nelas como produtos, mas este é um debate antigo no qual não estou muito interessado… Enfim, para pessoas cujo trabalho é criado principalmente para exibição online, é um desenvolvimento promissor, porque é uma maneira de se capturar directamente o valor do seu trabalho. Dantes eles tinham que postar trabalhos de graça no Instagram, como um portefólio digital, e esperar que alguma marca os convidasse para trabalhar nalgum projeto. Talvez agora os criadores tenham mais autonomia e mais opções. Alguns amigos meus, como o David Rudnick e o Ezra Miller, ganharam muito dinheiro ao direccionar os seus trabalhos para esse mercado. Estou feliz por eles e eles merecem.

Vamos falar sobre a tua música. Observando o teu catálogo de remisturas percebemos que ele pode ser visto como um espelho do teu som. Nós conseguimos encontrar a potência, o peso e a intensidade in your face de um Ben Frost, mas também o charme borbulhante da pop de uma Marina ou da Sia. A tua música consegue ter essas duas direcções a trabalharem em simultâneo. Por esse factor, eu gostava de saber que influências tens? O que te levou a combinar estes sons, a produzir esta ideia? A tua música é assimétrica.

O Ben Frost é um bom ponto de referência para mim e fiquei honrado quando ele me pediu para fazer uma remistura. Acho que a nossa abordagem é semelhante em certos aspetos. Claro que existem algumas diferenças estéticas. A música dele vai sempre ser categorizada como uma variante do metal e a minha como uma variante do Ttance; e o trabalho dele é apresentado de maneira muito mais formal, dentro do mundo clássico moderno, enquanto eu sou mais um rejeitado da música de dança e apresento-me de uma forma menos rígida. Mas, no final, encontramo-nos num lugar bem semelhante, produzindo o nosso próprio estilo de música ambiente, densa e agressiva, com foco na performance ao vivo. Ele parou de me seguir no Instagram, por isso eu não devia ser tão simpático com ele.

Já tiveste o prazer de trabalhar com o Kanye West, o Danny Brown e o Travis Scott. Que ensinamentos retiraste do trabalho com estes nomes gigantes? De que forma eles influenciaram o teu processo ou a tua forma de pensar?

Sim, toda a gente me pergunta sobre isso, mas até nem aprendi assim muito. Quer dizer, para ser sincero, só aprendi que não gosto de trabalhar com cantores e rappers, por isso parei de fazê-lo. Ainda me perguntam se quero trabalhar neste ou naquele projecto, e sou grato por me perguntarem, e para ser sincero até podia ganhar mais dinheiro se o fizesse…, mas prefiro viajar para lugares diferentes, organizar festas, “rebentar” pessoas com strobe lights e música no máximo. Éque eu faço em vez disso.

És responsável por alguns dos mais brutais e pesados beats de hip hop que alguma vez ouvi. Sentes que, nesta altura, o rap é muito mais intenso, alto e abrasivo do que alguma vez foi?

Sim, é. Acho que quando fizemos o Yeezus estávamos um pouco à frente do tempo, certo? A forma como as pessoas agora processam 808s e masterizam as faixas é de loucos [risos]. É tão alto, mas eu adoro. E adoro o funk mandelão do Brasil, que é um som ainda mais extremo.

Continuas a usar a tua garagem como estúdio e o teu Cubase antigo nas tuas produções?

A mesma garagem, o mesmo Cubase. Apesar de ter feito algumas renovações… agora é mais um pequeno estúdio. Mas não tenho muito material caro, gosto de me tornar um especialista em ferramentas simples e fora de moda. Se me pedires para usar o Ableton 11 ou alguns desses controladores MIDI, eu não faço ideia. Mas, acredita, ninguém é mais rápido do que eu a editar áudio no Cubase SX 3. Se um dia deixar de o conseguir usar, acho que desisto da música.

Enquanto estava a ler algumas das tuas entrevistas reparei que falas imenso do quanto o mundo da música pode ser “stressante” e denoto que por vezes pareces ter uma ralação de amor-ódio com a indústria musical. Como te sentes neste momento em relação a isso? Qual é a tua posição sobre a pressão, o stress, toda essa componente mais negativa que acaba por existir?

Sim, foi essa a sensação que tive quando fui pressionado a trabalhar com rappers e a ficar na América o tempo todo. Era algo que não gostava. Odiava a indústria, lidar com egos, gerentes, pessoas em grandes escritórios, estúdios sofisticados. Acabei por sair: simples. Sendo um produtor, o teu trabalho é facilitar as ideias de outras pessoas. Algumas pessoas são óptimas nisso, mas eu tinha as minhas próprias ideias e estava mais interessado nelas. Eu gosto de trabalhar em performances ao vivo e festas, então aposto tudo nisso, desde que note interesse das pessoas. Até agora está a correr bem.

A tua vida teve uma grande reviravolta num espaço de tempo muito curto. Tu passaste de alguém que colocava uns beats no YouTube para os amigos ouvir para um produtor de renome num piscar de olhos. Hoje em dia ficaste com essa sensação que a indústria da música se gere em velocidades demasiado rápidas para o que, se calhar, deveria ser?

Aconteceu muito rápido, no meu caso. Tive um factor impulsionador muito importante em todas as críticas e comentários positivos que recebia. Muito disso era porque fazia parte de uma editora que era entusiasmante para as pessoas. Há alguns anos era assim que as pessoas descobriam nova música. Agora ninguém se importa em que editora estás nem com o que o Pitchfork diz. Portanto, construir uma audiência é um processo diferente, mais uma cena social. Mas algumas coisas nunca mudam. Se fazes boa música e tens alguma sorte, tudo pode acontecer. Tive, certamente, muita sorte e agradeço a Deus por isso todos os dias.

Acreditas que esse acto de não saber, de por vezes não se levar demasiado a sério, pode dar num processo criativo bastante produtivo?

Eu acho que é bom levares o teu trabalho muito a sério, mas não demasiado a sério. No final és apenas uma pessoa com algum software e algumas ideias, nada de especial.


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