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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/08/2019

A autora de Eva actua este sábado no festival Sou Quarteira.

Eva Rapdiva: “Achei que havia a necessidade de alguém agarrar os beats de trap para fazer música com algum conteúdo”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/08/2019

Apesar de ser uma das artistas em maior destaque no mercado angolano, falar de Eva Rapdiva provoca-nos um rewind instantâneo para a época em que a cultura hip hop em Portugal dava os seus primeiros passos na Internet, terreno que se revelaria fulcral para as novas vagas de artistas que se seguiram e que hoje tanto admiramos. Internet essa que já “esqueceu” muitos dos temas avulso da MC que maioritariamente giravam de disco rígido em disco rígido, mas cujas passagens por mixtapes como Incendiários ou De Volta Ao Serviço ou os improvisos ao lado de Sam The Kid, Sir Scratch ou Tamin ainda perduram nos dias que correm.

Lançado em 2017, Eva foi o disco que alavancou a carreira da artista em Angola e que lhe permitiu regressar a Portugal para assinar um número considerável de espectáculos. Dois anos após essa edição, há agora um novo disco em nome próprio no horizonte, recentemente antecipado com “Favela”, que tem o “nosso” Charlie Beats nos créditos, e que será antecedido por um EP cozinhado a meias com um produtor brasileiro. Não descurando a sua carreira musical, Eva está ainda a trabalhar no seu primeiro livro, entre outras tantas iniciativas, como é o caso, também, do programa da Red Bull Ging Beat.

O WhatsApp fez a ponte entre Portugal e Brasil, onde Eva actuou recentemente, e, durante a chamada, a rapper falou-nos sobre os mais recentes acontecimentos na sua carreira e antecipou a sua passagem pelo festival Sou Quarteira, agendada para o próximo sábado, dia 17 de Agosto, às 20h30.



Já estás por Portugal?

Não. Neste momento estou no Brasil. Vim fazer um concerto cá. Num festival que é o Latinidades — o maior festival feito por mulheres da América Latina. Foi muito fixe. Estou cá por causa disso e vou-me embora no Domingo. Sigo para Luanda, vou lá fazer umas datas, durante uma semana, e depois é que vou para Lisboa, para fazer as datas daí. Começo com a data do Sou Quarteira.

Além do Sou Quarteira, vais tocar em mais algum lado?

Em Portugal não vou tocar em mais lado nenhum. Tenho outras datas mas são noutros sítios.

Têm corrido bem as últimas apresentações?

Em Angola corre sempre bem. A maior parte das músicas que eu tenho no meu set foram hits lá. São músicas muito conhecidas. Há outras que, se calhar, não bateram tanto, são menos conhecidas, mas são tudo músicas do meu último álbum, que foi bastante consumido por lá. A forma como o meu concerto está montado e como acontece em Angola é muito diferente do que acontece, por exemplo, em Portugal. Porque em Angola parece que todos os momentos são altos. Então é muito diferente. Mas sim, em Angola corre sempre bem e em Portugal também tem estado a correr bem, dentro daquele tipo de show que eu faço em Portugal.

Sobre esse álbum, o Eva, já vai com um ano de vida, não é?

Não. Ele saiu em 2017, em Angola, mas só entrou para as plataformas digitais há um ano, sim. Fiz uma digressão pelo país com ele, de vendas, sessões de autógrafos e concertos. Dele saíram várias músicas — o “Final Feliz?”, o “Beleza Não É Tudo”, “Um Assobio Meu”, o “Desculpa” — que tocaram e ainda tocam bastante em Angola. Neste momento já tenho um novo single, que é o “Favela”, e já é o número 1 numa das tabelas mais importantes de Angola, que funciona por votação do público. Entrou na tabela no último lugar e, três semanas depois, subiu para primeiro. Agora já está há algum tempo em primeiro lugar.

Fora de Angola, sentiste repercussões do Eva noutros países? Portugal ou Brasil, por exemplo.

Eu não posso dizer que tenha sentido repercussões, porque não foi feito um trabalho de divulgação da mesma a maneira como foi preparado para Angola. Fiz imprensa em Portugal mas não fiz uma cena massiva. Porque eu não fiz esse álbum para Portugal. Não é que eu faça álbuns para mercados, não faço isso. Mas não o fiz a pensar no público português. Quando eu o lancei para as plataformas digitais eu fiz, sim, uma promo do tipo “está aqui”, mas foi uma coisa pequena. Também calhou numa altura em que estava com muitas datas em Angola. Fui a Portugal várias vezes mas por períodos pequenos. Não montei um investimento para Portugal. Agora estou a trabalhar numa nova obra discográfica e quero fazer uma versão para Portugal e outra para Angola. Mas antes disso vou estar a trabalhar num EP, que vou fazer com um produtor muito grande do Brasil. Depois disso é que vou terminar o álbum. Aí sim, quero ter um single para explorar melhor o mercado português.

O “Favela” será para esse álbum?

Sim, o “Favela” vai entrar no meu álbum. Neste EP que eu te falei não, porque vai ser só com produções dele.

Podes revelar quem é?

Eu acho que posso revelar mas ainda é muito prematuro estar a falar nisso. Mas se tu fores ao meu Instagram vais perceber quem é.

Regressando ao “Favela”: apesar de tu já teres explorado este tipo de sonoridades no Eva, eu noto que aqui a a cena do trap aparece muito mais vincada. Deixa até a sensação que será nessa linha que te vais apresentar no resto do disco. Mais agressivo. É uma nova fase da Eva Rapdiva?

Não será totalmente assim. Eu vou continuar a cantar em beats boom bap, etc. Mas achei que havia a necessidade de alguém agarrar os beats de trap para fazer música com algum conteúdo. Acho que isso ainda não está a acontecer muito. Se tu ouvires o “Favela” e desmontares as barras, notas que eu tenho um discurso que não é típico do trap. Quando eu digo “primeiro enchemos as dispensas, só depois é que compramos roupa”, ou quando eu digo “stand up/ descendemos de reis, já não somos escravos para levar com chicotes” — este não é um discurso típico do trap. Eu, para trazer trap, vou trazê-lo pautado desta forma. Acho que é isso que está a ser necessário. A visão que as pessoas têm do trap é que o trap é trash music, música sem conteúdo. E o que faz com que uma música não tenha conteúdo não é a sonoridade, é a composição e a escrita. Então, se eu vier com trap, eu venho com trap ao estilo da Eva Rapdiva. Não vou fazer trap para dizer “estou no club com os meus niggas a fumar uma weed…” Não vou fazer isso. Realmente, o “Favela” é uma música que rebentou muito rapidamente em Angola, talvez por causa da sonoridade. Mas eu também já tive músicas que rebentaram e com outras sonoridades. Por outro lado, eu consigo continuar a passar a minha mensagem. O próximo single que eu vou retirar do novo álbum também é num beat trap, mas é uma love song. Vai sair em Setembro. Será uma música de amor, mas daquelas que tu agarras na letra e dizes “ya, eu vivi isto”. A tua namorada vai poder cantar essa música para ti, estás a perceber? Não é uma música de amor num beat trap à toa. Tem uma composição… Eu vou continuar a fazer sons em beats de boom bap, vou. Mas também vou fazer muitas outras coisas. Eu quero, sim, dar um refresh à minha carreira, à minha sonoridade. Eu assumo isso. Nesse próximo single eu inclusive canto, que é uma coisa que não tem acontecido nas cenas que eu tenho feito. Vai ser uma coisa bem executada, que eu acho que é algo que tem falhado no trap.

Para o “Favela” trabalhaste com dois produtores: Weezy Baby e Detergente. São pessoas com quem já tens vindo a colaborar?

O Detergente foi quem produziu metade do Eva e fez também boa parte da co-produção. É o meu produtor, digamos, oficial. O Weezy Baby é um miúdo de Angola que vive em Portugal. Faz parte da nova geração de produtores. Este beat do “Favela” parte de uma produção do Weezy Baby mas eu precisava que o beat, para estar dentro dos meus parâmetros de musicalidade, tivesse mais alguma melodia e outros elementos. O Detergente agarrou nesse beat e deu-lhe isso. Porque eu gosto de trap com musicalidade, com melodias. Tens uma flauta no “Favela”. São algumas coisas que precisam ali do toque do Detergente. Peguei num young nigga, um novo produtor, e juntei-o ao Detergente, que é já uma pessoa com mais experiência, que toca seis instrumentos e tem trabalhado com a elite dos músicos angolanos. A música do Bispo, o “Nós2”, é uma produção do Detergente, que depois levou alguns arranjos de um outro produtor.

Já existe então uma orgânica entre vocês.

Sem dúvida. Ele é o meu produtor. É aquela pessoa com quem eu falo, a quem digo palavras que não têm nada a ver com a linguagem técnica da música sobre o que eu quero e ele percebe logo e faz a cena acontecer. É também quem me dirige, quem me aconselha, quem me apoia e me dá outra visão das coisas, do ponto-de-vista de um produtor. Temos ideias parecidas, só que no que toca à produção ele percebe muito mais e consegue tornar-me mais forte nesse aspecto.

Vai continuar a ser uma peça-chave no teu percurso? Pensando já nesse teu próximo disco?

Com certeza. O álbum vai ser feito com ele e grande parte das músicas serão produções dele. O próximo single que eu vou lançar é uma produção dele. E mesmo em outros projectos, em que eu não trabalhe sobre produções dele, ele vai sempre estar por lá. Eu, por exemplo, só gravo em estúdio com ele. Todas as sessões eu faço com o Detergente. É aquela pessoa que se me diz “essa rima está boa, esse flow está bom”, eu acredito e nem me questiono. Se eu me sentir insegura e ele me disser que não está bom, eu sei que tenho de fazer melhor. É por isso que ele vai sempre participar na minha dinâmica de criação musical.

Há aqui um outro nome que tu juntaste à equação, que é o do Charlie Beats, uma pessoa que aqui em Portugal já tem uma reputação muito vincada, associado a diversos êxitos musicais. Como é que nasce esta parceria?

O Charlie é meu amigo há um bom tempo. Na verdade, eu já estou para fazer alguma coisa com o Charlie há bastante tempo. Ainda não aconteceu. Acho que eu, quando ouço os beats do Charlie, fico só a curtir a vibe. Sabe-me tão bem que eu acabo depois por nunca criar nada em cima dos beats dele [risos]. Acho que ele é um excelente produtor e já convivemos bastante, inclusive a sala de ensaios que eu uso muito em Portugal é a Groundzero, que é dele. Ele é um bro. Decidi trabalhar com ele na parte da mistura e masterização da música e acho que ficou excelente. Eu tenho trabalhado sempre com o Mike nessa área, um sul-africano que é dos melhores nessa área. Mas decidi desta vez passar essa responsabilidade ao Charlie, porque gosto muito da sonoridade que ele dá às coisas. Foi uma boa decisão e vou trabalhar mais vezes com ele.

Fora da vida enquanto artista, tu estás agora também associada ao Ginga Beat, estou certo?

Sim, eu sou locutora do Ginga Beat desde Setembro de 2018. Sou uma das locutoras, porque somos vários. Estou nesse projecto da Red Bull e, fora isso, estou também a terminar um livro, que pretendo lançar em breve, com o título Beleza Não É Tudo, que é também o título de uma das minhas músicas do Eva. E tenho outros projectos. Na verdade, estou com muitos projectos. Quero começar agora — na verdade até já devia ter começado, mas não tenho tido tempo — a produzir eventos. Tanto em Portugal como em Angola. Festas. Já tenho uma casa para receber isso em Lisboa, só falta dar o arranque. Vamos começar a fazer isso no Inverno, caso eu consiga arranjar tempo para isso. Ya, muita coisa, muitos projectos nos quais eu estou envolvida. Só que eu sou só uma pessoa e tenho muito medo de, de alguma forma, falhar com a minha carreira musical. Se calhar, eu só não lancei ainda um single de forma fervorosa para Portugal por não ter tido tempo. Estou num momento muito bom em Angola desde 2016. Tenho uma posição muito forte dentro do mainstream. E não quer perder isso por estar a trabalhar noutro mercado. Este ano fiz uma campanha publicitária para a Sumol, em Angola, em que aparecem três fotografias minhas em cada um dos diferentes sabores da bebida e também algumas frases de músicas minhas. Essa campanha é muito grande e elevou a marca Eva Rapdiva para outro nível. Se eu achava que já não havia mais para subir, estava enganada. Percebi isso agora. Estou até a fazer uma digressão com a Sumol, que termina agora em Agosto. São coisas positivas que vão acontecendo e que acabam por não me dar tanto espaço para trabalhar outros mercados como eu gostava. Tenho discutido muito com o relógio nestes últimos tempos. Acho que ele anda rápido demais [risos].

Imagino. Por outro lado, pelo menos nesse trabalho que desenvolves para o Ginga Beat, se calhar também acabas por ganhar alguma inspiração adicional para trabalhar nas tuas músicas, dada a quantidade de novos artistas que descobres e convidas para entrevistar na rubrica, não?

Olha, sim e não. Porque a maior parte dos músicos que eu convido para o Ginga Beat são músicos que eu já conhecia. Os artistas que eu gosto e dos quais sou fã são pessoas que eu, devido ao meu trajecto, já tive oportunidade de conhecer antes. Isso está até a facilitar o meu trabalho no Ginga Beat, porque eu já tinha acesso a um grande leque de artistas. Eu conheço um universo enorme de artistas e depois consigo tê-los como meus convidados e fazer-lhes entrevistas melhores. Porque além de os conhecer profissionalmente também conheço o lado mais pessoal. Consigo fazer-lhes uma entrevista que, se calhar, a maior parte dos locutores de rádio não conseguiria. Isso é um privilégio que eu tenho. Espero que, no futuro, possa vir a interagir com um outro leque de artistas aos quais eu não teria acesso de outra forma. Mas até agora tenho estado apenas a interagir com artistas que já faziam parte do meu universo. Tem sido bom para mim, porque tenho explorado esse lado da locução, que é uma coisa que eu já faço há seis anos, quando comecei numa rádio em Angola, no programa Beat Box. Só que agora exploro-o de forma diferente, porque o Ginga Beat tem uma estrutura muito melhor do que a qual com quem eu trabalho em Angola. É um programa da Red Bull e a Red Bull faz sempre para que haja a melhor qualidade possível em tudo no que mete a mão. Lá aprendo outras dinâmicas de trabalho, de organizar as coisas, que eu antes não tinha. Estou a trabalhar com uma equipa de profissionais muito boa, desde a pessoa que trata da parte técnica do programa à pessoa que trata da produção. Todos os dias aprendo com eles.

Olhando agora para o teu próximo concerto em Portugal, agendado para o Sou Quarteira, presumo que vás apresentar ainda bastante material do Eva. Mas tens por aí já alguns temas do novo disco que queiras testar em palco ou algum convidado na manga para essa actuação?

Eu actuo sempre com a Tamin e com o Pina. São as minhas participações constantes nos concertos em Portugal. Só se a Tamin não puder, por motivos de agenda, é que não actua comigo. Não vou ter nenhum convidado especial e se tivesse também não ia revelar agora [risos]. Em princípio não tenho, mas se tiver as pessoas vão vê-lo em palco. Quanto ao material, vou tocar o Eva e o “Favela”, que é uma música que ainda não utilizei muitas vezes ao vivo. Vamos fazer mais algumas brincadeiras em palco. Neste concerto vou ter algumas coisas diferentes dos que tenho feito até então. Acho que o Sou Quarteira merece, por ser um festival diferente e ter um cartaz espectacular.


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